2/27/2019

O pecador convertido (Conto), de Leon Tolstoi


O pecador convertido

E disse a Jesus: Senhor, lembra-te de mim,
quando entrares no teu reino.
E disse-lhe Jesus:
Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso.

Lucas 23: 42, 43.

Um homem que chegara aos sessenta anos de idade, e que havia passado toda a sua vida no pecado, caiu terrivelmente enfermo. Contudo ainda assim não se arrependeu de suas faltas.

Finalmente, sobreveio a ameaça fatal da morte. O homem, percebendo então que a sua última hora havia chegado, chora e diz:

— Senhor! Perdoai-me, como vós perdoastes os ladrões na cruz.

E, pouco depois de pronunciar essas palavras, ele expirou. A alma do pecador arrependido, crendo que esse seu último gesto na terra a fez merecedora das graças do Criador, voou até as portas do Paraíso. Durante muito tempo ela ali bateu, suplicando que a deixasse entrar no reino celeste.

— Quem é esse homem que bate as portas do Paraíso? — exclama uma voz lá dentro. — Que obras terá ele cumprido na terra?

E a mesma voz enumera todas as más ações cometidas por esse homem, sem mencionar uma sequer que fosse boa e digna.

—Não, os pecadores não entram no reino de Deus; vai-te embora.

— Senhor, eu escuto a tua voz, mas não vejo a tua face e no sei o teu no nome... — diz a alma.

— Eu sou o apóstolo Pedro — respondeu a voz.

— Apóstolo Pedro, tem piedade de mim, recorda-te da fraqueza humana e da misericórdia de Deus. Não és tu um discípulo de Cristo? Não foste tu que recebeste de sua própria boca sua doutrina, e não viste o exemplo de sua vida? E não te recordas que, quando ele estava na agonia e sofria, por três vezes te pediu para não dormir, mas orar, e tu dormiste porque teus olhos estavam cansados? Por três vezes ele te achou dormindo. Quanto a mim, agi da mesma forma. E não te recordas, ainda, que quando prometeste não o abandonar até a sua morte, tu o abandonaste três vezes, antes dele chegar perante Caifás? E eu, eu agi da mesma forma!... E não te recordas que, quando o galo cantou, três vezes tu saístes do oratório e choraste? Pois eu... eu agi assim também. Tu não podes pois recusar-me a entrada no reino celestial.

Detrás da porta do Paraíso a voz nada respondeu. O pecador ficou silencioso durante alguns momentos e depois se pôs a lamentar novamente.

Uma outra voz, dessa vez a do profeta e rei Davi, exclama:

— Vai-te! Pecadores como tu não podem viver conosco no Paraíso!

Porém o pecador ainda não se dava por vencido, e respondeu parado à porta:

— Tem piedade de mim, rei Davi, e lembra-te da fraqueza humana e da misericórdia de Deus. O Senhor amou-te e te fez grande entre os homens. Tu possuíste tudo que um homem pode desejar: o poder, a glória, a riqueza, mulheres e filhos; mas do alto da tua grandeza cobiçaste a mulher de um dos teus humildes súditos e então o pecado entrou em ti; tu tomaste a Urias sua esposa e tu mesmo o mataste com a espada de Amonite. Tu, que foste rico, arrebataste ao pobre a sua última ovelha... E eu... eu agi da mesma forma. Recorda-te que em seguida te arrependeste e disseste: “Reconheço as minhas faltas e arrependo-me dos meus pecados!" E, eu... eu também... Tu não podes, pois, proibir-me de entrar no Paraíso!

A voz do rei Davi, também não mais se fez ouvir.

O pecador ainda não se arredava da porta do Paraíso e pôs-se a bater com mais força, exigindo a sua entrada entre os bem-aventurados.

Uma nova voz, a do teólogo João, o discípulo preferido do Salvador, grita-lhe:

— Vai-te embora! Os pecadores no podem entrar na mansão celestial!

Mas o pecador, reconhecendo também esta voz, responde-lhe:

— Assim mesmo eu entrarei... Pedro e Davi não me impediram de entrar porque eles conheceram a fraqueza humana e a misericórdia de Deus. E tu, tu me deixarás entrar porque em ti há muito amor e mansidão! Não é verdade, teólogo João, que escreveste em teu livro que Deus é amor e que aqueles que não o amam não o conhecem? Não fostes tu que disseste aos homens: “Irmãos, amai-vos uns aos outros”? E tu então podes receber-me assim? Recorda-te das tuas próprias palavras e deixa-me entrar no Paraíso!

E então, por meio de tão convincentes e sábias palavras, as portas do Paraíso se abriram todas, uma por uma... João abraça o pecador arrependido e deixa-o entrar ao reino de Deus.


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Tradução: Carlos A. Ponzo.
Vamos Ler! 7 de abril de 1938.
Pesquisa, transcrição e adaptação ortográfica: Iba Mendes (2019)

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