2/25/2020

Considerações sobre a obra de Camilo Castelo Branco




Considerações sobre a obra de Camilo Castelo Branco
O Movimento do Romantismo em Portugal afirma-se numa corrente de banalidades que dão em literatura a nota da suprema inépcia. Mas todos os crimes e todas as faltas, melhor todas as excrescências dessa evolução de sentimentos se resgatam e afundam no esquecimento misericordioso, se acertamos em ver a toda a luz, a obra colossal do homem de gênio que entre nós consagrou o romantismo e que o mantem, quarenta anos volvidos, nos domínios do romance português, em plena força indestrutível e em plena gloria incontestável.
Vieram, com grandes esperanças, algumas tentativas de implantação de novas fórmulas e de processos novos. Não escasseou o talento, menos ainda a observação, com todo o brilhantismo expositor. Mas faltou a paixão — desculpe-se a velha definição do facto eterno e insubstituível. Foi pela paixão que triunfaram os raros e grandes triunfadores da geração de ontem. Surgem os excessos de analise, as subtilezas, as minudencias, a cátedra para os sentimentos, mas a inferioridade do efeito é manifesta. O sucesso relativo do romance moderníssimo está nas belezas do descritivo e nos pormenores libérrimos até aos domínios da pornografia. Mas é raro que dos detalhes saia o grande traço emocional, a forte cena dramática que convulsiona, a grande síntese psicológica que se impõe e que ilumina como uma revelação.
 Um lúcido e poderoso espírito que nós perdemos e choramos e cujo nome deixaremos vinculado a este singelo estudo — o poeta Cesário Verde — apresentava-nos um dia diversas definições muito rápidas e muito seguras de vários escritores portugueses. Tendo de referir-se a Camilo Castelo Branco, apresentou a seguinte definição — “é o mais literato de todos” — completo: é no terreno do estudo severo a erudição beneditina apoiada no bom-senso profundo; é o sacerdos magnus nos domínios da língua portuguesa; é o humorista Sterne combinado com o humorista Henri Heine, e das amarguras deste têm muito as suas amarguras. A nota plangente que faz estremecer e soçobrar os espíritos na desolação ou que os redime pelas lagrimas, fere-a o grande escritor com a sinceridade do momento — que é toda a força da paixão. Em hora de zombaria serena assimila os processos novos e desmascara-lhes a impotência e a inferioridade; logo, corrigindo a ironia, dá-nos em duas páginas que adiante serão transcritas a cena mais artisticamente executada da galeria do romance português.
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Quando o Crime do Padre Amaro e o Primo Basílio de Eça de Queirós estalaram como gritos de guerra nos domínios das letras portuguesas, fez-se à volta do recém-chegado um clamor de admiração, que, para ser justo, só precisava de ser consciente. Quem isto escreve aplaudiu e deu a razão do aplauso. O romancista felicitou o crítico pela compreensão do trabalho e dos intuitos. Estes processos desusados tiram à crítica a feição protetora e fixam a independência da arte no sentido elevado e puro da palavra independência.
Mas de par com as saudações criticadas surgiram as aclamações insensatas da turba multa e a exploração pérfida do sucesso do romancista.
A perfídia consistia em jogar os livros de Eça de Queirós como uma catapulta contra a obra de Camilo Castelo Branco. Provocado o velho leão, não moribundo por mal dos agressores, saiu a terreno — zombando. O Eusébio Macário e a Corja são tiros certeiros contra a matulagem; não prejudicam nem visam a prejudicar os processos novos dos mestres da última geração; mas põem a nota de bom senso na conta do que se dirimia entre a velhacaria e a ignorância e restabelecem a situação no seu terreno sob o ponto de vista da boa crítica.
Mas fora dos dois livros de ironia buscaremos espécime de soberba execução artística, alheia aos antigos processos do grande romancista. É do livro A Brasileira de Prazins. A galeria do romance português não apresenta quadro mais vigoroso, nem mais surpreendente colorido trágico, com todas as nuances de uma observação que se evade à fadiga pelos primores incomparáveis dos seus moldes.
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É de Lisboa o grande romancista. Nasceu a 16 de março de 1826. Órfão aos dez anos de idade, foi transportado a Vila Real (Trás-os-Montes) donde passou ao Porto. Foi nesta última cidade que ele se afirmou literariamente, e no Porto ou a breve distancia tem vivido, salvo alguma ausência limitadíssima, a sua vida de combates e de triunfos.
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Não vale a pena mencionar distinções honoríficas, desdenhosamente aceitas por Camilo. Citaremos apenas a distinção que ele recusou; registro de um castigo. É de 1862, na Revolução de Setembro de 19 de março daquele ano e refere-se ao Instituto de Coimbra.
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 As obras de Camilo Castelo Branco, manuseadas por duas gerações, durante os últimos quarenta anos decorridos (tem a data de 1847 o Agostinho de Ceuta) não figuram completas em algum catálogo publicado. Coligimos, todavia, os dados ao nosso alcance para a formação de mais completa lista bibliográfica da obra do grande escritor. Vejamos:
Abençoadas lágrimas! (drama em três atos), Agostinho de Ceuta (drama em quatro atos), Agulha em palheiro; Amor de perdição; Amor de salvação; Amores do diabo (tradução); Anátema; Ao anoitecer da vida (poesias); Anos de prosa; Esboço biográfico de D. Antônio Alves Martins, bispo de Vizeu; Aspirações; O bem e o mal; No bom Jesus do Monte; Os brilhantes do brasileiro; A bruxa de Monte Córdova; Cancioneiro Alegre; Carlota Ângela; O carrasco de Victor Hugo José Alves; Cavar em ruínas; A caveira da mártir; O clero e o Sr. Alexandre Herculano; Coisas espantosas; Coisas leves e pesadas; Condenado (drama em três atos), Coração, cabeça e estômago; A Corja; Correspondência epistolar entre Camilo Castelo Branco e José Cardoso Vieira de Castro; Curso de literatura portuguesa (em parceria com Andrade Ferreira); A cruz (semanário religioso); O demônio do ouro, Dicionário Universal de educação e ensino (tradução); Divindade de Jesus e tradição apostólica (com uma carta dirigida ao autor pelo visconde de Azevedo); A doida do Candal; Doze casamentos felizes; Duas épocas da vida (poesias, incluindo o folheto Hossana); Duas horas de leitura; A enjeitada; Esboços de apreciações literárias; A espada de Alexandre; Corte profundo na questão do homem-mulher e mulher-homem, por um sócio prendado de várias filarmônicas; Lágrimas abençoadas; O livro de consolação; O livro negro, (continuação dos Mistérios de Lisboa); Luta de gigantes; O Marquês de Torres Novas (drama em cinco atos); Os mártires (tradução); Memorias do Cárcere; Memórias de Fr. João de S. José de Queirós, bispo do Grão Pará (com uma introdução e muitas notas ilustrativas); Memorias de Guilherme do Amaral; O Morgado de Fafe em Lisboa (drama em dois atos); O Morgado de Fafe amoroso (comédia em três atos); Mosaico e silva de curiosidades históricas, literárias e biográficas; A mulher fatal ;Mistérios de Fafe; Mistérios de Lisboa; A neta do Arcediago; Noites de insônia; Noites de Lamego; Novelas do Minho; O Olho de vidro; Espinhos e flores (drama em três atos); O esqueleto; Estrelas propícias; Estrelas funestas; Eusébio Macário; Fani (tradução); A filha do Arcediago; A filha do Dr. Negro; A filha do regicida; A freira no subterrâneo (tradução); Gazeta literária do Porto; O gênio do Cristianismo (tradução); História de Gabriel Malagrida (tradução); O homem de brios; Horas de paz (escritos religiosos); A imortalidade, a morte e a vida (traduzido e com um prefácio); O inferno (tradução); Inspirações (poesias); O judeu; Justiça (drama em dois atos); Onde está a felicidade?; Poesia ou dinheiro (drama em dois atos); Poesias; Poesias e prosas inéditas de Fernão Rodrigues Lobo Soropita (com uma prefação e notas); Purgatório e Paraíso (drama em três atos); Quatro horas inocentes; O que fazem mulheres; A queda dum anjo; O Regicida; Romance de um homem rico; Romance de um rapaz pobre (tradução); O santo da montanha; O sangue; Cenas contemporâneas; Cenas da Foz; Solenia verba: Última palavra da Ciência; Cenas inocentes da comédia humana; O senhor do Paço de Ninães; A sereia; Teatro cômico; A morgadinha de Val de Amores (em um ato) Entre a flauta e a viola (entremez em um ato); As três irmãs; O último ato (drama em um ato); Um homem de brios; Um livro (poesias); Vaidades irritadas e irritantes; Vida de D. Afonso VI; Vinte horas de liteira; Vingança; As virtudes antigas, ou a freira que fazia chagas e o frade que fazia reis; O visconde de Ouguela; Voltareis, ó Cristo?; O general Carlos Ribeiro; O Cancioneiro Alegre; Os Críticos do Cancioneiro Alegre; D. Luís de Portugal; O vinho do Porto; Maria da Fonte; Ecos humorísticos do Minho; Serões de São Miguel de Seide; Brasileira de Prazins; Boemia do Espírito; Vulcões de Lama; Luiz de Camões — Carta de Guia; Vida de D. Afonso VI.

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ANTÔNIO DA SILVA PINTO
Camillo Castello Branco (1889)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2020).

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