6/14/2019

A lenda da Rosa-Musgo (Conto), de Eduardo Sequeira



A lenda da Rosa-Musgo

O louro anjo Sible tinha sido mandado por Deus para mitigar o sofrimento duma pobre noiva cujo bem-amado morrera na guerra, defendendo o solo sagrado da pátria. Era Sible o anjo mais gentil de todos quantos formam a imensa legião que Deus comanda, e o favorito querido do Senhor.

Contente com o encargo que lhe fora dado, Sible bateu as asinhas da mais fina plumagem e dirigiu-se para a cabana perdida no meio do bosque, onde morava a desditosa Amel que, chorando desesperadamente, lastimava a solidão e o abandono em que ficava depois de ter arquitetado tantos e tão risonhos projetos de felicidade.

Sible entrou na cabana no momento mesmo em que a inditosa rapariga, alucinada pela dor, procurava pôr termo à existência, e começou, para a consolar, a pintar-lhe com tão brilhantes cores a morte gloriosa do noivo, o lugar distinto que ele ia ocupar no reino dos céus, esperando que ela se lhe fosse juntar para se realizar o eterno e venturoso enlace patrocinado por Deus, que o desespero da rapariga abrandou como por encanto, e um sorriso, raio de sol após temporal desfeito, fugitivamente se lhe esboçou no rosto amargurado. Mas para que Amel merecesse uma felicidade tão extraordinária, felicidade não sonhada por mortal algum, era preciso, indicou-lhe o anjo, que esquecesse a dor mitigando o sofrimento alheio, indo em santa romagem do bem para a cabeceira dos doentes, dos pobres doentes desamparados de carinhos e de família, e para junto das criancinhas que a guerra fizera órfãs, esperar que Deus a chamasse a si, dando-lhe a companhia eterna do bem-amado.

Sible empregou o dia todo na sua divina tarefa, e quando a noite começou a estender o escuro véu sobre a terra, contente por se ter satisfatoriamente desempenhado da tarefa que lhe era imposta, despediu-se da donzela e quis tomar o caminho do céu. Mas com o cair da noite estendera-se sobre o bosque um espesso nevoeiro úmido que desnorteou Sible, e molhando-lhe as penas das asas o impossibilitou de voar. O anjo vendo que lhe era impossível alcançar o céu, tratou de procurar um retiro agradável e seguro onde pudesse sossegadamente esperar a manhã.

Junto de uma parede meio desmoronada, vicejava uma pujantíssima roseira engrinaldada de formosíssimas rosas brancas rescendendo os mais puros e divinais aromas. Mais encantador abrigo, melhor dossel não era possível encontrar em todo o bosque.

Sible foi à parede apanhar um montão de fofo musgo e com ele fez sob a roseira um leito confortável, onde, depois, envolvendo-se nas alvas asas de arminho, se deitou disposto a esperar, velando, que chegasse a madrugada.

Porém o aroma que as rosas emitiam era tão embriagador, e o vento brandamente passando através a folhagem cantava melodias tão doces, que o anjo pouco a pouco cerrou os olhos e adormeceu profundamente.

Nunca no céu Sible passara uma tão agradável noite! Sonhou sonhos tão deliciosos que quando pela manhã o despertaram os primeiros raios do sol, beijou reconhecido as rosas, e estas, corando de alegria e pejo, ficaram para sempre rubras. Mas o anjo considerou o beijo bem fraca recompensa para quem tão agradavelmente o embalara toda a noite, e queria, antes de regressar ao céu, dar-lhe recompensa maior.

Porém como tornar mais belas as rosas em que tudo, forma, colorido e perfume tão distintamente brilhavam?

Esteve um momento pensativo, e depois, apanhando um pouco do musgo que lhe servira de leito, resguardou cuidadosamente com ele os botões das flores prestes a desabrochar, para que o frio, a chuva e os insetos lhes não causassem dano algum.

E em seguida, batendo as asas, voou para o céu a dar conta a Deus da missão de que fora encarregado.

E foi desde então que na terra começou a haver rosas musgo...


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Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)

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