
Jesus
Assim que agora nenhuma condenação há
para os
que estão em Cristo Jesus,
que não andam segundo a carne,
mas segundo o espírito.
São Paulo, Epístola aos Romanos
***
Depois
de acalmar a irada tempestade das águas, Jesus voltou novamente de rumo à Galileia
que deixara para ir à terra dos Gadarenos. Mas agora as águas eram tranquilas,
quietas como a pureza macia do céu azul, refulgentes e meigas como as pupilas
do Nazareno.

—
Oh! Mestre, ouve a minha palavra porque a minha boca é um sepulcro de dor. Há
doze anos pela graça do céu, de minha mulher nasceu uma filha a quem amo e
estremeço pelos encantos da sua pessoa e pela afetiva bondade do seu coração. É
minha filha; se tu a visses certamente a amarias! Quando ela saía aos campos, vinham
as ovelhas e os cordeiros comer as ervas à palma de sua mão, — fresca como um lírio
dos montes, rosada como a aurora em Belém; e as andorinhas revoavam em tomo de
sua cabecinha loira, e as abelhas esvoaçavam ao redor de sua boca vermelha, — doce
como uma colmeia em que se fabricam favos de beijos. Pairava sobre ela a graça
do Senhor, e tinham descido sobre ela todas as bênçãos do céu. Pôs-se a
coitadinha de repente a definhar; mais frágil do que a onda que se quebra na
praia a saúde de minha filha foi fanando. Flor que ela era ainda hoje o é, mas
tão emurchecida que só de vê-la os olhos se enchem de lágrimas como neblina de
inverno. Seus bracinhos estão agora como hastes suportando o doce peso de duas
rosas brancas. Oh! Mestre, tu que és, infinitamente misericordioso e bom; tu
que geras milagres com a mesma facilidade com que o céu se recobre de estrelas;
tu que esconjuras os demônios; ah! tu bem podes salvar um anjinho do Senhor!
Jesus,
erguendo o braço de dentro da ampla manga da túnica, pousou de leve a mão no ombro
de Jairo, que todo se recobriu de uma refulgente luz; e descerrando os lábios,
disse em palavras mais doces do que beijos:
—
Um homem opulentamente rico, que todas as coisas da terra podia com dinheiro
comprar, cultivava com apurado esmero um jardim; tinha ele terra fecunda e boa,
e descia de uma fonte a água maviosa e tranquila; sem falar na água do céu que
era muita. Mas nem a chuva benéfica, nem o orvalho da noite puderam fazer que no
jardim surgisse mais de uma roseira; e a roseira só deu uma rosa. E o rico
homem que ao princípio ficou triste, consolou-se pensando que a planta vicejava
e que a flor era sempre purpurina e cheirosa. Uma vez a roseira começou a
definhar, e a rosa começou a emurchecer; o homem tudo fez para salvá-las, e
todos os conselhos ouviu. E estes eram muitos: uns achavam que eram espinhos;
outros achavam que só das lagartas vinha o mal. Enquanto isso, roseira e rosa
morriam. Foi então que apareceu um jardineiro, e deu-lhes outra vez a virtude
que de Deus trouxera. Tu talvez sejas o homem rico; a rosa é a tua filha; a
roseira é a vida; mas eu sou o jardineiro de Deus. Vai, e tem fé! Salvarei a
tua filha.
Jairo
partiu cheio de esperança e de fé, porque, à sua vista, uma mulher doente que
se roçou no manto de Jesus logo sarou da enfermidade. Em verdade, em verdade!
Que homem prodigioso era aquele?
Passaram-se
algumas horas, e viu o Príncipe da Sinagoga que o Mestre Perfeito não chegava:
foi outra vez em sua busca, com marcha vacilante e palavras que hesitavam:
—
Mestre! Se tardas em ir, bem receio que só encontrarás em minha casa um cadáver!
Minha filhinha bate às portas da morte; já os homens de saber afirmam que é
tarde e ela se não salvará. Tem pena de mim! Vai salvar a minha filha!
Jesus
moveu para o pai aflito a refulgência luminosa dos seus olhos tranquilos:
—
Não temas, homem! Eu te disse que tua filha se salvará; guarda mais a confiança
e acrescenta a tua fé! Por mais que te digam de perigos insensatos; por mais
que te aflijam a esperança, por mais que te deitem veneno no sofrimento;
lembra-te da minha promessa, e crê na salvação de tua filha! Antes que
desesperes terceira vez, eu lá irei e a curarei.
De
novo partiu Jairo, e ao voltar-se uma vez viu Jesus em pé e sereno, com a face
angélica voltada para o céu azul. Mas ai de Jairo, que ao chegar à casa teve
tempo apenas de beijar a filha que parecia morta. Voltou acompanhado de muitos
dos seus à procura de Cristo que em caminho encontrou.
—
Mestre, vem depressa! Tarde chegarás para salvar a minha filha! E como Jesus se
apressasse disseram em torno:
—
Oh! Jairo, por que atormentas o Mestre, se tua filha já está morta?...
Mas
Jesus, estendendo a branca mão sobre o Príncipe da Sinagoga:
—
Não temas! Crê na minha palavra que é a palavra de Deus!
Então,
todos aqueles incréus, em alvoroço do milagre prometido, quiseram acompanhar
Jesus e Jairo; mas por ordem do Mestre, foram apenas Pedro, Tiago e João, irmão
de Tiago.
A
tarde ia alta, e começava a cair o crepúsculo...
Quando
os cinco homens entraram, mais desencontrado ia o alvoroço em casa de Jairo.
Elevavam-se preces como voos de asas, pedindo misericórdia ao Senhor; depois as
promessas cessaram e eram apenas surdas lamentações sobre o corpinho da criança
morta. Jesus, à porta, perguntou:
—
Por que vos alvoroçais? Por que tanto gemido e tanto pranto? Serenai os vossos
corações, guardai as vossas lágrimas, que a menina não está morta, e apenas
dorme...
Isso
ouvindo todos riram como às insensatas palavras de um visionário; e o Mestre,
diante da falta de fé daquela gente, expulsou a todos dizendo:
—
Aqui só permanecerão os que têm fé e amor — porque a misericórdia não é feita
nem de pedras nem de cardos.
Depois,
acompanhado dos que com ele tinham vindo, e mais também da esposa de Jairo,
entrou no quarto da menina.
Branca
e imóvel a formosa criança jazia com os olhos cerrados, a fronte muito pálida,
envolta na auréola dos seus cabelos loiros. Jesus achou que os olhos fechados
eram como um céu azul dentro das nuvens negras de uma tempestade; a mãe aflita
— que, apenas no quarto, se debruçara chorando sobre o leito da filha morta — ergueu-se
de repente, grande, trágica, dolorosa, indo cair ajoelhada aos pés do Rabi, que
tinham o pó das estradas:
—
Jesus de Nazaré, olha para a minha dor e salva esta criança, única filha das
minhas entranhas!
Rabi
Ieshua sorriu, e disse num outro sorriso:
—
Tem fé, mulher!
Houve
um longo silêncio; nesse minuto de espanto, Jesus dirigiu-se para o leito.
Todas aquelas pessoas eram como estátuas petrificadas: a mãe do anjinho ainda
ajoelhada, os cabelos soltos como a cólera do oceano, com os olhos em êxtase
fitava Jesus e a menina; Jairo pálido e imóvel segurava a cabeça entre as mãos.
Pedro, Tiago e João, a um canto da sala, ajoelhados rezavam. Jesus sorriu outra
vez, — e tomando a mão da menina, murmurou como uma carícia:
—
Vem, minha filhinha, levanta-te!
E
logo a menina, como se as palavras divinas lhe dessem asas, levantou-se
sorrindo, e foi cair nos braços paternos...
Depois
abraçou Jesus que a estreitou ao peito longamente, amorosamente, cobrindo-a de
beijos, diante da derramada alegria de Jairo e de sua esposa, diante do
assombrado espanto dos companheiros.
Mas
aos pais do anjinho parecia, vendo Jesus abraçar e beijar a filha ressuscitada,
que um milagre também nele se operara, — e que aquele Deus pela primeira vez
era um Homem...
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Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2019)
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