10/12/2018

Álvarus de Oliveira - B. Lopes, o poeta fidalgo



B. Lopes, o poeta fidalgo

Bernardino da Costa Lopes ou simplesmente B. Lopes, foi um poeta sutil que fez época.

Nascido em Boa Esperança, município de Rio Bonito, no Estado do Rio de Janeiro, foi um simples caixeiro, devido à situação financeira precária dos seus pais, chegando a ser, mais tarde, funcionário dos Correios da então capital do Rio de Janeiro, por concurso.

B. Lopes foi um poeta inspiradíssimo, desde muito moço. As suas poesias eram recitadas nos salões cariocas e ouvidas com verdadeiro prazer. Os seus livros eram vendidos facilmente. Conta-se que um dos recordes de livraria lhe coube com os seus Brasões: dois mil exemplares vendidos em quinze dias! Recorde que seria hoje também que a nossa poesia está tão desvalorizada.

Entre a sua obra que ficou como imortal, destaca-se o soneto que se segue, extraído dos Cromos e que não há quase quem não conheça:

Na alcova sombria e quente
Pobre demais, se não erro
Repousa um moço doente.
Sobre uma cama de ferro.

Pede-lhe baixo, inclinada,
Sua mulher – que adormeça,
Em cuja perna curvada
Ele reclina a cabeça.

Vem uma louça figura,
Com a colher da “tintura”
Que ele recusa num ai!

Mas solícito anjinho
Diz-lhe com riso e carinho:
– Bebe que é doce, papai.

B. Lopes cantava quase sempre as duquesas e condessas, motivo porque foi chamado "o poeta fidalgo". João Ribeiro chegou a declarar que fora B. Lopes um dos maiores poetas de sua geração.

Deixou o delicado vate as seguintes obras: Cromos (duas edições) Dona Cármen, Pizzicatos, Sinhá Flor, Vale de Lírios, Helenos e Plumário.

É patrono da Academia Fluminense de Letras. Quando ia publicar os Brasões, chegou a colocar por debaixo do seu nome: “Não é da Academia...”, o que foi retirado depois de muito pedirem alguns dos seus amigos que viram provas do livro.

B. Lopes foi um boêmio incorrigível. Internado, certa vez, no hospício voltou depois curado à mesma vida desregrada que o levou ao túmulo no dia 18 setembro de 1916, no Engenho de Dentro, Rio de Janeiro.

B. Lopes teve na existência, como todos nós, um amor que não floresceu.

Andava o poeta quase sempre por Santana de Macacu, hoje Japuíba que, por esta época era lugar com vida, ao contrário do que é hoje, quase deserto e morto.

O que levava, porém, recanto fluminense, era a beleza, simpatia de uma prima. Moça, linda, atraente, alegre, recitando poesias e cantando os seus lundus ao som da Dalila, tocada ao violão pelos seus dedos lindos e ágeis, em pouco arrebatou B. Lopes o seu coração. O poeta em pleno Rio de Janeiro, cidade encantadora das mulheres mais lindas do mundo, fora deixar o coração às mãos de uma roceirinha... que sabia prender e seduzir mais que as moças da capital...

Mas B. Lopes já encontrou o coração de Chandoca Lopes domado pelo amor de um outro primo, com quem se casou mais tarde.

Havia, também, outros motivos que concorreram para que a linda e formosa Chandoca Lopes não pudesse amar ao esteta. Preconceitos de raça, preconceitos tolos mas que, naquele tempo, eram vitais em questão de amor.

Existia grande afinidade entre a alma dos primos. Ambos artistas. Ambos com senso poético.

O soneto abaixo foi dedicado à sua prima amada:

CHANDOCA

Corpo delgado, franzino
Como um lírio do caminho
Que vergasse de tão fino.
Ao peso de um passarinho.

Canário que solta um trino
Entre as pelúcias do ninho;
Olhar manso e cristalino
Alburas frescas linho...

Rositas vivas na face,
Lábios fechados, vermelhos
Como cravina que nasce

Mãos finas, unhas rosadas
Pequenos pés sem artelhos
Tranças ao ombro atiradas...

B. Lopes compreendeu que o seu amor era impossível e irrealizável. Afastou-se de Santana e ficou com o Rio, onde ele sufocava a sua paixão na sua desbragada boemia.

Quando Chandoca casou-se B. Lopes enviou uma carta ao seu primo, onde ele dizia que invejava a sua sorte e contava a sua vida agitada e louca sob os vapores do vinho tomado aos cafés daquele tempo onde não havia homem de letras que não fosse boêmio... Parece que qualidade primordial para se ser literato. Saber, beber, antes de mais nada...

Deplorava, porém, não poder viver naquele recanto tão plácido mas tão feliz (Santana) ao lado daquela que amava...

Via-se pela missiva que o poeta ainda tinha no peito aquele amor que soubera guardar na sua alma do artista!

São estes amores incompreendidos que completam e que lapidam este brilhante poeta: a Arte.

Ai dos poetas se não houvesse o amor irrealizável!

B. Lopes viveu no Rio onde a par da sua dor e da sua boemia, o seu nome subiu à Glória e ficou na Imortalidade...

Chandoca Lopes na sua luta pela família – criando filhos e neto – não sufocou os seus sonhos poéticos; pelo contrário, à proporção que ia sorrindo a lição dura da vida e transpondo os transes da existência, ia fazendo os seus versos, infelizmente ignorados até hoje pelo público.

Chandoca Lopes é uma poetiza nata. Escreve com alma, com sentimento. E, coisa estranha, nunca pensou em publicar as suas produções...

Como é diferente dos nossos tempos, em que se pensa na publicidade antes mesmo de se pensar no que se pode produzir...

Em Rio Bonito não há quem não conheça aquela senhora de cabeça branca, tão branca como a neve, que carrega no seu coração, na sua alma, um mundo de sofrimentos que ficam gravados, traduzidos, nos seus cadernos de poesias que lê aos seus íntimos amigos, como se fosse prazer relembrar o sofrimento.

É que tudo que é passado causa prazer... É que o passado embora o pior, o mais tristonho, o mais negro, sempre nos causa agrado relembrar... O passado é aquilo que se foi e que não mais voltará, o que basta para que valha mais que o presente que temos em mão...

Não houve filho que morresse, neto que se finasse, que ela não escrevesse versos e mais versos onde chorava a sua perda e cantava a sua saudade.

O RISO

Que inveja tenho desse riso alegre,
Riso tão puro de quem ri bastante!
Eu não... não rio, pois a lágrima quente
Não me despreza, nem um só instante!

Chandoca Lopes como prima de B. Lopes, mostra que possui alma irmã a do grande poeta – glória da literatura da sua época...

Que saibamos não há outros parentes nem de B. Lopes nem de Chandoca Lopes que possuam alma de artista ou mesmo tenham sedução pela literatura, a não ser o autor destas linhas que, descendente direto desta, parece ser o único seduzido pelas letras sem ter, contudo, nem a inspiração nem o mesmo talento, infelizmente...

ALVARUS DE OLIVEIRA
Jornal "Correio da Manhã", 5 de janeiro de 1936.
Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2018)

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