6/02/2019

Os três desejos (Fábula), de Ana de Castro Osório




Os três desejos

Havia um homem muito pobre que casou com uma mulher formosa, mas tão pobre como ele.

Uma noite de inverno, estavam os dois sentados à lareira e começaram a falar na felicidade dos seus vizinhos e conhecidos.

— Ah! (disse a mulher), se eu tivesse o que desejo, com certeza sabia ser mais feliz do que todos eles.

— E eu (respondeu o marido) queria viver no tempo das Fadas, e conhecer uma que fosse tão boa que me fizesse quanto eu lhe pedisse. Seríamos bem felizes!

Nisto, a casa toda se iluminou, por encanto, e eles viram diante de si uma formosíssima Senhora, que lhes disse:

— Quereis conhecer uma Fada? Pois eu o sou. Ouvindo a vossa conversa, apeteceu-me fazer-vos o que desejardes, mas o meu poder não vai além de três dons. Escolhei pois o que quiserdes que vos faça, mas atendei bem que serão apenas três coisas.

E, dito isto, desapareceu. E a casa voltou à sua luz natural.

Os dois ficaram tão atarantados que nem sabiam o que haviam de pedir.

— Cá por mim (disse a mulher), se me deixasses pedir, sei muito bem o que queria, pois me parece que não há nada tão bom como ter beleza, riqueza e nobreza.

— Ora (respondeu o marido), para que serve tudo isso, se a gente estiver doente e triste, e morrer cedo?! Acho melhor desejar saúde, alegria e uma longa vida.

— E de que serve viver muito, se formos pobres? Só serve para sofrer durante mais tempo. A Fada fez muito mal em só nos dar três coisas. Devia conceder-nos, ao menos, doze, para podermos escolher.

— Pois é verdade! Mas, como temos tempo, pensemos esta noite o que há de ser.

Nisto, como estava frio, a mulher pegou na tenaz para mexer o lume e disse:

— Que belas brasas! Quem nos dera aqui um chouriço que bem o assávamos e comíamos com gosto.

Mal acabou estas palavras, cai pela chaminé abaixo um famoso chouriço.

— Grande gulosa! (gritou o marido desesperado). Então não faz com que perca um dom! Era bem feito que o chouriço fosse dependurar-se no teu nariz, para castigo. — Palavras não eram ditas e o grande chouriço a saltar para o nariz da mulher e a agarrar-se tão fortemente que não havia forças humanas que dele o soltassem. A mulher desatou numa gritaria, descompondo o marido e querendo por força que ele desejasse tirar-lhe aquele feio apêndice da sua bonita cara.

— Mas se eu desejo isso (observou ele), não temos nada mais que desejar, e acabou-se tudo quanto a Fada nos podia fazer!

— Não me importo! O que não quero é ter isto dependurado no meu nariz! Para que foste mau em mo mandares para cá?!

— Mas eu vou pedir para ser muito rico, e depois mando-te fazer uma caixinha de ouro para lá o meteres.

— Nada, não quero! Ou desejas que fique como era, ou então desejo eu morrer.

Para que tal desgraça não sucedesse, o homem desejou que o chouriço se despegasse do nariz da mulher. E então ela disse-lhe, já risonha:

— Olha, homem, eu desconfio que a Fada esteve a fazer mangação de nós. Mas deixa lá, talvez tivesse razão! Quem sabe se seríamos felizes, escolhendo outras três coisas!...

E foram assar o chouriço, e comeram-no com alegria e boa paz.


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Fonte:
Ana de Castro Osório: Contos, fábulas, facécias e exemplos da tradição popular portuguesa (Editado a partir da edição da Bibliôtronica Portuguesa)

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