As
cunhadas do rei
O rei andava de noite pelas ruas
acompanhado do seu cozinheiro e do seu copeiro disfarçado, escutando pelas
portas; passou por um balcão onde estavam três meninas, que estavam
conversando, e pôs-se à escuta do que diziam:
— Ali vão três tunantes; se um fosse o
rei, já eu sabia quem eram os outros.
— Um era o cozinheiro. Quem me a mim
dera casar com ele; sempre havia de comer bons fricassés.
— O outro era o copeiro; pois eu cá o
que queria era casar com ele, porque havia de ter bons licores.
Disse a mais nova:
— Eu não sei quem eles são; mas ainda
que fossem condes ou duques, antes queria casar com o rei, porque lhe havia de
dar três meninos cada um com a sua estrela de ouro na testa.
O rancho foi-se embora, mas ao outro
dia, o rei mandou ir à sua presença as três irmãs. Perguntou-lhes se era
verdade o que elas tinham dito na véspera à noite. Respondeu a mais velha por
si. Disse o rei:
— Pois então casarás com o meu cozinheiro.
A do meio também disse que tinha falado
por zombaria; o rei mandou que se arrecebesse com o copeiro. Chegou-se por fim
à mais moça, que era a mais bonita:
— Então, disseste que só querias casar
comigo?
— É verdade, não posso mentir; mande-me
vossa majestade castigar.
O que o rei fez foi casar com ela; as
irmãs ficaram a arrebentar de inveja, mas viviam no palácio. Ao fim do tempo, a
que estava rainha teve dois meninos com uma estrelinha na testa. As irmãs, que
estavam com ela, trocaram os meninos por dois cães. Os meninos foram botados ao
rio dentro duma condessinha, e foram por água abaixo ter ao moinho de um
moleiro; como lhe parasse a água, ele saiu a ver o que era, e achando as duas
criancinhas tomou-as para casa e criou-as. Ora o rei andava longe da terra, e
quando veio soube do caso e ficou muito triste, mas não fez mal à mulher.
Passado tempo a rainha teve uma menina, e as irmãs, vendo que ela também tinha
uma estrela na testa, trocaram-na por uma cadelinha e mandaram-na deitar ao
rio; assim foi ter ao moinho onde já estavam os irmãos. O rei quando soube que
a sua mulher tinha tido uma cadela, mandou-a enterrar até à cinta no pátio do palácio,
para que todos que entrassem ou saíssem lhe cuspissem em cima.
Os três meninos cresceram, e o moleiro pôs-lhes
umas carapucinhas para encobrir as estrelas de ouro que tinham na testa.
Um dia foi uma pobre pedir esmola à porta
do moleiro; os meninos deram-lhe a esmolinha, e era Nossa Senhora, que lhe
disse, que quando se vissem em alguma aflição dissessem: “Valha-me aquela pobrezinha.”
Veio a peste, e o moleiro e toda a sua gente morreu, e os meninos foram todos
três por esse mundo. Apareceu-lhe a pobre que os guiou até ao pé do palácio do
rei, e deu-lhes a cada um a sua pedrinha, para se tornarem em um grande palácio
quando as atirassem ao chão.
As tias estavam à janela do paço, e
conheceram que eram os meninos das estrelinhas na testa, e trataram logo de ver
se os matavam. Mandaram ter com eles uma criada bruxa, que disse ao mais
novinho, para entrar no jardim e apanhar um papagaio. Ele disse-lhe que não; vai
o mais velho como animoso, disse:
— Pois vou eu.
E assim que entrou perdeu-se lá dentro e
ficou encantado em leão. O outro quando viu que o irmão não tornava chamou pela
pobrezinha; ela veio e deu-lhe uma lança, e disse:
— Vai ao jardim, e fere com ela o leão
encantado.
Ele assim fez; e apareceu-lhe logo outra
vez o irmão, que já tinha apanhado o papagaio. Botaram a fugir logo, e os
portões do jardim fecharam-se de repente e só apanharam uma pontinha da aba do
casaco de um deles.
A criada bruxa tinha no entretanto ido
ter com a menina, e falou-lhe em certas maravilhas da árvore que bota sangue e
da água de mil fontes. A menina pediu aos irmãos estas coisas, que eram para
enfeitar os jardins do seu palácio. Cada um foi lá por sua vez e lá ficaram
ambos encantados. Quando a menina viu que não tornavam, disse muito triste:
— Valha-me aqui a nossa pobrezinha.
Apareceu-lhe a Nossa Senhora, que lhe
ensinou como havia de ir ao jardim, e desencantar os irmãos, e enfrascar a água
de mil fontes e cortar o ramo da árvore que deitava sangue. Ela fez tudo, mas
era preciso, que por mais barulho que ouvisse nunca olhasse para trás, senão
ficava também encantada. Quando vinha com os irmãos e com as coisas que eles
tinham ido buscar, era muito o barulho de vozes e só ao sair da porta é que deu
um jeitinho à cabeça para ver para trás, mas foi o bastante para lhe ficarem
presos os cabelos. Os irmãos foram buscar umas tesouras, e voltaram depois
todos para o seu palácio defronte do rei.
Quando o rei aparecia à janela o
papagaio não fazia senão rir. O rei convidou os meninos para um banquete e
pediu que levassem o papagaio. Os meninos foram, mas ao passarem pela mulher
que estava enterrada até à cinta não quiseram cuspir nela. O rei teimou, mas
não conseguiu nada. Foram para a mesa; uma das irmãs da rainha é que trinchava,
e tinha botado ressalgar na sopa dos meninos. O papagaio avisou-os:
— Meninos, não comam que tem veneno.
O rei ficou desconfiado, e perguntou aos
meninos porque não comiam; disseram eles:
— Falta aqui uma pessoa; é aquela mulher
que está enterrada até à cinta no pátio do palácio.
Disse o papagaio:
— Mande-a o rei vir, porque ela é a mãe
destes meninos.
O rei mandou vir a mulher; disse-lhe o
papagaio:
— Sente-a agora ao seu lado; olhe que ela
é sua mulher.
E contou como é que as cunhadas do rei
tinham mandado botar ao rio em canastrinhas os três meninos, e tinham posto em
seu lugar os cães; e se se quisesse confirmar, que visse se os meninos tinham
na testa as estrelinhas. Os meninos tiraram as carapucinhas, e o rei
conheceu-os, e abraçou a sua mulher; e mandou que as cunhadas comessem a comida
envenenada, e logo ali arrebentaram.
(Airão — Minho)
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Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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