Maria Augusta
(A José Mântua)
"AU NOUVEAU PARIS"
CONFECTIONS POUR DAMES
Mme. ROSA SILVA.
Era nesta casa que, ainda há dois
meses, trabalhava Maria Augusta... Hoje, não; hoje já não trabalha...
***
História vulgar e banal, a desta
rapariga.
Filha dum pedreiro e de uma
criada de servir, que o seu nascimento transformara em "mulher a dias",
viera ao mundo apenas como preço dum prazer...
Aos quatro anos, sua mãe, "para
se ver livre dela" durante o dia, metera-a na mestra. Saíra aos oito,
sabendo o alfabeto: "— Nada, que numa modista já podia ganhar um
tostãozito por semana."
Por isso, entrou para casa duma
vizinha que trabalhava para as mulheres dos operários do bairro. Passava todo o
dia a fazer recados: ia comprar dez reis de chá, pôr o caixote do lixo à porta,
levar um vestido, ouvir a descompostura inevitável: "— Faça favor de dizer
lá que a saia ficou uma porcaria! Os forros não prestam para nada! Assim não me
serve! O que não falta é modistas!"
Passados seis meses, saíra desta
casa e fora para outra; depois para outra, para muitas mais, até que aos 17
anos se encontrara no "importante atelier "Au noveau Paris" — mal
parecia que um estabelecimento frequentado pela sociedade elegante, tivesse um
nome português – ganhando 17 vinténs diários: tantos vinténs quantos os seus
anos...
***
Era muito formosa. Os seus
sedosos e abundantes cabelos negros, coroavam um rosto encantador. Os seus
lábios vermelhos e viçosos, pedindo beijos ardentes, serviam de cofre a uns
pedacitos do mais puro marfim. A sua pele, branca e acetinada, era o invólucro
dum corpo escultural e exuberante de vida...
***
Um dia, na rua, um homem
murmurou-lhe ao ouvido a seguinte frase:
— "Como é linda!"
Maria, ao chegar a casa, pegou no
seu pequeno espelho, colocou-o diante dela e, passado um quarto de hora, estava
finalmente convencida de que lhe haviam dito a verdade! Sim, não havia dúvida,
era "muito bonita"...
***
Como todas as mulheres, adorava
os vestidos e as joias.
Uma vez um sujeito, idoso já,
ofereceu-lhe, diante duma ourivesaria, um anelzito de dois mil réis. Ela
aceitou entusiasmada. O sujeito idoso pediu-lhe, em paga, um beijo. Ela deu-lhe
vinte.
Passados dias, um garboso mancebo
convidou-a para o acompanhar ao teatro. Havia de recusar semelhante gentileza?
Por certo que não...
Findo o espetáculo, o seu companheiro
meteu-se num trem com ela e, Maria, como não podia negar coisa alguma àquele
que lhe proporcionara três horas tão agradáveis, deu-lhe tudo quanto ele lhe
pediu...
***
Vertiginosamente foi caminhando
para o terrível e irremediável "fim"...
Os seus lábios, hoje, já não são
tão vermelhos, embora os cubra com carmim; a sua pele já não é tão fina e tão
branca, embora a esfregue todos os dias com glicerina, cobrindo-a depois com pó
d´arroz. No entanto, Maria Augusta, hoje, já não trabalha...
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