O Touro Azul
Eram de uma vez um rei e uma rainha, os quais tinham, cada um, uma
filha. Como ambos eram viúvos, resolveram casar-se um com o outro e assim
fizeram. Entregava-se muito o rei ao exercício da caça e enquanto por lá andava
era sua filha que o representava, sendo por isso ela o ídolo dos grandes do
reino.
A madrasta ardia em ciúmes por esta preferência e jurou em sua alma
vingar-se da filha do marido. Nesse intento, em uma ocasião que o marido teve
de ausentar-se, ordenou a madrasta à enteada que fosse guardar um touro azul,
que o pai desta comprara, e era muito bravo.
A boa menina, toda transida de medo, cumpriu as ordens da madrasta,
recebendo desta uma parca refeição para o dia. Contra a sua expectativa, o
touro não só a não maltratava, mas até a olhava serenamente. No dia seguinte
voltou a menina, e quando se dirigiu para o touro, este ajoelhou diante dela e
disse:
Tira um guardanapo que tenho por detrás da orelha e estende-o no chão
que logo te aparecerá comida e bebida consoante a tua condição.
A princesa fez o que o touro lhe ordenou e logo viu na sua presença os
melhores manjares. Satisfeito o apetite, tornou a colocar o guardanapo atrás da
orelha do touro que, em seguida, se retirou, cortejando-a.
E assim se passaram alguns dias. Pasmada a rainha que o touro não
atentasse contra a enteada, ordenou a um pagem que espreitasse o touro e a
princesa. Em breve se certificou de toda a verdade e tudo comunicou à rainha.
Neste tempo voltou o rei, e a rainha fingiu-se doente, de cama. Ficou o
rei muito aflito e mandou chamar os médicos, que declararam achar-se a rainha
muito enferma. A rainha fingiu grande fastio, mas como instassem com ela que
comesse, resolveu pedir um bocado de carne de touro azul.
Ficou a filha do rei extremamente magoada com a exigência, e antes que
o pai mandasse matar o touro, foi ela preveni-lo. Pela calada da noite
dirigiu-se à tapada, onde logo viu o touro.
Já sei o que vens aqui fazer: a rainha quer que me matem. Vem comigo,
senão ela dá cabo de ti.
E ambos fugiram. Depois de terem andado toda a noite e o dia seguinte,
disse o touro:
Agora vamos entrar em um jardim, onde há muitas flores de cobre:
guarda-o um gigante com quem brigarei, e como ele é muito forte talvez me mate.
Tu repara se cai alguma flor.
Apesar das súplicas da princesa, o touro encaminhou-se para o jardim.
Logo aos primeiros passos viu a menina cair uma flor.
Guarda-a no teu avental – disse-lhe o touro.
E a princesa assim fez. Quase ao mesmo tempo apareceu um gigante e
entrou a lutar com o touro. Este ficou vencedor, mas muito ferido.
Tira um frasquinho que o gigante morto tem à cintura e deita-me sobre
as feridas o óleo nele contido.
A menina cumpriu a ordem e o touro ficou completamente sarado.
Mais adiante chegaram a outro jardim em que as pétalas eram de prata.
Nele havia também um gigante, que foi morto pelo touro, sendo as feridas que
este recebera lavadas com o licor contido no frasquinho que pendia à cintura do
gigante. Caiu então uma pétala de prata que a menina apanhou e recolheu no
avental.
Mais adiante apareceu outro jardim em que as pétalas eram de ouro. De
guarda ao jardim estava um formidável gigante, que trazia à cinta um frasco e
uma faca de mato. Lutou o gigante com o touro e aquele foi morto. Então disse o
touro:
Deita-me nas feridas o líquido do frasco e guarda a faca do mato e
apanha a flor de ouro que caiu.
A menina isso fez.
Mais adiante pararam e o touro disse:
O que vês acolá?
Vejo uma ribeira entre seixos e lá em cima uma casa.
A casa que vês é um palácio; ali vive uma rainha com seu filho. Agora
farás o seguinte: com a faca que trazes tira-me a pele e guarda nela as três
flores que apanhaste e vai meter tudo debaixo daquela laje (apontou-lha) a
qual, às três pancadas, se levantará. Depois suja-te na ribeira e vai
oferecer-te como criada ao palácio. Quando ouvires dizer que há aqui perto
alguma festa, faz-te parva e pede que te deixem lá ir. Debaixo da laje
encontrarás o que queiras para vestir.
Bem contra a sua vontade a menina fez o que o touro lhe ordenou. Logo
que se viu suja e com os cabelos em desalinho, foi oferecer-se por criada ao
palácio, dando o nome de Maria.
Foi recebida por criada. Daí a dias pediu o príncipe um pente. Foi a
criada levar-lho. Ele atirou fora o pente, dizendo:
Já não tinham por quem mandar o pente, senão pela Maria-Suja!...
Passado tempo, celebrou-se naqueles arredores uma festa. À força de
muitos pedidos, deixaram ir a criada Maria à festa. Maria-Suja dirigiu-se ao
lugar da laje e logo diante dela surgiu uma carruagem de cobre e juntamente uma
vestimenta do mesmo metal. Meteu-se na carruagem e entrou nas festas, onde deu
nas vistas de toda a gente, sem exceção do príncipe, seu amo, que lhe
perguntou de onde era.
– Sou da terra dos pentes – respondeu ela.
De outra vez mandaram pela Maria-Suja ao príncipe uma toalha que ele
pedira para se limpar. O príncipe recusou a toalha, dizendo:
– Não quero toalhas da mão de Maria-Suja.
Daí a poucos dias houve outras festas, às quais a criada Maria, depois
de muitos rogos, conseguiu licença de assistir. Maria-Suja dirigiu-se para a
laje e logo se lhe apresentou uma carruagem de prata e vestidos do mesmo metal.
– De onde é? – perguntou-lhe o príncipe logo que a viu montada em tão
valioso carro.
– Da terra das toalhas – respondeu ela.
Ainda, em outra ocasião, se repetiu igual cena com o príncipe a quem
ela levou um copo, pedido pelo príncipe e que ele lançou fora com desprezo por
ser dele portadora a criada Maria-Suja.
Dias depois houve outra festa à qual Maria assistiu em carruagem de
ouro e vestida do mesmo metal.
O príncipe enamorado da beleza e da riqueza de tão bela dama
perguntou-lhe de onde era.
– Sou da terra dos copos.
Desta vez o príncipe não ficou calado. Correu atrás dela e conseguiu
agarrar-lhe um dos sapatos, que levou para o palácio como preciosa relíquia.
Convocou no dia seguinte todas as princesas, resolvido a casar com
aquela a quem o sapato servisse. Entre muitas apareceu também a enteada de seu
pai, filha da sua madrasta… Calçou esta o sapato e disse que lhe ficava
muito bem, embora a magoasse a ponto de lhe ferir o pé, deixando-o
ensanguentado.
Em vista de lhe servir o sapato, foi logo marcado o dia para o
casamento. Sucedeu porém haver no palácio uma pega, que foi a causa de se
descobrir o engano. Com efeito, quando os dois noivos iam receber-se por marido
e mulher, entrou a pega a gritar:
– Olha como ela vai toda inchada com o sapato, que roubou à
Maria-Suja!… Parou imediatamente o cortejo e tratou-se de verificar se o que a
pega dizia era verdade. Logo se verificou que o sapato não servia à noiva, e
sim a Maria-Suja. Em vista do que foi a noiva despedida do palácio e o príncipe
casou então com Maria-Suja.
O príncipe era nem mais nem menos o touro azul.
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