7/10/2018

Temas Poéticos: LIVRO - I


O Livro e a América

CASTRO ALVES
(Bahia, 1867)

Talhado para as grandezas,
P'ra crescer, criar, subir,
O Novo Mundo nos músculos
Sente a seiva do porvir.
— Estatuário de colossos —
Cansado doutros esboços
Disse um dia Jeová:
"Vai, Colombo, abre a cortina
"Da minha eterna oficina...
"Tira a América de lá".

Molhado inda do dilúvio,
Qual Tritão descomunal,
O continente desperta
No concerto universal.
Dos oceanos em tropa
Um — traz-lhe as artes da Europa,
Outro — as bagas de Ceilão...
E os Andes petrificados,
Como braços levantados,
Lhe apontam para a amplidão.

Olhando em torno então brada:
"Tudo marcha!... Ó grande Deus!
As cataratas — p'ra terra,
As estrelas — para os céus
Lá, do polo sobre as plagas,
O seu rebanho de vagas
Vai o mar apascentar...
Eu quero marchar com os ventos,
Com os mundos... co'os firmamentos!!!"
E Deus responde — "Marchar!"

"Marchar!... Mas como?... Da Grécia
Nos dóricos Partenons
A mil deuses levantando
Mil mármores Panteons?...
Marchar co'a espada de Roma
— Leoa de ruiva coma
De presa enorme no chão,
Saciando o ódio profundo...
— Com as garras nas mãos do mundo,
— Com os dentes no coração?...

"Marchar!... Mas como a Alemanha
Na tirania feudal,
Levantando uma montanha
Em cada uma catedral?...
Não!... Nem templos feitos de ossos,
Nem gládios a cavar fossos
São degraus do progredir...
Lá brada César morrendo:
"No pugilato tremendo
"Quem sempre vence é o porvir!"

Filhos do sec'lo das luzes!
Filhos da Grande nação!
Quando ante Deus vos mostrardes,
Tereis um livro na mão:
O livro — esse audaz guerreiro
Que conquista o mundo inteiro
Sem nunca ter Waterloo...
Eólo de pensamentos,
Que abrira a gruta dos ventos
Donde a Igualdade voou!...

Por uma fatalidade
Dessas que descem de além,
O sec'lo, que viu Colombo,
Viu Guttenberg também.
Quando no tosco estaleiro
Da Alemanha o velho obreiro
A ave da imprensa gerou...
O Genovês salta os mares...
Busca um ninho entre os palmares
E a pátria da imprensa achou...

Por isso na impaciência
Desta sede de saber,
Como as aves do deserto —
As almas buscam beber...
Oh! Bendito o que semeia
Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n'alma
É germe — que faz a palma,
É chuva — que faz o mar.

Vós, que o templo das ideias
Largo — abris às multidões,
P'ra o batismo luminoso
Das grandes revoluções,
Agora que o trem de ferro
Acorda o tigre no cerro
E espanta os caboclos nus,
Fazei desse "rei dos ventos"
— Ginete dos pensamentos,
— Arauto da grande luz!...

Bravo! a quem salva o futuro
Fecundando a multidão!...
Num poema amortalhada
Nunca morre uma nação.
Como Goethe moribundo
Brada "Luz!" o Novo Mundo
Num brado de Briaréu...
Luz! pois, no vale e na serra...
Que, se a luz rola na terra,
Deus colhe gênios no céu!...

★★★

Salve, ó Livro
(Num Álbum)

LUÍS DELFINO
"Poesias Líricas" (1934)

À sombra do vergel coberto de loureiros,
Onde os cisnes da Lísia e do Brasil rivais
Roubam à abelha o mel e o clarão aos luzeiros,
Em melódicos sons, em cantos divinais,

Vim sentar-me, conviva estranho, humilde, ignoto,
Entre a turba de reis, que é cada um pensador,
E erguer a voz também, também fazer meu voto,
Mesclando aos seus lauréis a minha pobre flor.

Sonhei: — Vi do horizonte erguer-se um vulto armado,
Com gesto de guerreiro antigo e colossal,
E abraçar um mancebo a erguer-se do outro lado
Tão grande que o cabelo era-lhe um florestal.

Tinha um rio enroscado à floresta; — era o casco,
Como serpente argêntea em troncos a silvar:
Na boca enorme traz um enorme penhasco,
Que, disséreis, ser ilha em verde e pleno mar.

Os pés punha-os também sobre outra igual serpente,
Estendendo a lamber ubérrimos vergéis:
A imagem cri eu ver do meu Brasil ingente,
Que à fronte tem um rio e outro rio nos pés.

Levando aos ombros nus as vagas espumosas,
Entre eles o oceano estortegava em vão:
Fronte a fronte no ar, ali os dois gigantes
Firmavam num amplexo uma eterna união.

Enquanto à mente o quadro em sonhos me apresenta,
E eu quero e aspiro vê-lo eternamente assim,
De um e de outro país o gênio aqui se assenta
No mesmo livro como à mesa de um festim.

O livro então parece o braço destinado
A ter a humanidade em senda mais feliz,
A ligar o Cruzeiro ao Tejo decantado
E os montes de um país ao mar de outro país.

O livro é como o sol, águia da imensidade
Nos páramos do céu em voo perenal,
O facho que ilumina o passo à humanidade,
A espada que fulmina o anjo torvo do mal.

O raio que derruba as raias dos impérios,
E nivela as nações e une povos e reis,
Que faz o poeta ver nos espaços etéreos
Junto ao jovem Brasil o ancião português,

Caldeira refervente em que cai a pedaços
A vida e o coração e a alma do pensador,
Donde sai, pé em terra e a fronte nos espaços,
Feita de sons e luz a figura do amor,

Elo santo que prende o mar grande ao vil lenho
E às divinas canções um tênue som de mais:
Salve, ó livro, arca de ouro em que guardar eu venho
Meu pobre nome e uni-lo aos nomes imortais.

★★★

Livros e Flores

MACHADO DE ASSIS
“Falenas” (1870)

Teus olhos são meus livros.
Que livro há aí melhor,
Em que melhor se leia
A página do amor?
Flores me são teus lábios.
Onde há mais bela flor,
Em que melhor se beba
O bálsamo do amor?

★★★

Livros

AFONSO CELSO
"Poesias escolhidas" (1902)

De livros mil vivo cercado,
Dias e noites passo a ler,
Mas, francamente, o resultado
Coisa não é de agradecer.

Nenhum me dá — paz e conforto,
Nenhum me diz se eu amanhã
Vivo estarei ou se, já morto,
Terá cessado o meu afã.

Nada afinal sabeis ao certo
Sobre das almas o tropel...
Do vosso cume vê-se perto;
Chatas montanhas de papel.

Vans pretensões! Orgulho fofo!
Do ser mesquinho que vos fez
Tendes o mesmo vil estofo,
Tendes a mesma pequenez.

Cada vez mais, debalde, avulta
Vossa maré... Fudo invadis;
Mas não tornais quem vos consulta
Nem menos mau, nem mais feliz.

Que um cataclismo vos destrua,
Mal não fará... Sem o sentir,
Mas não tornais quem vos consulta
Nem menos mau, nem mais feliz.

Que um cataclismo vos destrua,
Mal não fará... Sem o sentir,
Serena a vida continua:
Lutar, sofrer, sonhar, mentir...

★★★

Livro

HEYDINE MILANEZ
“Diário da Manhã” (1936)

Livro! sagrada fonte, cristalina;
Onde sacio a sede em gotas de ouro.
Foste sempre meu enlevo de menina,
Foste sempre meu único tesouro!

Pequena ainda, eu lia extasiada,
João-Maria e a Gata Borralheira,
A Vida da princesa acorrentada,
Por arte da maldosa feiticeira!

Depois, interessou-me do passado
Feitos heroicos da raça Varonil.
Contigo este meu ser tem vibrado,
Quando falas da história do Brasil!

Tantas vezes fonte eu tenho ido
As gotas d’ouro, sôfrega, beber.
Mas apesar de ter muito aprendido,
Não sinto nunca a sede decrescer.

As ideias na mente, baralhadas,
Num tumulto febril e num grande clamor,
No livro, como rosas desfolhadas,
Dão brilho e graça, tomam forma e cor!

Quando eu tiver vista cansada,
E não puder as tuas linhas ler,
Quero sentir a tua presença amada,
Ó luz querida, ó fonte de saber!

E então já velha — que importa a idade?
Rememorando os dias do passado,
Livro bendito, sentirei saudade
Das histórias do príncipe encantado!...

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