Poderia cantar ao infinito
O prazer de ter te conhecido.
I
CANÇÃO DE TEUS POEMAS
Estes poemas são teus
porque — bem vês — são o espelho
que te reflete inteira:
cabelos, olhos, boca, sopro, pés.
Porque são teus estes poemas,
são a tua sombra.
Estes poemas são teus
porque são teus.
Porque minhas mãos teleguiaste,
corpo e alma psicografados,
aqui e na distância.
Estes poemas são teus
porque sugerem primavera
quando não é primavera,
porque vieste verão abrasador.
São teus estes poemas porque
vários outonos alegraste,
são teus estes poemas,
somente teus...
II
CANÇÃO DAS DUNAS ESTELARES
Sardas são estrelas.
Teu corpo é a Via Láctea
salpicada de sardas.
São dunas de areia
as alvas ondulações estelares
desse corpo.
Desafios exigindo sabenças
as reentrâncias.
Leitosos caminhos cósmicos
desafiam o amante venturoso.
Sardas são estrelas, astros, sóis,
pontos minúsculos de universo
para sempre incógnito.
Teu corpo salpicado de sardas,
ponteado de alvas ondas estelares,
reentrâncias como desafios,
convida o venturoso amante.
Colher uma a uma as estrelas,
com os lábios apagar sardas,
deslindar o sabor lácteo
que as reentrâncias exalam.
Saber a sal o sabor da pele,
dos lábios salpicar de novo,
repor uma a uma as sardas todas
em seus devidos lugares.
Via Láctea chamuscada de sardas
– que são artes estelares –
reproduzindo o trimilenar mistério.
Miríades de sensações:
teu corpo tem estrelas.
III
CANÇÃO DOS PÉS ROLIÇOS
Beijo teus pés com fervor
pois até mesmo eles têm
uma sensualidade própria.
Beijos teus pés roliços
e os dedos macerados
pelas sandálias ao caminhar.
Beijo teus pés com fervor.
Pés como plantas
onde a raiz do desejo humano
nasce, atraca, cresce e fulge
como voraz trepadeira.
Beijo teus dedos roliços
e os pés redondos marcados
pelo calçado no caminhar.
Beijo teus dedos com fervor.
Beijo teus pés redondos
que sustentam alvas colunas
de leite e mel.
Convidam para ir além,
muito além.
Beijo teus pés com fervor,
beijo teus dedos esmaltados,
vermelhos, muito rubros,
beijos os tornozelos
roliços, com fervor.
Beijo teus pés,
beijo teus dedos roliços
com o mais solene fervor!
IV
CANÇÃO DAS OITO NINFETAS
Ayuara dos sóis,
cabelos flamejantes,
tuas lavaredas envolvem
e lambem os que te cercam
e decerto amar te desejam.
Boiaçu dourada,
olhos diamantinos,
lapidados, faiscantes,
brilho de lâmina nascido
que fere, corta e cega
os que volteiam teu corpo.
Janaína dos rios,
turmalina da gema
das minas gerais,
teu corpo entrelaçado
por tão longos cabelos
emerge das águas e colhe
humano escravo garimpo.
Mãe D’água encachoeirada
do verde das matas
fundos torpedos brilhantes
miríficos que enfeitiçam
os que desejar-te ousam.
Sereia dos lagos
de pelos oirados
ou louros trigais,
acarinham, abarcam,
aprisionam, matam,
– de amor? de desejo? –
tão pobres mortais.
Sirena marinha
espumante (ou áspera?),
areia, braços tentáculos,
sequestram à morte
corpóreos navegantes
perdidos a vagar.
Uiara das luzes,
miraculosa luminosidade,
laser ultrafulgurante,
a luz clareia corações,
almas desencarnadas,
epidermes em clarões.
Yara planetária
fulge das entranhas
a terrenal existência,
a redimir os seres
de humilde magnificência
nos céus, nos ares,
pecadores de amor e febre,
desejos e mais... e mais...
V
CANÇÃO DOS OLHOS LÍQUIDOS
Esses olhos mais que líquidos,
de transparência infinita,
olhos de pedra preciosa
que me fitavam em fuga,
faiscando as pedrarias,
Mãos rudes de garimpeiro.
esses olhos trespassados
de liquidez sem fundo,
olhos gemas verdadeiras,
(e não quinquilharias...),
águas profundas em cor,
espaço e tempo indefinidos.
Esses olhos preciosos,
esmeralda-do-brasil,
olhos mineradores
de lavra descomunal,
perscrutadores, devassantes,
microvisão essencial.
Esses olhos preciosos,
olhos líquidos
trespassados, vãos,
gemas a garimpar,
transparência sem fim,
olhos capazes de amar,
esses olhos, bem sei,
olhos de água e punhal
pertencem somente a ti.
Esses teus olhos líquidos...
VI
CANÇÃO DO PÚBIS DOURADO
Sopro teu púbis dourado,
louro trigal.
Ao redor, fios de ouro.
rios de leite,
do mais puro alvaiade.
Brancura de algodão,
nuvens leves da tarde.
Sopro teu púbis sonhado
e os pelos de ouro fremem
como trigal ao vento.
Rios de leite,
brancura do mais branco.
Correm teus vales róseos,
alvura de alma inocente.
Ao redor,
no ventre, nas coxas,
fios de ouro cintilam repousados.
Rios de leite,
linho tecido cru,
mistura de todas as cores,
alvura do mais alvo branco.
Sopro teu púbis eldorado:
o sopro morno acorda
para o amor.
Ao redor — ouro –
nas entreabertas pernas
fios dourados cintilam
úmidos de sereno suor.
Beijo teu púbis alado,
beijo o trigal, beijo a flor...
VII
CANÇÃO DE ALGUMA ETERNIDADE
(Ficaria ao infinito aquele dia
prisioneiro da lembrança
presente, passada, futura,
do que foi te conhecer).
Poderia cantar hoje e eternamente
o prazer de ter-te conhecido.
Poderia cantar a madrugada
da tua aurora luminosa
como um sol amanhecido.
Poderia cantar a tarde,
o ocaso dos cabelos brasidos.
Poderia cantar o pôr-do-sol,
o lusco-fusco do olhar esmaecido.
Poderia cantar a noite escura
refúgio do teu corpo adormecido.
Poderia cantar toda a paixão
que tua presença me teve oferecido.
Por isso trouxe a saudade
e o silêncio obstinado
do teu olhar fundo e quente.
Trouxe o aconchego desesperado
da tua boca — ferro em brasa –
desse sorriso descarado...
Do teu corpo impaciente
trouxe o desejo incarnado.
Dos teus seios pequeninos,
um minuto muito excitado.
Das tuas pernas e pés
trouxe a carícia redobrada.
Do teu sexo feiticeiro
o gozo em vão derramado...
(Amaria ao infinito o momento
passado, presente, futuro,
prisioneiro da esperança
de um dia te pertencer).
Rio de Janeiro,
set/out de 1987.
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