7/04/2018

Temas Poéticos: PÁSSAROS III


O Beija-Flor

TOBIAS BARRETO

Era uma moça franzina,
Bela visão matutina
Daquelas que é raro ver,
Corpo esbelto, colo erguido,
Molhando o branco vestido
No orvalho do amanhecer.

Vede-a lá: tímida, esquiva...
Que boca! é a flor mais viva,
Que agora está no jardim;
Mordendo a polpa dos lábios
Como quem suga o ressábio
Dos beijos de um querubim!

Nem viu que as auras gemeram,
E os ramos estremeceram
Quando um pouco ali se ergueu...
Nos alvos dentes, viçosa,
Parte o talo de uma rosa,
Que docemente colheu.

E a fresca rosa orvalhada,
Que contrasta descorada,
Do seu rosto a nívea tez,
Beijando as mãozinhas suas,
Parece que diz: nós duas!...
E a brisa emenda: nós três!...

Vai nesse andar descuidoso,
Quando um beija-flor teimoso
Brincar entre os galhos vem,
Sente o aroma da donzela,
Peneira na face dela,
E quer-lhe os lábios também

Treme a virgem de surpresa,
Leva do braço em defesa,
Vai com o braço a flor da mão;
Nas asas d’ave mimosa
Quebra-se a flor melindrosa,
Que rola esparsa no chão.

Não sei o que a virgem fala,
Que abre o peito e mais trescala
Do trescalar de uma flor:
Voa em cima o passarinho...
Vai já tocando o biquinho
Nos beiços de rubra cor.

A moça, que se envergonha
De correr, meio risonha
Procura se desviar;
Neste empenho os seios ambos
Deixa ver; inconhos jambos
De algum celeste pomar!...

Forte luta, luta incrível
Por um beijo! É impossível
Dizer tudo o que se deu.
Tanta coisa, que se esquece
Na vida! Mas me parece
Que o passarinho venceu!...

Conheço a moça franzina
Que a fronte cândida inclina
Ao sopro de casto amor:
Seu rosto fica mais lindo,
Quando ela conta sorrindo
A história do beija-flor.

★★★

O sabiá
(Cançoneta)

FAGUNDES VARELA

Oh! meu sabiá formoso,
Sonoroso,
Já desponta a madrugada,
Desabrocha a linda rosa
Donairosa,
Sobre a campina orvalhada.

Manso o regato murmura
Na verdura
Descrevendo giros mil,
Some-se a estrela brilhante,
Vacilante,
No horizonte cor de anil.

Ergue-te, oh! meu passarinho,
De teu ninho,
Vem gozar da madrugada...
Modula teu terno canto,
Doce encanto
De minh’alma amargurada.

Vem junto à minha janela,
Sobre a bela
Verdejante laranjeira,
Beber o eflúvio das flores,
Teus amores,
Nas asas de aura fagueira.

Desprende a voz adorada,
Namorada,
Poeta da solidão,
Ah! vem lançar com encanto
Mais um canto,
No livro da criação!

Oh! meu sabiá formoso,
Sonoroso,
Já desponta a madrugada...
Deixa teu ninho altaneiro,
Vem ligeiro
Saudar a luz da alvorada.

★★★

O albatroz

DELFIM GUIMARÃES

Às vezes no alto mar, distrai-se a marinhagem
Na caça do albatroz, ave enorme e voraz,
Que segue pelo azul a embarcação em viagem,
Num voo triunfal, numa carreira audaz.

Mas quando o albatroz se vê preso, estendido
Nas tábuas do convés, — pobre rei destronado!
Que pena que ele faz, humilde e constrangido,
As asas imperiais caídas para o lado!

Dominador do espaço, eis perdido o seu nimbo!
Era grande e gentil, ei-lo o grotesco verme!...
Chega-lhe um ao bico o fogo do cachimbo,
Mutila um outro a pata ao voador inerme.

O Poeta é semelhante a essa águia marinha
Que desdenha da seta, e afronta os vendavais;
Exilado na terra, entre a plebe escarninha,
Não o deixam andar as asas colossais!

★★★

O canário

BERNARDINO LOPES

I
Na choupana de um velho proletário,
Entre a ramagem múrmure e sombria
De virente pomar,
Apresentando um rústico cenário:
Às vezes em fragrante eflorescência,
Vistoso e a balouçar,
Outras — de fruto
Os ramos a pender no solo bruto,
Como quem cai em lânguida dormência,
Cantava todo o dia.
Um aflautado e trêmulo canário.

II
Quem toma, acaso, a travessia curta
Daquele sitio, esmeraldino prado
De rescendente murta
E bananeira agreste, que a fragrância
Percebe-se a distância
Do cachopo escarlate e azul-ferrete,
Na ribanceira hirsuta, entre gungis,
Que marchetam selvático tapete,
Escuta-o, embevecido,
Sentado ao cepo do indaiá partido
Do ribeirão ao lado,
E mais, mais retirado,
O barulho de ariscas juritis.

III
No caminho há festões de escura sombra,
Com mil flores em cacho;
E a água do riacho,
Que à superfície é como um claro espelho,
Atravessando o leito do caminho
Vai se esconder nos côncavos da alfombra
Da chácara do velho.
Tão mole escorre e rumoreja a fonte
Por debaixo da ponte,
Que a descansar convida-nos baixinho...

IV
Tão fresca que ela é! Tons anilados
Na profundeza escura e transparente
Da múrmure corrente;
Uma pétala curva, a flor de lima,
A folha verde e limpa do arvoredo
Em delíquio e brinquedo
Escorregando vai...
É um barquinho frágil que se anima...
Some-se! a gente espera:
Dentre a sombra fantástica dos matos
A veia d’água sai,
A deslizar-se-lhe, outra vez, por cima,
Talvez... uma quimera!
Talvez que a pluma branca, alva dos patos,
Como uma nuvem na azulada esfera!

V
E é tempo. O caminheiro o ponche enrola,
Depois que, o sol medindo, se levanta
Para seguir viagem.
Mas o canário canta
No grubapê flexível da gaiola
Ao lado do oitão
Da Sombria choupana, alegre, entanto,
Por trás dos ramos da limeira — oculta,
Ao dote requebrar daquele canto,
— Silvestre idílio de uma letra inculta —
Mas filho e pai entendem-lhe a linguagem,
Como a bradar — coragem!!

VI
Tinha um filho pequeno o proletário.
Era o gentil e trêfego Joãozinho,
Fruto do seu amor. No seu caminho
Da vida transitória
Achara uma consorte e, solitário,
Deitava luto em si, dela em memória.
Agora viúvo e pobre,
E triste como um funerário dobre,
Ama o pequeno e dá-lhe bons conselhos,
Quando assentado o tem sobre os joelhos.

VII
Mandava o filho de manhã à escola.

VIII
O que a este entretinha era a gaiola,
De grubapê e cana,
Dependurada ao caibro da choupana,
Onde cantava alegre o seu canário.
Era um pássaro belo,
Pequenino, gentil todo amarelo!
Quando voltava do arraial, sozinho,
Com o cajado ao ombro,
Sem mostras de temor, sequer de assombro,
Pelo deserto e rústico caminho;
Na bolsa os livros, o calçado à mão,
Calça ao joelho, em desafio ao chão,
Despida a jaquetinha, o peito aberto,
Cantando uma cantiga
De sertanejo e antiga
E do velho casebre já bem perto,
Conhecia o canário a voz do amigo
E punha-se a cantar, cantar, cantar,
Com a cabacinha junto do postigo...
O menino corria pressuroso,
Mal chegava no lar,
Do seu canário à rústica prisão...
Nadava em pranto o carinhoso olhar!
De júbilo, coitado!
E acariciava-o tanto,
Que o passarinho transformava o canto
Em torrente de célere trinado!

X
Embora fronte branca e veneranda
Do trêmulo ancião
Pousasse, acabrunhada, sobre a mão
Trigueira e descarnada,
Assim como quem anda
A imaginar a morte muito perto,
Ele sorria sempre, — rir incerto!
Dando ao semblante uma expressão, um brilho,
Como luz de relâmpago em sudário,
Ao infantil espírito do filho,
Ao requebro mavioso do canário!
Tanto que, se achava na gaiola
Mudo e arrepiado,
Quando voltava do labor diário,
Ia chorar o velho na viola
Um lânguido estribilho...
E o bom cantor erguia o bico aberto!
Melancólico, então, era o concerto!

***
Depois de uma orfandade,
De álgida e lutulenta viuvez,
Estava a felicidade,
A alegria do albergue solitário,
Do bom filho, do honrado proletário,
Em rústica prisão de grubapês.

★★★

A águia

LUÍS DELFINO
“Rosas Negras” (1938)

A águia negra, num voo, de repente
Fura o céu, desprendida da montanha,
E parece levar em feixe ardente
Luz, que às garras metálicas apanha.

Afronta o sol, provoca-o frente a frente,
Deixa as nuvens atrás, remonta em sanha...
E volta irada, triste, e lentamente,
Por ver tão longe a luminosa aranha.

Liso, e em fogo o areal, como um espelho
Amplo, se estende ao seu olhar vermelho...
Vermelho, como a espuma dos vulcões:

Desce; e por desenfado ao bico enorme,
Enquanto um grupo de gazelas dorme,
Folga arrancando os olhos aos leões.


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