5/16/2019

Os dez anõezinhos da tia Verde-Água (Fábula Portuguesa), por Teófilo Braga





Os dez anõezinhos da tia Verde-Água

Era uma mulher casada, mas que se dava muito mal com o marido, porque não trabalhava nem tinha ordem no governo da casa; começava uma coisa, e logo passava para outra, tudo ficava em meio, de sorte que quando o marido vinha para casa nem tinha o jantar feito, e à noite nem água para os pés, nem a cama arranjada. As coisas foram assim, até que o homem lhe pôs as mãos e ia-a tocando, e ela a passar muito má vida. A mulher andava triste por o homem lhe bater, e tinha uma vizinha a quem se foi queixar, a qual era velha e se dizia que as fadas a ajudavam. Chamavam-lhe a Tia Verde-Água:

— Ai, tia! vossemecê é que me podia valer nesta aflição.

— Pois sim, filha; eu tenho dez anõezinhos muito arranjadores, e mando-tos para tua casa para te ajudarem.

E a velha começou a explicar-lhe o que devia fazer para que os dez anõezinhos a ajudassem; que quando pela manhã se levantasse fizesse logo a cama, em seguida acendesse o lume, depois enchesse o cântaro da água, varresse a casa, apontasse a roupa, e no intervalo em que cozinhasse o jantar fosse dobando as suas meadas, até o marido chegar. Foi-lhe assim indicando o que havia de fazer, que em tudo isto seria ajudada sem ela o sentir pelos dez anõezinhos. A mulher assim o fez, e se bem o fez melhor lhe saiu. Logo à boca da noite foi a casa da tia Verde-Água agradecer-lhe o ter-lhe mandado os dez anõezinhos, que ela não viu nem sentiu, mas porque o trabalho correu-lhe como por encanto. Foram-se assim passando as coisas, e o marido estava pasmado por ver a mulher tornar-se tão arranjadeira e limposa; ao fim de oito dias ele não se teve que não lhe dissesse como ela estava outra mulher, e que assim viveriam como Deus com os anjos. A mulher contente por se ver agora feliz, e mesmo porque a féria chegava para mais, vai a casa da tia Verde-Água agradecer-lhe o favor que lhe fez:

— Ai, minha tia, os seus dez anõezinhos fizeram-me um servição; trago agora tudo arranjado, e o meu homem anda muito meu amigo. O que lhe eu pedia agora é que mos deixasse lá ficar.

A velha respondeu-lhe:

— Deixo, deixo. Pois tu ainda não viste os dez anõezinhos?

— Ainda não; o que eu queria era vê-los.

— Não sejas tola; se tu queres vê-los olha para as tuas mãos, e os teus dedos é que são os dez anõezinhos.

A mulher compreendeu a coisa, e foi para casa satisfeita consigo por saber como é que se faz luzir o trabalho.

(Porto)

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Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2019)

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