9/16/2018

Os méritos poéticos de Luís Delfino



Os méritos poéticos de Luís Delfino

Em excelente estudo de crítica refere Osório Duque Estrada que o autor da História da Literatura foi demasiado severo quando julgou dos méritos de Luís Delfino.

O crítico, a seu ver, não pôs em relevo as composições de maior mérito do poeta.

O crítico, diz ele, não citou nem uma das suas obras primas, quando bastaria, no entanto, qualquer dos sonetos do autor em que o capricho e o lavor da forma não conseguiram destruir nem apagar o capitoso perfume de sentimento que os anima.

Conhece o meu caro Mestre a bela peça em que o poeta nos refere a vida do Paraíso fecundada pela primeira lágrima da mulher?

Aí vai ela, para ser citada de preferência em próxima edição da sua admirável História dei Literatura Brasileira:

Quando a primeira lágrima caindo
Pisou a face da mulher primeira,
O rosto dela assim ficou tão lindo
E Adão beijou-a de uma tal maneira,

Que astros e tronos, pelo esposo infindo,
Como uma catadupa prisioneira,
As seis asas de luz e de ouro abrindo,
Rolaram numa esplêndida carreira...

Alguns, pousando à próxima montanha,
Queriam ver de perto os condenados
De dor transidos, na agonia estranha;

E ante o fulgor dos beijos redobrados,
Todos pediam punição tamanha,
Ansiosos, mudos, trêmulos, pasmados!...

Conhece o ilustre crítico a primeira joia do Parnaso Brasileiro, aquela que o poeta intitulou Jesus ao colo de Madalena?

Aí lha ofereço, pedindo-lhe que admire os efeitos de cor, de som e de harmonia desse quadro forte, que faria inveja a Rembrandt:

Jesus expira — o humilde e grande obreiro!
Sobem já pela cruz acima, escadas,
E nos cravos varados do madeiro
Os malhos batem, cruzam-se as pancadas.

Soluça o pranto em torno... As mãos, primeiro,
Inertes caem no ar, dependuradas...
Oscula o corpo, verga o torso inteiro
Nos braços das mulheres desgrenhadas.

Soltam-se os pés, aumenta o pranto e a queixa...
Só Madalena ao ouro da madeixa
Limpa-lhe a face, que de manso inclina!

E no meio da lágrima mais linda,
Com o dedo abrindo a pálpebra divina,
Busca ver se ele a vê, beijando-o ainda.

Conhece Sílvio aquela joia romântica, As Ires irmãs, quintessência do sentimento, que anda por aí repetida por centenas de bocas? Basta citar a última parte para dar ideia da profunda paixão que a inspirou:

Se a primeira morresse, oh! como eu choraria
A minha desventura!
Com lágrimas de dor lavara noite dia
A sua sepultura

Se a segunda morresse, oh transe amargurado!
Eu choraria tanto
Que ela iria boiando em seu caixão dourado
Nas águas de meu pranto!

Se a terceira morresse, em seu caixão deitada
Sem que eu chorasse, iria,
Porque noutro caixão, oh minha morta amada,
Alguém te seguiria!
 
Qual dos nossos poetas já revelou mais sentimento, mais alma, mais paixão nas suas estrofes? No está aí essa faculdade poética admiravelmente casada com a intensidade forte da imaginação?

É fácil respigar ainda muitos outros exemplos; vem-me à pena o formoso soneto In her book, um dos mais estimados de toda a vastíssima coleção:

Ela andou por aqui; andou: primeiro,
Porque há traços de suas mãos: segundo,
Porque ninguém como ela tem no mundo
Este esquisito, este suave cheiro!
 
Livro: de beijos meus teu rosto inundo,
Porque pousaste sobre o travesseiro
Onde ela dorme o seu dormir ligeiro
Como um sono de estrela em céu profundo.

Trouxeste, bela, o olor de uma caçoila,
A luz que canta, a mansidão da rola
E esse estranho mexer de etéreos ninhos...

Ruflos de asas, amoras dos silvedos,
E frescuras de água, sombras e arvoredos,
Dando seca aos roseais pelos caminhos!...

Vai longa a citação “O vinho é capitoso e, propinado de uma só vez, é bem capaz de embriagar. Torna-se necessário um segundo artigo: nesse encontrará o meu ilustre Mestre, reservada e a tempo, uma nova taça de ambrosia...”


Almanaque Brasileiro Garnier, edição de 1909.

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