7/10/2018

Temas Poéticos: FELICIDADE - I


Felicidade tardia
(A um órfão)

DARIO GALVÃO
"Ecos e Sombras" (1911)

Toca o seu termo a nesta romaria,
Longa demais quando se a faz sozinho;
E, só, me pôs no berço o fado azinho,
Pois minha mãe custou-me a luz do dia!

Nem um amigo achei pelo caminho,
Seguindo a mesma estrada que eu seguia;
Só mitigava a sede de carinho
Na miragem falaz da fantasia!

Hoje, ao partir para o almejado porto,
Vem doce lágrima, chorando o morto,
Fazer brotar enfim uma saudade!

E de toda uma vida um só minuto,
Eu sinto que por toda a eternidade
Deixará na minh'alma eterno luto!

★★★

Convite para a felicidade

ANTÔNIO FELICIANO CASTILHO

Ditoso, Júlia, ditoso,
quem livre de inquietação
come os frutos que semeia,
e dorme no seu torrão;

que desconhece das cortes
intriga, esperança e receios,
que julga acabar-se o mundo,
onde acabam seus passeios.

Penúria e riqueza ignora,
dois escolhos da virtude,
e tira do seu trabalho
bens, prazer, vigor, saúde.

De iguais rodeado vive,
e só tem por superior
seu Criador no outro mundo,
na paróquia o seu pastor.

As aras jamais incensa
de Astreia, Minerva ou Marte,
mas Baco e Pomona e Ceres
lhe riem de toda a parte.

Mais apertado não vive
na avita cabana herdada,
que o rico em salões de estuque,
de alta, soberba fachada.

Em vez de jardins estéreis,
faz consistir seu prazer
em lhe à porta verdejarem
as couves que fez nascer.

Dorme em colmo um sono inteiro,
enquanto, em doirado leito,
o nobre se volve, e geme,
de aflição ralado o peito.

Ao lado lhe dorme a esposa,
fiel, inocente e bela;
o filhinho, imagem sua,
dorme em paz ao seio dela.

Se ela lhe diz: – eu te adoro,
eu te amarei toda a vida! –
de ser verdade o que escuta
nem um momento duvida.

Sabe que a fé, que a virtude,
virtude pura, ilibada,
dons mais belos que a beleza,
são numes da sua amada.

Ela não vive no meio
da corrupta mocidade,
que adorna, envenena, empesta,
das cortes a sociedade.

Não quer brilhar nos passeios,
nem de mil adoradores
vai disputar nos teatros
os suspiros e os louvores.

Passa a noite ao pé do esposo,
entre os filhos passa o dia,
o trabalho a ocupa sempre:
ser infiel poderia?

Da sua família é toda,
nela concentra a afeição,
que as damas à intriga, às festas,
ao jogo, aos enfeites dão.

Quer-se ornar nos santos dias?
Não se assenta ao toucador
em vez de joias brilhantes
procura singela flor.

Para arranjar seus cabelos,
nem corre ao cristal da fonte;
não carece de outro espelho,
tem seu consorte defronte.

Ele lhe ensina a maneira
por que lhe ficam melhor;
ele lhe diz em que sítio,
e como lhe ajusta a flor.

Se lhe agrada, está contente;
e vai de inocência cheia
entrar com ele nas festas,
nas festas simples da aldeia.

Ah, Júlia! Que sorte a de ambos!
Sem longas filosofias,
sabem melhor do que os sábios
desfrutar serenos dias.

Os princípios, os sistemas,
sonhos de estéril vaidade,
jamais tornaram ditosa
a mesquinha humanidade.

Se existe o bem sobre a terra,
se queres, Júlia, este bem,
uma aldeia... uma cabana...
ternura... inocência... Ah, vem!

★★★

Felicidade

AUGUSTO DE LIMA
“Contemporâneas” (1887)

Que mais desejo, tendo-vos comigo,
áureos cabelos, olhos de safira?
De vosso influxo ao precioso abrigo
floresce o Bem, o mal é uma mentira.

A própria noite, a mãe dos pesadelos,
é para mim um matinal disfarce,
quando, fitando-te entre sonhos belos,
vejo a vida em deslumbres desatar-se.

Ah! quando de ti junto e comovido,
sinto pulsar teu coração, e o escuto,
como um suave pêndulo movido
no relógio do amor casto, impoluto,

minha alma aspira o oxigenado clima
de um país ideal feito de auroras,
onde o porvir tranquilo se aproxima
ao sonoro tintinar das horas...

★★★

A felicidade do amor

DOMINGOS JOSÉ GONÇALVES DE MAGALHÃES
"Urânia" (1862)

Mil vezes feliz quem ama!
Ah! só quem ama é que sente
Como é suave e inocente
Este afeto encantador.

Meu coração sempre triste,
Que insensível parecia,
Como agora se extasia
Só com um sorriso de Amor!

Um só sorriso inefável.
Como o destino tão forte,
Mudou logo a minha sorte,
E o meu ser, que outro sou eu.

Por amá-la sou ditoso!
E o que fora sendo amado?
Eu ficara endeusado,
Adorando o rosto seu.

Mas que digo? o que me falta?
E sem par minha ventura!
Sua alma inocente e pura
A minha alma se entregou.

Porém ela manda, impera
Na minha alma, e no meu peito;
Que com prazer me sujeito
A quem tanto me outorgou.

Oh meu Deus! minha ventura
Excede a quanto eu sonhava,
Quando às vezes me entregava
A doce ideia de amar!

Nas trevas em que eu vivia
Luz serena resplandece;
Agora só me parece
Que nasci para gozar.

E tal a minha alegria,
Tal a chama que em mim lavra,
Que até me falta a palavra
Para exprimir a paixão.

Tento cantar suas graças,
E só gemo, e só suspiro,
E em cada som que desfiro
Quer fugir-me o coração.

Quer fugir-me sempre inquieto,
Sempre de amor abrasado,
Quer só estar a seu lado,
Que a ausência é tormento atroz.

Só junto à Urânia se expande,
Só a seus olhos respira,
E temo bate, e suspira,
Quando lhe ouve a doce voz.

Todo este amor que me abrasa,
Todo este amor tão constante,
Não me parece bastante
Para o dela merecer.

Amá-la inda mais quisera
Com um amor inconcebível!
Mas, oh Deus! não é possível;
Mais amor não pôde haver.

★★★

Feliz

AUTA DE SOUZA
“Poesias”

Dizes-me que a ventura te foi dada
E contente tu’alma jamais chora:
Vives sorrindo à luz de uma alvorada
E a noite para ti é cor da aurora...

Não creio nessa dita, me perdoa.
Ninguém na terra pode ser feliz.
Até o sino que na torre soa
Tem sua dor, nem sempre ele bem-diz.

Longe... distante... Pelo azul chalreando,
A modular uns hinos tão suaves,
Pássaros meigos lá se vão cantando...
Mas tu crês na ventura dessas aves?

Repara bem naquela que ficou
Pousada lá no cimo da aroeira:
Ela chora, coitada, pois deixou
Muito longe perdida a companheira.

Aves da terra, em tímidos adejos,
Também alegres como as rolas mansas,
Rostos corados, recendendo beijos,
Correm cantando grupos de crianças.

E enquanto passa, em revoada louca,
Este dourado batalhão de arcanjos,
Eu quero ouvir-te da risonha boca
Se é eterna a ventura desses anjos.

A moça também sofre... Um áureo cofre
Guarda-lhe os prantos e o martírio duro,
E, de todas, aquela que mais sofre
É a que tem o coração mais puro.

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