7/05/2018

Temas Poéticos: AMOR IV


Amar

TOBIAS BARRETO

Amar é fazer o ninho,
Que duas almas contém,
Ter medo de estar sozinho,
Dizer com lágrimas: vem,
Flor, querida, noiva, esposa…
Cabemos na mesma lousa…
Julieta, eu seu Romeu:
Correr, gritar: onde vamos?
Que luz! que cheiro! onde estamos?
E ouvir uma voz: no céu!

Vagar em campos floridos
Que a terra mesma não tem;
Chegamos loucos, perdidos
Onde não chega ninguém…
E, ao pé de correntes calmas,
Que espelham virentes palmas,
Dizer-te: senta-te aqui;
E além, na margem sombria,
Ver uma corça bravia,
Pasmada olhando pra ti!

★★★

Amor e vida

RAIMUNDO CORREIA

Esconde-me a alma, no íntimo, oprimida,
Este amor infeliz, como se fora
Um crime aos olhos dessa, que ela adora,
Dessa, que crendo-o, crera-se ofendida.

A crua e rija lâmina homicida
Do seu desdém vara-me o peito; embora,
Que o amor que cresce nele, e nele mora,
Só findará quando findar-me a vida!

Ó meu amor! como num mar profundo,
Achaste em mim teu álgido, teu fundo,
Teu derradeiro, teu feral abrigo!

E qual do rei de Tule a taça de ouro,
Ó meu sacro, ó meu único tesouro!
Ó meu amor! tu morrerás comigo!

★★★

Que há de ser o amor um só

MANUEL BOTELHO DE OLIVEIRA

Uma alma do abrasador
Frecheiro é gloriosa palma;
Quem pois sacrifica uma alma,
Deve adorar um Amor.

Rende Amor por majestade
Do entender a excelência,
Da memória a persistência,
A inclinação da vontade.

Prendem belas sujeições
O coração nos ardores;
Quem pois cria dois amores,
Há mister dois corações.

Inconstante há de lograr
Dois fogos, por mais que anele:
Pois quando cuida naquele,
Neste já deixa de amar.

Inteiro amante não é,
Que no florido primor,
Partida a flor, não é flor,
Partida a fé, não é fé.

Amor é Sol no sujeito
Que belos incêndios cria;
E se brilha um Sol no dia,
Um amor brilhe no peito.

Veneno amor é julgado;
Mate pois, quando o condeno,
Se um veneno, outro veneno,
Um cuidado, outro cuidado.

Há de ser no coração
Um, ou outro emprego belo,
Agrado sim, não desvelo,
Faísca sim, chama não.

Venero enfim, se avalio
Entre muitos um desejo,
Muitas damas no cortejo,
Uma Anarda no alvedrio.

★★★

Amor é fogo que arde sem se ver

LUÍS VAZ DE CAMÕES

Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

★★★

Amor e lágrimas

LAURINDO RABELO

Se fosse possível na minha alma
Amanhecer um dia da ventura,
Corado por um beijo de donzela
Ao despontar d’aurora...

Se, Anjo de salvação mandado ao mísero,
Sorrindo, pelo céu jurasse a bela
Fazer-me cada vez por novos beijos
Mais rubra a cor do dia...

Se fiel companheira em toda parte
Quisesse me seguir, presa comigo,
Como um raio celeste preso a um astro
A iluminar-lhe o curso...

Se a visse, desdenhosa a mil tesouros,
Só por ter-me, deixá-los e contente
A gabar-me o sabor do pão grosseiro
Que me alimenta a vida...

Não a crera; e talvez que até julgasse
Tantas provas de amor atroz perfídia,
Se amor me não brilhasse nos seus olhos
No centro de uma lágrima.

Amor é fogo; o coração que ama
Todo nas suas chamas se evapora,
No rosto se condensa, e chega aos olhos
Em água convertido.

Que é um riso? — Um prazer. Prisão estreita
De duas almas? — Simpatia apenas:
E os abraços e beijos? — Muitas vezes
Sustento de lascívia.

Tudo isso diz amor; mas quando? — Quando,
Filho de um doce afeto que se apura
Nos cadinhos da dor, é batizado,
Num batismo de prantos.

É belo ver-se uns olhos cintilantes,
Acesos em vulcões de fogo ignoto,
A dardejar faíscas invisíveis
Que os corações abrasam:

É belo ver-se um rosto nacarado
No carmim do prazer: é belo ver-se
Partir fino coral de rubros lábios
Um sim d’alma saído:

Mas em rostos assim amor não fala;
E, se fala, as mais vezes diz mentiras;
E este — sim — que tomamos por verdade
É escárnio do crente.

Quereis vê-lo sincero? Observai-o
N’açucena de um rosto desmaiado,
Entre os lírios de uns lábios que roxeiam
Suspiros de agonia:

Nuns olhos, cuja luz crepusculante,
Entre a neve das lágrimas, pareça
Revérbero da alâmpada mortiça
Do templo da saudade.

Aí podeis lhe crer o que disser-vos,
Podeis segui-lo sem temer um crime;
Que amor, se o pranto lhe borrifa as asas,
Seu voo ao céu dirige.


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