DEDICATÓRIA
À memória de
Aristides Hemetério dos Santos
o meu filho amigo,
por cuja solicitação este livro estava
sendo publicado, quando se deu o seu
triste passamento.
ARISTIDES...
Aqui tens os antigos
E os modernos sonetos que pediste...
O duro fado iníquo, em golpe triste,
Não quis que os visses... Seja! que os perigos
São, por vezes, auroras (não castigos)
De uma vida melhor que além assiste...
E quem impede a sorte? e quem resiste
À lei fatal dos termos e jazigos?
O oceano te quis guardar... Cadeia
Apenas foi de um drama milenário
Que prende a terra ao coro universal.
És hoje membro desse corpo! Enleia
Tua voz no divino e grande hinário:
Que haja entre nós a vida fraternal!
HEMETÉRIO
Em 10 de dezembro de 1919.
O tempo o mau descobre, o bom apura,
Umas coisas reprova, outras inventa;
O que vai devagar mais se segura.
Quem tanto de seus versos se contenta,
Quem cuida que não há que emendar neles,
Afronta às suas faltas acrescenta.
....................................................................
Eu, senhor, já pudera ter bisnetos
Depois que comecei a fazer trovas.
DIOGO BERNARDES
NA PRIMAVERA
N a primavera o canto é ledo e forte,
E tem cintilações; mas... são vapores
A que o sol alto dá seguro a morte...
Mancebos, somos fracos caçadores.
Até o quarto ou quinto lustro, a coorte
Dos Paulos e Virgínias as só dá flores,
Que da imaginação seguem o norte,
De cujo fundamento nascem dores.
E não assim no estio: a experiência
Doura-lhe o ritmo alegre, e a suavidade
Fruto produz opimo e sazonado.
Modulações sonoras na sequência,
Têm o perfume doce da saudade,
Flor perene de um gozo abençoado.
NA CLASSE
(A Félix Pacheco)
Neste trabalho meu de eterna juventude,
Por moço mais me sinto e quanto vivo mais...
E a ideia que lançando eu vou, por que se mude
O campo inculto e bom em messes e rosais
Germina e cresce: e cobre a flor os ideais
De amor fraterno, e graça e mimo, e de virtude
Beijos de toda a raça, e os cantos imortais
Em que o caro Brasil — sempre inteiro se escude
Von dizendo de amor nesta língua excelente,
Que primeiro levou, às portas do oriente,
O beijo fraternal, — e não de ódio importuno.
E morrerei, porém; mas minh'alma, ao partir
Há de placidamente, e nesse dia, ouvir
O verbo meu cantando acorde em cada aluno.
SÃO BERNARDO
Constelação de força e muito amor,
Derrama a luz na Igreja o grande bardo,
Baluarte do dogma, São Bernardo,
Flagelo dos incréus e seu terror.
Por espalhar o verbo do Senhor,
Homens congrega que não temem cardo;
Dá combate às doutrinas de Abelardo,
Por toda a parte, excelso vencedor.
E no zelo do seu devotamento,
Cantando brandamente em harmonias,
Enaltece a Mulher nos hinos seus.
E na astral tirania do talento,
Do vício jugulando as tiranias,
Salomé diviniza a Mãe de Deus.
A MULHER
E Deus achou que tudo estava bom;
Mas quis ao seu trabalho dar remate,
Pois lhe faltava a força, a graça, e o tom,
E o cunho de obra prima, e seu quilate.
— “Façamos a Mulher; terá o dom
De abrandar, pelo tempo, no combate,
Das vis paixões desagradável som,
Polindo o homem, da vida em duro embate”.
E foi: o céu se fez em risos de ouro,
E até a vil serpente o grau segredo
Do gozo lhe vasou coração...
E guarda assim da terra o bom tesouro,
E o amor ensina, meiga, em doce enredo,
Ao bruto mais feroz da criação.
OSVALDO CRUZ
Divino Osvaldo Cruz! Na guerra bruta
Que os pequeninos seres deram forte
Ao grande ser, tu foste, nessa luta,
Grande e mais firme que a serena morte.
Com bate desigual! golpes de enxuta
Placidez varonil, de excelso porte,
Deste, certeiro, na escondida gruta
Do fero inimigo de perverso norte.
Venceste! e ao teu saber a natureza
Se rende humilde, escravizada, inerte,
Tão soberano foste a defesa.
E agora, que não há quem desacerte,
Partes, subindo tanto, na grandeza,
Que o teu saber em luz se mais converte.
ÁFRICA PORTENTOSA
E para o Portugal audaz e belicoso,
Portugal, criador de gênios e nações,
Teve o sol africano, ardente e luminoso,
O mais soberbo dom de glória, amor e ações.
Que da Bárbara o seio amante e carinhoso,
Fonte de boa graça e mil consolações,
Poliu, por Moçambique adusta, o fragoroso
Canto de amor da Pátria e o que sagrou Camões.
O remoto e amoroso abraço maternal
Deu de Angola, Mombaça ou da Guiné gentil,
O eloquente Vieira, e o construtor Pombal.
Superior, porém, às artes de Amenófis,
Excele a formação do amado meu Brasil,
Dos cantos imortais a fulgurante estrofe.
A ESCRAVA BÁRBARA
(A Lindolfo Nigro)
Tinha as carnes em curvas fugidias
Aquele corpo de ébano lustroso;
E, pelo tato, as linhas corredias,
Soluços doces de felino gozo;
Os olhos em ocultas ardentias,
Liso volver caprino e doloroso;
Os gestos, veludadas melodias,
Prendendo certo em movimento undoso.
Os seus cabelos, em perfume raro,
Que ameigava a bruteza do europeu,
Teciam laços de um poder adro.
E esta a cativa foi, formosa e triste,
Em quem de grande amor Camões viveu,
E em cujo beijo o português existe.
ANCHIETA
Vem de África o Anchieta, que, primeiro,
O alfa ensinou, contente, e o catecismo
À taba rude e tosca, e ao companheiro
Que trouxe por curar da terra o abismo.
Modelo foi do sangue brasileiro,
Porque do amor no imenso cataclismo,
Foi seu pai — um fidalgo interesseiro,
E sua mãe — mestiça de heroísmo.
Santa mulher! Na dor que a grei condena
O filho casto educa para o mundo!
Força do amor de nobre Magdalena!
E assim, escola foi então e templo
Do africano trabalho tão fecundo!
Estrela do Brasil! divino exemplo!
JOSÉ DO PATROCÍNIO
De um eflúvio de amor, fusão ele noite
Calmosa e negra com ardoroso dia,
Nascem da escravidão o juste açoite,
O verbo lapidar de sinfonia,
O grande Patrocínio que bramia
Tão alto como quem se mais afoite:
No peito a dor da raça lhe gemia,
Asilo ele quem quer — que a li se acoite.
Da fria nasce a luz: e o rosicler
Põe-lhe doçura na palavra; e a aurora
Tinge a vitória sabor do mel...
E aos pés divinos da Gentil Mulher,
O mestre, de joelhos, canta e chora,
Beijando o gesto augusto de Isabel...
ANTAR
O batido galope do corcel
Um misto de paixões soltava ao vento;
Do musical compasso no andamento,
Duro alfanje se ouvia tropel.
Belicosas canções, no acampamento
— O ódio mortal e o amor; duplo painel
Geme doce, nas cordas do rabel,
O epinício de guerra e de tormento.
É Antar, negro bardo valoroso,
Que pelos areais da Arábia nobre,
A lira prende ao dardo vigoroso.
Do Beduíno o sangue astuto cobre
Com a doçura do líbio sangue airoso,
Da epopeia da vida o grande alfobre.
O NEGRO
I
Bem longo o teu sofrer... De longa data,
O Egito, a Núbia, a Líbia antiga, e a Espanha,
A Arábia, e montes, vales que o rio banha
Do Paraíso, e toda a terra ingrata
Da América formosa, que se engata
De um polo a outro alto polo, gente estranha
Contra ti, contra os teus, atroz campanha
Move sem piedade! e a vil chibata
Retribui com bruteza o teu serviço
De com sangue regar a terra dura,
De com o leite nutrir o filho alheio.
Nesse sofrer cruel e abafadiço,
Trazes o sol na tua pele escura,
E o perdão se irradia do teu seio.
II
E no tempo de El-Rei, o Afortunado,
Quando o teu sangue converteste em ouro,
Do mundo inteiro enchendo o vil tesouro
Que contra ti se armava logo irado,
Tu inda foste o nume abençoado,
Cuidadoso, do imenso sorvedouro
Matando a peste, a fome, o mau agouro,
Com o pão no teu suor argamassado.
Escravos de Guiné, fostes o abrigo
Do povo então senhor de todo o mundo:
Ouro em pó para o luxo, e pão — o trigo
Que foi vida, e de amor lhe foi profundo!
Tiveste o galardão — o mor castigo —
De espalhar pelo remo o bem fecundo.
O CREDO NOVO E O CREDO VELHO
(A Paulo Barreto)
Muitas coisas, então, não eram crime...
Mas a alma portuguesa sonhadora
Não se detém: e vela ao lenho imprime,
Em divina missão conquistadora.
Rumo do sol nascente! que se intime
Francisco Xavier, de construtora
Vontade, e paz, e graça que redime,
A saber do Japão a alma ofensora.
Do Deus — Homem, o Santo disse a História,
O Martírio, a dor, morte e sã vitória
Por um só credo unir os corações.
Século sobre séculos recai:
Para o Japão agora sobressai —
— N ovo credo da Liga das ações. —
RETRATOS
I
O louro alegre e bom da sua tez
Lembra o tipo ideal da velha Grécia,
Que tem a doce calma de Lucrécia,
De coração tranquilo de altivez.
E sem falar, domina na mudez
Eloquente dos modos, e a facecia
Não cultiva das filhas de Lutécia,
Tal lhe avulta do porte a sisudez.
E adoro muito esse anjo tutelar,
Mimo e ternura meiga do seu lar
Que tanta graça e tanto enlevo cobre,
Pondo, por toda a parte, a ordem, a flor,
No cuidado, no zelo e puro amor,
No seu airoso andar fidalgo e nobre.
II
É um cofre de graça esta menina,
De manso olhar e angelical pureza:
Desprende de sua alma essa beleza
Que aos puros corações seduz, fascina...
Numa suave esfera de neblina,
Toda a graça lhe está em singeleza;
A modéstia lhe veste a natureza
De uma sã castidade purpurina.
Quando passa, se enfeita toda a casa
De uma alegria doce que transvasa
Seu coração, dourado relicário...
A virtude do rosto se lhe reve...
Que tudo nesta frase se descreve:
Do amor de sua mãe fez um rosário.
III
Entra nesse momento por que a aurora
Se vai fazendo um claro e belo dia,
E traz no rosto um ramo de alegria
Que um medo sem razão fere e minora.
A face lhe enrubesce, e lhe apavora
O delicado ser; melancolia
Sem causa o peito brando lhe atrofia
Num doce esquecimento de senhora.
É que o amor, o severo e puro amor,
Já lhe mostra da vida o fel, a dor
De uma paixão nascente e carinhosa.
E a sonhadora Graça, cor de neve,
Verá que o Deus ingrato a sós descreve
O mar imenso num botão de rosa.
ADMINISTRADOR...
Por toda a parte vê ladrões, gazua
Sutil, roubando à vista e cegamente!...
Mãe, que, chorando e triste, se insinua,
Pelo filho pedindo piamente,
Ele a vê, criminosa e quase nua,
Seduzindo-o a fraudar; e toda a gente
Esta ideia tenaz só lhe acentua
Nos tenesmos sangrados duramente.
Passa pelo ouro exposto ao claro sol,
Não o vê, mas vai logo no farol
Esbarrar da esterqueira e da sentina.
E do erro na dorida persistência
Jamais pude sentir a incompetência,
Que o prende fatalmente à vil rotina.
LÍNGUA MALDIZENTE...
I
Os que nada produzem, ociosos
Que apedrejam os sóis de ilustre vida,
Molham a pena em travas aleivosos,
E nódoa põem em tudo fementida.
Impotentes, inócuos e raivosos,
Escaravelhos são de ingrata lida:
— Não se encobrem os raios luminosos,
E o ódio ao real valor não intimida...
Maus filhos: tudo quanto é nosso sofre
Da sânie pestilenta o bote incerto,
Que se invalida logo, e logo cai.
O nojento rancor, ela inveja cofre,
Revela nesses monstros, bem ele perto,
Canaã descobrindo o próprio pai.
II
Esse rapaz nasceu envilecido:
Quando pela manhã é tudo amor,
A língua se lhe move em vil rancor,
Manchando tudo, atroz e aborrecido.
Não estuda; porém, enegrecido
Tudo vê: a donzela, o lavrador,
A mãe que o filho cria, do esplendor
Bruto cuspilha, irado, a nu, despido.
Do lírio empana a cândida brancura,
E no estuar do peito a vil amargura,
Tudo se vai culpado e sem moral.
Não é no em tanto assim por toda a alfombra:
O que o abutre nota é a própria sombra,
Que à virtude não muda em tremendal.
III
Esse velho que outrora andou comigo,
Cedo perdeu a força de vi ver,
E, praticando só, por mor castigo,
Roendo vai a vida em mau lazer.
Daquele que na vida achou abrigo,
Pondo em fato a vontade e o seu querer,
Morde raivoso a fama, a sós consigo,
E vai no ódio impotente a fenecer.
A troca de carinhos que da vida
É a única razão ele ser, sincera,
Logo põe em calúnia peçonhenta;
E morre por mais ver enobrecida
A vítima que o visgo não lacera,
Antes o seu vigor protege e aumenta.
CONSELHOS
Levanta-te com o sol; frui do trabalho
A grande recompensa que conforta;
Para a luz receber, escala a porta
Do teu corpo de ferro ao doce orvalho.
Nem mesmo o gesto tenhas do carvalho
Quando o sopro do vento não suporta:
Sê duro e forte; e muito estuda, exorta,
Porque da glória logres o agasalho.
Ergue ato o teu amor; enche-o de luz,
E põe, em letras d'ouro, na memória,
Que da mulher amada o vulto nobre
É de mãe — santa imagem que conduz
Maravilhosamente à grande glória
Que pelo tempo avante o me cobre.
MÃE?!
E negas ao teu filho o próprio leite,
Alma de rude e brônzeo coração...
Brutal assim, não há quem desrespeite
Tão pura e tão singela condição.
A pedra o musgo cria, sem que enjeite
O pesado labor da criação;
Do ser pequeno ao grande, o só deleite,
Mas no produto está que na paixão...
Só tu te abrasas, firme no furor
De eternamente amar, deixando em flor
O sentido carnal apercebido.
Olha, toma o teu filho; e os teus desejos
Se resumam em pô-lo envolto em beijos,
No teu carinho quente adormecido.
O BÊBEDO
Antes do amor bebeste, e, por latente,
No organismo do filho inoculaste
O veneno traiçoeiro que, engaste,
Trazias, mau, do beijo delinquente.
Não foste generoso, pois mataste
O futuro que, alegre e docemente,
A vida te aumentava, brandamente,
Na vida que no gérmen sufocaste.
De came posta vil! da natureza
És o produto miserando e triste,
Do teu gozo no vinho pondo a presa.
Dos amais, nenhum sequer existe
Que do vício te roube a fortaleza,
A ti que a humana essência destruíste.
PREGUIÇOSO
Não és homem; pior do que o selvagem,
Tu vives anormal, e na luxúria:
Da suma Perfeição não tens a imagem,
Que fazes à mulher a suma injúria:
Não tem lazer; dos anos na voragem,
Marca os ciclos com filhos, na penúria
De bem-estar, de calma, e sem coragem,
De contra ti lutar na vil incúria.
Dormes, bebes, passeias, descuidado,
E ela enche, com trabalho, o teu celeiro,
Com lágrimas regando a terra bruta.
Crescem os filhos: vives anafado,
Do suor da criança o dia inteiro:
Matas assim a flor, e morre a fruta.
FEIA!...
Matou-se. O gesto nobre a luz perdeu,
Horrenda catadura emoldurando!
A cetinosa pele enegreceu,
Um pavor pela casa derramando!
Pobre moça! de certo enlouqueceu,
De fera brava o peito revelando!
Mostras de coração tigrino deu,
Tão estreito egoísmo praticando!
Não amava deveras, — pois quem ama
Não foge assim da vida brutalmente,
Em plena floração de mimo cheia.
Como ficou! não mais a bela chama
Do brando e doce olhar inteligente!
— Tão mudada ficou! e muito feia!
TRISTE
E três anos passara o seu enlace,
E fruto havia já, pequeno e forte;
Mas o gozo da vida e doce morte
Para si não sentiu que se passasse.
O termo seu de amor era fugace;
Corria sem dilúculo, de sorte
Que o seu prazer em vão não tinha norte
Que o set desejo um pouco mitigasse.
Roído de apetito que lhe mora
Em sítio onde o prazer sensibiliza,
Tal a planta que a luz vital procura,
Vai, e vai procurando a meiga aurora
Do prelúdio de amor, que imobiliza
Dos nervos doida orquestra que murmura...
SEMPRE...
E eu não me faço velho: em quanto fores
Assim na escala mínima dos a anos,
Hei de criança viver dos teus amores,
Tranquilo e firme contra os desenganos.
Não vejo da borrasca os mil rigores,
Do tempo desconheço os cruéis danos;
Apenas do prazer eu sinto as dores,
Enlevos meigos d'alma, e meus tiranos.
Da tua voz de timbre peregrino,
Irei um elixir compondo doce,
Como ainda não pensou humano engenho.
Parece-me que o sol não desce, e a pino,
Com a luz me prende a ti, como se fosse,
Cadeia deste amor que nutro e tenho.
NÃO
Oh! não; não me tortures desta sorte;
Vê que, por te servir, eu inda vivo,
Trabalho, e nada temo, e busco a morte
Nesse teu ar sombrio e fugitivo...
Tens, se te falo, o áspero e duro corte
A tudo quanto digo, sempre esquivo...
Sê compassiva e boa... e nesse porte,
Irei cumprindo o teu querer altivo...
E, quando fores, sem razão, zangada,
Por tão alto por ti o meu enlevo
Nas ondas se mover de amor e luz,
Faze doce minh'alma amargurada,
E então, cantar eternamente eu devo
Graça tanta que tens e que seduz.
NUM CARTÃO POSTAL
Assim a minha casa quando, outrora,
Pequeno, no paterno lar, brincava...
Vergéis, pomares, pelo campo afora...
Vida tranquila e boa desfrutava.
Tudo, porém, se foi, mudou, e agora
A vida em dor se me converte e agrava...
E o bem nesta viagem se minora,
Que a dor no coração os ferros crava.
Mas, por não sucumbir ao grande peso
Das duras aflições, e do desprezo
De quem prazer encontra por ferir-me,
Tenho, no coração da mocidade,
O meu nome cercado de amizade,
No vosso peito para sempre firme.
CONSTANTE...
Que não tenha o veloz ardor de um dia
O teu querer tenaz, que bem me basta...
É bom; tem do veludo, por macia,
A doce sensação que prende e arrasta.
O perfume que tens em ardentia,
Desde a manhã — até que a luz se afasta,
Seja a prisão sutil de noite fria,
Cobrindo a vida, em curvatura casta;
E mais me prenda sempre, mais e mais,
Numa suavidade de açucena,
Subindo para o céu em espirais.
E que eu, nessa constância tão serena,
Tenha os meus curtos dias muito iguais,
Sem um sinal sequer de dor e pena.
DESEJOS...
Entre esta trabalhosa e dura vida,
Bravios desbravando mansamente,
E a minha certa e natural partida,
Sossego eu quero ter de toda a gente.
Quero contigo a sós, em doce lida,
Do rumor dá cidade bem ausente,
Viver tranquilo em ata e branda ermida,
Ouvindo de um regato a voz dolente;
E várias rosas, cravos ameigando,
Em terras de cultura bons modelos,
Um singular e novo paraíso.
E ali alegre tudo descansando,
Duas tranças fazer dos teus cabelos,
E um poema compor do teu sorriso.
SONETO COM ESTRAMBOTE
Não sabia eu dizer o que era aquilo...
E, tanto que lhe ouvia, embevecido,
O mel de sua voz, calmo e tranquilo,
Medroso me sentia, e recolhido...
Seu gesto donairoso era sigilo...
Seu olhar me prendia num brasido,
Que eu não podia, em frases, traduzi-lo...
Era um espreguiçar... era um gemido...
Tomei de sua mão delgada e fina,
E fiz-lhe mimos pelo braço inteiro,
Tudo em brando langor de serenata...
Num leve adormecer, e de morfina
Num torpor serpentino alvissareiro,
As bocas... modulando uma sonata.
O resto a língua não desata...
E eu mais não sei que foi aquilo
Guardo sigilo...
CANCIONEIRO DE INÁ
SONETOS
I
Para galgar a estrada tortuosa
Que vem do berço ao fim da vida breve,
Eu sinto que me falta a cor de neve
Da rósea tua face cetinosa.
O destino inclemente, por nodosa
Áspera linha, a vida me descreve;
Mas tu só, branco amor, tu podes leve
Tornar-me a falsa culpa deleitosa.
Depois de tanto sofrimento duro,
E dos vaivéns de um pélago de abrolhos,
Pela falhada luz do rosto escuro,
Dos bons e maus eu lastimado ser,
Volve-me tu, divina, os pios olhos,
E me acompanha neste atroz viver.
II
O nosso amor imaculado e forte
Do preconceito às malhas não se prende;
Casto e justo, por todo o peito estende
O seu domínio que não teme a morte.
E tem no seu querer o próprio norte,
Pois na constância e vigor esplende;
Exora, canta, e na mudez se estende,
Que dor não há sequer que não suporte.
Que poder há aí, cruel e duro,
Que no presente queira, e no futuro
Deter-lhe, por acaso, a trajetória?
Nenhum; que o céu não quer, e não consente
Que assim a luz se apague, irreverente,
A luz de Deus, a nossa luz e glória.
III
Pela Estrada da vida, um lustro breve
Já passámos, querida, neste amor...
E tu, em uma vez, do beijo a flor
Sequer me deste brandamente leve.
Nem palavra me dizes tu... Escreve
Ao menos; dize que me tens rancor;
E eu o prazer prelibarei da dor,
Que do teu peito tão cruel se reve.
Foge, e eu te seguirei por toda a parte,
Juncando de bondade o teu caminho,
Noite e dia, tranquilo por amar-te.
E diante do teu sagrado ninho,
Dia e noite estarei por adorar-te,
Sem mesmo teu amor e teu carinho.
IV
Eu não sei como vou por esta serra
Tão sozinho, e da luz do teu semblante
Privado o peito meu, que mal encerra
A dor sem e de te ver distante.
E no ar, por toda a parte, eu sinto a guerra
Dos que me não querem a ti constante;
E o duro afastamento o ser me aterra:
Tão grande é esta dor febricitante.
E, se me resta alento de sofrer
Do teu carinho a falta, e o bem querer,
Que à doce escravidão só me convida,
É que me ama a fé e a segurança
De breve ver-te minha, e sem tardança,
Meu derradeiro amor e minha vida.
V
Sou teu, e tu és minha; nem momento
Vivo que não me estejas na lembrança,
Em toda parte, em paz ou em tormento,
Tu do volver da vida a só bonança.
Sopre do bem ou do revés o vento,
Em tudo pondo rápida mudança,
Eu sou teu, e teu só, e o esquecimento
O nosso amor eterno não alcança.
Podes lançar-me tu no teu desprezo,
E atroz, e com desdém despercebida,
Outro eleger que mal teu peito agrade;
Hei de querer-te sempre, e sempre aceso
Nesta paixão voraz, cruel, sentida,
Por ti morrer de amor e de saudade.
VI
A dor de viver só, sem teu carinho,
Não acha em coisa alguma refrigério,
Sem do teu beijo o capitoso vinho,
E sem de tua graça o doce império.
E ando fora de, pelo caminho
Do incerto, do temor, e do mistério,
Porque assim folgas de me ver sozinho,
Das almas duras — duro vitupério.
E na carícia desta dor imensa,
Da tua luz privado, e da presença
Do teu olhar consolador e forte,
Eu padeço, e eu vivo, e viver eu quero,
Mesmo nesse desprezo ingrato e austero,
Por teu respeito prelibando a morte.
VII
O tempo rói tenaz a pedra dura,
E, pelo tempo, o beijo o marmor rói;
O tempo extingue a dor da sepultura,
E só ele o maior prazer destrói.
Aniquila do mau a catadura,
E do sofrer do bom não se condói;
A divina beleza desfigura,
E tudo altera, e muda, e tudo mói.
Nesse volver veloz estragador,
Só não altera o tempo o teu destino,
Só não corrompe o tempo o teu amor.
E pelo céu azul e cristalino,
Constante vai cantando o teu louvor,
Teu gesto senhoril e peregrino.
VIII
Nesta casa nasceu o nosso amor
Quando magoado o coração trazias;
E dessa que se foi intensa dor
O céu u os concedeu dourados dias.
E vivo, porque o tempo em teu louvor
Vou consumindo em grandes alegrias:
No prado, e no vergel não vejo flor
Que do teu ser não diga as harmonias.
Esta vivenda o nosso paraíso
Foi, e o sagrado ninho bom de riso
Que tua alma teceu maravilhoso.
Inda hoje, quando aqui defronte passo
Sinto que me aperta o forte laço
Do teu amor divino e carinhoso.
IX
Só sem um gesto lindo, e sem fortuna,
Que o viver torna fácil e sereno,
Saí de minha terra inda pequeno,
Por buscar para a vida uma coluna.
Mas sorte ingrata sempre, sorte importuna
Não consentiu me fosse o tempo ameno,
E, entregando-me a taça do veneno,
Nunca a dita me deu por oportuna.
Corri do mundo assim roaz caminho
Sem um suave abrigo e sem carinho,
Mais da metade da estação da vida.
Quando ia por morrer, cobrei alento,
Achando teu seio o firmamento,
Bondade minha e minha luz querida.
X
E dia a dia, o teu amor derrama
Fundas raízes no meu fraco ser;
Insinua e se ajusta, e no querer
Mais se afirma leal, e mais se inflama.
O êxtases deste delicado drama
Enlaça as nossas almas a viver,
Cheias de graça, e gozo e de prazer,
Em paz, em paz no amor, amor em chama.
De tanto enlevo, em derredor, memória
Ninguém jamais guardou; e esta glória
Exulta a nossa viela em pleno céu.
Não te assustes, pois, não, e sem queixume
Sorve da vida o divinal perfume,
Que sobre nós repousa um denso véu.
XI
Como eu hei de ocultar a toda gente
Este doce veneno — o teu amor?
Prazer que dá prazer que verte dor,
Punhal que martiriza brandamente?
E posso eu, por acaso, o sol ardente
Esconder? o sol vida, o sol calor,
Sol ventura que aquece e faz horror,
Vida e morte, e mudez que fala e sente?
Não, não posso: de inveja morra o mundo,
Rancoroso, perverso e cheio de ira,
Por saber que do teu amor profundo
Vive o meu ser, o coração respira,
E a vida minha, num vigor fecundo,
Diz o teu nome à brisa que suspira.
XII
Prende-se a minha vida à tua vida,
Alma feita de amor, alma sincera;
E assim contente, assim desvanecida,
Vives certo em perene primavera.
Separar-nos ninguém pode, e embebida,
A nossa alma gozo persevera;
Para nós, a tristeza é foragida,
E a treva em luz suave degenera.
Como o tempo sereno corre e passa!
E como traz conforto e boa graça
O teu sentido e demorado beijo!
Por isso eu ando alegre, e casto, e puro,
Do teu querer eterno bem seguro,
Mais não tendo na vida outro desejo.
XIII
Do meu último, e meu mais doce amor,
Minha alma vive cheia e confortada;
Ternura tão macia e de valor
Não há sequer na abóbada estrelada.
Céu aberto de luz e de calor,
Sua boca mimosa e perfumada
Dá-me das coisas boas o sabor,
Que mais não sei delícia desejada.
E o meu ser ao seu ser gentil se enlaça,
Num só, e num dourado sentimento
De amor, virtudes, de prazer e graça.
E por isso a cada hora só lamento
Não poder eu, com os lábios na áurea taça,
Tê-la sempre, de todo o assentimento.
XIV
O céu me concedeu suma ventura
De só viver tranquilo no teu seio;
Por outro bem qualquer eu não anseio
Que nada vence a tua formosura.
Esse retraimento, essa doçura,
Nunca exposta e dada a outro galanteio,
É a doce canção, doce gorjeio,
Da tua alma de excelsa compostura.
E com esse rico e gracioso erário,
No cerro ou na cidade solitário,
Eu acho em ti a minha só guarida.
E tudo isso a minha alma diviniza,
Ar de vida que a mim me tranquiliza,
Pois eu vivo imortal na tua vida.
XV
Tu não és como as outras: a doçura
Que teus de uma nobreza senhoril,
Vem do raro saber que a tu'alma pura
Derrama em derredor, doce e sutil.
Tens no rosto a suave curvatura
De um gesto iluminado e juvenil,
Refletindo brilhante a sã cultura,
Tão pousada, tão meiga e tão gentil.
Não é da carne só o viço e a graça
Que me empolga, me prende e me seduz,
Da carne que me abala, e morre, e passa...
Mas sim do bem que eterno tens de luz;
Constante sempre, noite o tempo faça
— Farol de amor, que para o amor conduz.
XVI
Outros vão, por enganos e artifícios,
Pondo o amor nos agrestes corações;
Nos corpos, fazem grandes, mil suplícios.
Semeando felinas afeições.
Aqui e ali, por toda a parte, indícios
Vão deixando de cruas ilusões;
Plantando vão da carne os feios vícios,
Os ciúmes senis e as vis paixões.
Mas tu, tu só, tu vais, tranquila e doce,
Como se o mundo um céu aberto fosse,
Espalhando a bondade e o puro amor.
Vive nessa redoma; e, sem receio,
Guarda a ternura teu casto sei
Que está essa meiguice o teu louvor.
XVII
Na primavera deste amor, no dia
Que dos teus doces olhos a brandura
Por sobre mim baixou, quanta alegria
Que o céu não teve! e, Deus, quanta ventura
Minh'alma não fruiu da formosura
Do teu ser todo feito de harmonia,
Da tua voz — de graça e melodia,
Nos eflúvios de amor sempre segura!...
Estrela, então brilhavas, com firmeza
Por noites dos meus dias tenebrosos...
Serena emanação, casta beleza,
Fugiste, e foste esquiva por além...
E eu só, — volvi à noite dolorosa...
Oh! não, não tardes mais! não fujas! Vem.
XVIII
Neste rodar da vida, descuidado,
Eu só do teu cuidado vivo cheio;
De tudo como andasse angustiado,
Que só por ti suspiro, e gemo, e anseio...
Mas o duro e cruel, e negro fado,
Que sempre, por contrário, de permeio
Entre nós dois, se põe a alucinado,
O corpo se me avilta, e a mente, e o seio...
Vida ingrata! viver de eterno luto!
E doido, e triste em mágoa, num minuto,
Quero nos olhos teus achar guarida!
Embalde! neste mesmo curto espaço,
Tu te acolhes esquerdo e duro braço
Desse... minha visão aborrecida!
XIX
Desce e desce na escala do sofrer,
Desce com o corpo em chaga, pela dor
Que pôde só achar o teu amor,
Por cumprires zeloso o teu dever.
Por mais, por mais que faças, hás de ser
Julgado sem justiça, e com rigor,
Porque o teu crime está na tua cor,
E o desprezo te vem do teu querer...
Infelizmente eu se: — e não ignoro
A minha posição; mas eu imploro
Que não me lances segundo plano!
Tenhas pena de quem não tem guarida
E parte alguma; e toda a triste vida
Mergulhado passou em duro engano.
XX
O prazer é a dor que dilacera
Dois seres, que se fundem para a vida;
É nota que vigora e regenera
Do espírito a fraqueza combalida.
O descontentamento, que exaspera
A tua cândida alma estremecida,
A flux, meigos e doces beijos gera,
A existência tornando apetecida.
Não chores, pois, que a dor distingue o forte
Que ao mundo não receia: afronta a morte
Altiva, não temendo o seu rigor.
Só prende a estreita escala da moral
Ao verme, à lesma ao inferior zagal:
Que do combate vive o grande amor.
XXI
E corre o tempo triste; já me cansa
O duro bracejar para o infinito,
Procurando o ideal que não alcança
O sonho, que se vai tornando em mito.
Pervicaz no revés, sem esperança,
Cumprindo vou o fado de granito,
No mar revolto sempre, e sem bonança,
Que assim pelo destino está escrito.
E vai a luz fugindo no horizonte,
Para que não esteja eu só na fonte
Do amor, e do prazer a sós contigo,
Doce canções de beijos modulando,
Nas curvas do teu corpo casto e brando,
Minha adorada pena, e meu castigo.
XXII
De carinho e de amor, constante, eu fiz
Esta casa gentil para o teu conforto:
Rosas pelo jardim, rosas pelo horto,
Orquídeas, boninas, cravo e lis,
Tudo aqui a ventura fez, e quis
Que de vida exultasse; e fosse morto
O desditoso fado vesgo e torto
Que te não curva a magistral cerviz.
E neste paraíso, soberana,
Entre a divina graça e a graça humana
Tudo de amor e adoração te enchia.
No entanto foste má: — cruel veneno
Puseste por aqui, no bom terreno,
Que para mim se converte em tumba fria.
XXIII
É muito bom... a maciez do arminho
Não tem, sequer de longe, a doce e pura
Meiguice divinal do teu carinho,
Que singular, e só, a fez natura.
E então te ouvindo bela, em desalinho,
Na tua alva roupagem de candura,
De beijos me juncaste o bom caminho,
Brando ideal da tua formosura.
Do ateniense o filtro dulçoroso
Que Júpiter Olimpo prelibava,
Os requintes de amor profundo, tudo
Quanto há divino, belo e gracioso,
No teu alabastrino corpo estava,
Estava no teu beijo logo e mudo.
XXIV
Tenho de amor a sede imperiosa,
Que só, só no teu peito se mitiga,
Porque tu tens a fonte, a fonte amiga,
Constelação de beijos, carinhosa.
És má, porém; o medo assim te obriga
A tornar-te arredia e caprichosa,
Abelha, que sussurra de raivosa,
Paraíso de amor, que me castiga.
Não me arrastes assim; não me tortures
A sedento morrer obediente
Ao teu imaculado seio puro;
Oh! hão; não sejas má; não, não procures
Ferir e maltratar tão atrozmente
Quem confia no teu amor seguro.
XXV
Dos teus olhos a música descreve
A dorida pureza do teu gozo,
Tornando mais gentil e radioso
O teu semblante angélico de neve.
Nas curvas que o teu corpo casto e leve
Traça do amor sentido e langoroso,
Minha alma vive num mover airoso
De bondade, que a ti somente deve.
E o ritmo modular e serpentino
Do teu ser delicado, honesto e fino,
Estranhas convulsões em mim produz;
E assim preso num beijo aéreo e doce,
Fico como se eternamente fosse,
Em uma esfera musical de luz.
XXVI
Dormes tranquila e calma, a noite inteira
Sonhos tendo de amor e fantasia;
E o luminoso céu te acaricia,
Em um mar de bonança alvissareira.
Doce imaginação, por mensageira,
Mesmo no sono, em boa romaria,
Unge-te a alma de branda poesia;
Musa do bem, do amor, musa fagueira,
Tudo te inveja; tudo te enamora,
A ti que tens eterna e branca aurora
No sereno dormir, no despertar:
É que contigo vive em puro extremo
O Deus da Paz, o Deus do amor supremo,
É que contigo dorme o meu pensar.
XXVII
E tu disseste: “Só a vista mata
Esta saudade atroz, que me tortura;
Só nos teus olhos eu encontro cura
Para mal tão grande que a dor retrata.”
E a voz se me entorpece: fio de prata
Do rosto a cor me torna mais escura;
Dolente escorre, e vai à comissura
Dos lábios que o sofrer fere e maltrata.
E eu não posso ficar: — o meu destino
Fora me põe, cruel, do teu divino,
Alto e profundo coração em ouro...
E vou — mas eu comigo levo a dor,
Arco-íris ideal elo nosso amor,
Glauca esperança e senhoril tesouro...
XXVIII
Vai este trem galgando, sem tardança,
O píncaro onde tens imenso o ninho;
Nem um rumor no espaço, e no caminho
Celestial sossego, e só bonança.
O lírio pelo vale se balança;
Por toda a parte, um brando e doce arminho
De paz, de amor profundo, e de carinho
O peito me reveste de esperança.
A pedra dura que o ar acaricia,
Tudo que a natureza move e cria
Fala de amor, no puro amor flutua.
E a razão disso sabes tu, amiga?
É que me vai na mente, e os céus obriga
A majestosa e boa imagem tua.
XXIX
Vai-se da minha vida o teu carinho,
O ar que respiro, o meu pensar tranquilo...
E, má, tu me fechaste o bom caminho,
— A tenda do teu seio, o meu asilo.
Amor é o ar de todo o casto ninho;
O amor apoteose, e não sigilo
Que teme a luz; o amor em desalinho,
Que do vento não teme o vão sibilo.
O amor que foge, se compõe e apura
Pelo interesse rude que tortura,
Matando o sentimento e o coração,
Eu detesto e aborreço: sou mui bravo,
Não quero ao preconceito ser escravo,
Que esta vida não vale uma canção
XXX
Na tarde em que partiste, a natureza
Estava toda em riso e grande festa:
O céu — sem nuvem negra manifesta,
E a viração — sutil em redondeza.
E pela serra além, pela devesa,
Canoros passarinhos; na floresta,
A flor que o sentimento apura e atesta,
Lasciva se mostrava em singeleza.
E entanto, ias triste e pensativa,
Languidamente a todo o amor esquiva,
Magoado o coração, magoado o peito:
É que sabias que ficava em dor
Imerso o teu escravo, o teu amor,
Sem a luz dos tens olhos, contrafeito...
XXXI
A esses que, contra m, ocultamente
Guardam no duro seio mu vil desprezo;
A esses q ne, o coração em ira aceso,
A morte me desejam claramente;
A esses, eu mal não quero: pois ardente,
Teu peito a todos vejo alegre preso,
Desse amor suportando o amargo peso,
Embora contra mim tão rude gente.
Seja assim; não maldigo a minha sorte,
Quero ver-te por todos venerada,
Mulher de corpo lindo, mulher santa:
Recebo vida, com prazer a morte,
E minh'alma de todos desprezada,
De amor um hino eterno a ti levanta.
XXXII
Nas obras, natureza caprichosa,
No silêncio, encanto e maravilha
Faz tal — que do monturo sai a rosa,
E do negro carvão a luz rebrilha;
Na tarefa serena e copiosa,
Serras faz do granito que se empilha;
E do beijo que manso o amor desposa,
O gênio — que do Gran'poder partilha.
Por isso é que meu peito se estremece,
Quando dos negros olhos, a bondade,
Mudamente, lhe falta e lhe falece.
Então, eu fico em dura ansiedade:
Nem mesmo a luz do sol me basta e aquece,
Que só em ti se vê a potestade.
XXXIII
De esperar, tanto e tanto, o teu carinho,
A força já me falta de cansado;
Mais me esforço, e ando, e luto, o teu agrado
Mais longe vai ficando do caminho.
Flor que o céu, por guardá-la, de mansinho
Pousou em ramo augusto e alcandorado,
Eu não posso atingi-la, e maltratado
Da mágoa sinto o duro e fero espinho.
Galerno vento então, lá do arvoredo
O fruto põe na altura do meu braço;
Mas outro fado mau, um mau enredo
Logo aumenta cruel, o breve espaço...
Oh! vem, amiga minha, deixa o medo,
Que Deus te guia no amoroso passo.
XXXIV
Ando peregrinando, vou pelo ermo,
E vou pela floresta, descontente;
Corro pela cidade, e sinto enfermo
Meu pobre coração de sede ardente.
Procuro alívio, e sei que não tem termo
Este duro sofrer impertinente:
Que este pungir dorido desfazer-mo,
Só, teu sereno gesto pode urgente.
Para mim todo o mundo está de jeito
No teu semblante de pureza feito,
Mimo sem mancha, graça sem penhor.
E, no entanto, temendo-me ao teu lado,
Fazes-me a andar o mundo, angustiado,
Peregrino infeliz do teu amor.
XXXV
Não se movem as folhas; o calor
A natureza toda queima e mata;
O passaredo o canto não desata,
Magoado pela calma e pela dor.
E tudo mundo está; e com um pavor,
Uma nuvem pesada se dilata,
Febril caindo, natural cascata,
Para as festas gentis do agreste amor.
Ouve, põe o teu rosto no meu seio,
E o céu e o Deus clemente de permeio:
Reduze aquele amor em cinza e pó!
Eu só te amo, e te quero, eu só te adoro,
E, por isso, a ti peço, a ti imploro:
Dize-me alto — que és minha e minha só.
XXXVII
Mais cruel não podia ser a cena
Do teu desprezo contra a pobre flor;
De a ver pisada assim me causa pena,
De a ver assim cuspida causa dor.
Teu proceder me avilta, e me condena
A fugir dos teus olhos, e com horror;
Sinto que me trucida, e me envenena
Com outrem teu carinho, e o teu amor.
Eu também fico mudo; e, só, me agito,
Alheio, fora do mundo; e, todo aflito,
Ao fundo do meu ser, severo desço...
Vejo em mim se debate estranha luta,
Enorme, sem igual, que o peito enluta:
— É a saudade q ne de ti padeço...
XXXVI
Dor que estrangula, dor que abate e oprime
Essa que me causaste, àquela escura
E pluviosa noite, sem ventura,
Em que de amor tu cometeste o crime.
Nada te absolve, não, nada redime
A grande culpa tua, e que perdura
Nessa obstinação cruel e dura
Que espero na tua alma não se aclime.
Que me vais propinando, jaz leal
Apesar de ferida pelo mal
Desse verme que rói e te arruína.
Pouco me resta... mas eu não desejo
O teu amor assim como um sobejo:
Prefiro, pois, morrer, cumprindo a sina.
XXXIX
Por longes vou chorando, e me retiro
Do teu carinho aveludado e doce...
Que se me torna a mente, como eu fosse
Num círculo infernal que não respiro.
Ver-te sofrer, penar; ver que, em suspiro,
Te põe a alma magoada a crua foice
De um espírito mau que a mim me trouxe,
Sem causa, o espinho agudo em que me firo,
Pobre botão de rosa desfolhado,
Pobre de mim vilmente desprezado
Por quem devera grato ao menos ser;
A ninguém eu direi que fui traído,
Não terei uma nota, um só gemido,
Otelo da desgraça e do sofrer.
XXXVIII
Pouco me resta de viver! a luta
Me envolve, me estrangula e me comprime:
Que da dedicação fizeste um crime,
Do amor uma vileza feia e bruta.
Eu a moral feroz e bem corrupta
Não escrevi; e não há quem estime
Calcar, no coração, a mais sublime
Virtude que, na taça de cicuta,
Não mais me queixarei: assim te quero,
Alma de minha alma que do outro não,
Que eu só te amo, e te adoro, e te venero.
Não me feches, maldosa, o coração,
Que sou leal, constante, e sou sincero,
E do outro não terás igual paixão.
XLI
“ Traz o menino uma floresta inteira
Na semente que tênue tem a mão...
E bem pode a fagulha traiçoeira
Todo um mundo abrasar por comunhão.
Tu o dizes, e o sabes; e a razão
Veloz to confirmando, verdadeira,
De acordo o sentimento e o coração
Vai... e no entanto ficas... zombeteira...
É coisa que me abate e me apavora;
Assim eu cá não venho e o coração
Me fica em fel imerso em pranto aberto.
Mas por longe que eu siga, mundo em fora,
Comigo seguirá sempre a razão,
De mim o teu semblante pondo perto.
L
Tu jamais ouvirás os meus queixumes,
Alma feita de neve, alma de luz,
Cujo fulgor me fere de ciúmes,
Cujo zelo me põe em doce cruz.
Não me cabe razão: o que produz,
Em mim, a dor maior, de tantos gumes,
É de tua alma o brilho que seduz,
É esse medo que nos gesto assumes.
E então terás remorso! e apesar
De me pores, sem dó, neste abandono,
Como sempre, estarei por te adorar...
E mesmo da vida triste outono,
Firme, eu te guardarei no meu altar
Que o céu clemente a ti legou por trono.
XLIII
Para aplacar a dor que tanto e tanto
Me vai minando os dias lentamente,
Saí, e triste fui de canto em canto,
Por ver se dó achava no ambiente.
A bondade, por todo o rosto, encanto
Vivo e caro, mostrava docemente...
Mas... qual não foi, porém, o meu espanto;
Só me vendo, entre todos, descontente?
Quantos fatos, mil coisas pequenas,
Que tudo o peito em dor me dilacera,
Não tens feito, querida, sem pensar?
Olha... dá-me do teu sorriso as finas
Dobras, que sobre mim de certo impera
Do teu sincero amor o imenso mar.
XLII
E nesse tempo então verás, bem cedo,
Quão sincero e profundo eu te queria;
E sentirás a dor que me gemia
No peito, que fizeste em vil degredo.
Esta dor infinita que, em segredo,
Eu padecendo passo, em agonia,
Há de pairar, perene, noite e dia,
No teu imaginar convulso e tredo.
Deusas matas de amor constante e puro,
Passarinhos canoros, águas mansas,
Vós não tendes a força de prender-me...
Só ela, neste meu viver escuro,
Apesar das doridas esquivanças,
Poderá nesta vida assim deter-me.
XLIV
E faze forte o teu peito, e faze-o sereno,
Cumprindo o teu dever — domando a natureza:
Não dês aos teus amigos mostras de fraqueza,
Não colhas com desar do medo o vil aceno.
Afronta a morte: quem não sabe do veneno
Erguer a taça rubra, e com leal firmeza,
Não pode ser pastor: deserta da nobreza
Que faz de eterno bronze, todo o ser pequeno.
Ergue o teu colo altivo e bom, céu de alabastro,
Com a meiguice da lua, e com o fulgor de um astro,
Que prenda a escuridade, e todo o crime acabe.
E conduze firme esse botão de esperança,
Que luminoso vive em cada ser — criança,
E página inda em branco e que viver não sabe.
MADRIGAIS
I
Mansa e inquieta abelha,
O mel que fazes
Não tem igual, não tem parelha
No prado, no jardim, no campo inteiro:
É o teu macio beijo,
Que mais perfume tem que o jasmineiro
Em plena floração.
Nele eu vejo,
Do teu bondoso peito no fundo imo,
Ternura e graça, graça e mimo
Que assim não há no céu.
Dos teus lábios no casto e puro véu,
Só um beijo há igual ao beijo teu:
É um segundo beijo sussurrado,
E demorado
Por entre o soluçar dos teus arrufos.
II
(Ao Otelo Caldas)
Grande é o teu amor: o mar impetuoso,
Rugindo forte,
E bradando raivoso,
Jamais se lhe compara, no balanço
Desatinado e triste, e doido, e cego;
Em cachopo, o frio pego,
No seu querer,
Fraco se torna, e manso
Ao duro encontro de rochedo duro.
Não assim o teu belo e grande amor:
Não encontra, não conhece muro,
Que se lhe oponha;
Mais firme que a morte,
Maior do que a dor,
Sem par e forte,
Vil peçonha
De preconceito vil e desumano
Não lhe abate a cerviz serena e nobre.
Grande é o teu amor, que não padece dano:
Teu peito o guarda, justo, e o céu tranquilo o cobre.
BALADAS
ODETTE
É Odete uma princesa,
É filha e irmã, modelar.
Que de mimo e singeleza
Na casa tem, no seu lar...
Sua mãe que vai chegar
D as terras lá do sertão,
Saudosa de coração.
Odete foi ao jardim,
Braçadas colher de rosas.
Gesto bom não vi assim,
Nem maneiras tão formosas...
Frutas colhe saborosas...
Sua mãe chegar contente,
No prazer de toda a gente.
A toalha põe na mesa...
Que de alvura tão de neve!
Pois a Odete quer surpresa
Fazer grande a quem se deve!
Lição nobre em tempo breve!
As taças no seu tinir
Marcam da festa o nadir.
Pula e salta de alegria
Odete com a sua irmã...
Que de suave harmonia,
Desde o romper da manhã...
Natureza folgazã...
Parte da festa, o canário
Solta o canto solitário.
Ao cair da noite, então
Chega a mãezinha de Odete.
O pajem abre o portão,
A festa tudo promete.
Esta lição acarrete
Exemplo por imitar
De Odete o doce beijar.
É Odete uma princesa,
É filha e irmã, modelar.
Que de mimo e singeleza
Na casa tem, no seu lar...
Sua mãe vem de chegar...
Recebe o beijo de Odete
Que o seu coração reflete.
DONA FLOR
Foi, pela serra a sonhar,
Dona Flor, com o seu querido;
Levava no seu pensar
Pedaço do céu caído...
Era um rosário tecido
Da aurora do seu noivar...
E Dona Flor a cismar...
Às margens do Paquequer,
Azeda recordação
Não lhe toldava sequer
De relance o coração...
Era tudo uma oração
Aos seus dotes de mulher,
De manhã ao rosicler...
Por manhã, colhendo — flor;
Por tarde, — em só devaneio
Nos braços do seu amor...
De nada tinha receio...
Que maravilhoso enleio: —
De noite, brando calor
No dormir de Dou a Flor.
O mundo bem um deserto
Para Dona Flor, então...
A vida — jardim aberto
De rosas só em botão...
Pela serra, a viração...
E de Dona Flor mui perto
O seu cego amor incerto.
As águas, no seu vagar
Do Paquequer sonolento;
Dona Flor no seu amar,
No seu amar —violento...
Amor assim é tormento...
E Dona Flor a imitar
As águas marulhar.
Haste doce a entrelaçar
Em duro tronco sombrio;
Dona Flor a suspirar
Bem junto às águas do rio...
É quadro de dor e frio...
E longo vai o cismar,
Sempre e sempre a delirar.
Foi pela serra a sonhar,
Dona Flor, com o seu querido;
Levava no seu pensar
Pedaço do céu caído...
Era um rosário tecido
Da aurora do seu noivado...
E Dona Flor a folgar.
MARIA
(Ao Isnard Dantas Barreto)
Não tem sossego a Maria,
Não me deixa um só momento...
Quer de noite, quer de dia,
É Maria o meu tormento.
Maria vive a penar,
No meu louco imaginar.
Às vezes, Maria quer,
No Leme, veranear...
Devaneio de mulher,
Que vive só a brincar...
E vai, o carro a rodar,
Maria, toda de azul,
Ver o Cruzeiro do Sul.
De leve, corre na areia,
Maria, cheia de graça...
E, mesmo ai, quer a ceia,
Com vinho que faz fumaça...
O mar vai, e vem, e passa...
Maria dá uns gritinhos...
Fogem todos os peixinhos...
Eu vivo todo a tremer,
Quando Maria não vem...
Parece que vou morrer,
Rodo d'aquém para além...
Maria é todo o meu bem.
Maria, doce luar,
Do meu triste imaginar.
Maria logo aparece...
Que doce e santa alegria!
Meu coração estremece...
Meu Deus! oh! minha Maria,
Tu és mais que a luz do dia,
Tu és a Estrela Polar,
No meu vago imaginar.
— Eu te venero, meu Tudo,
Vamos a um passeio, à toa...
E vamos, não fiques mudo...
Beira-mar, Quinta, Gamboa...
Oh! que linda coisa boa...
Maria, cheia de zelos,
Passa a mãos meus cabelos.
E o auto se põe a rodar...
Já vai subindo a Tijuca,
Cascata, Furnas, lugar
Do nosso amor... Que maluca...
Isto aqui é arapuca...
Pois alguém pode espreitar
O nosso doce arrular...
Não tem sossego a Maria,
Não me deixa um só momento...
Quer de noite, quer de dia,
É Maria o meu tormento.
É que, no meu pensamento,
Maria, cheia de dor,
Já não quer o meu o amor.
NO CODÓ
NA FONTE
Eu à fonte vou por água,
Quero ser-te companheiro;
Quero matar esta mágoa,
Que me aflige por inteiro!
E preso por tua mão,
Vou levando a t u a bilha...
No teu rosto, a viração
Pondo cheiros de baunilha.
Olha o cajazeiro aqui,
Com o se move garboso!
Olha o ninho de japi,
Com o seu casal amoroso!
Chega aqui para es tal laje,
E bem juntinho d e mim...
Vê como a tola reage
Contra os a braços sem fim...
Que vem a água marulhosa,
Bate, e volta de arrufada...
Que alminha tão pedregosa!
Não agradece! malvada!
Não és assim, Etelvina...
E, como a água a soluçar,
És duma graça divina,
Doce, sempre a imaginar.
Um beijo a tua boca,
Parece o rio a correr...
E não tens meiguice pouca...
Pareces rola a gemer...
Vamos encher a cabaça,
A bilha vamos encher;
Titia não é de graça...
Já está a escurecer... J
E, quando nós formos gente,
Faremos como o japi,
A nossa casa contente,
Nas moitas de bogari.
......................................................
Dês que de lá parti,
Não soube mais de Etelvina...
E deploro... que não vi
Assim tão meiga menina.
NA ROÇA
Vou atrelar os carneiros
No carro: vamos à roça!
Eu já prendi os fueiros
Com uma forte corda grossa.
Vamos colher melancia,
Milho verde, vinagreira,
Tudo que encha de alegria,
À Etelvina, feiticeira.
E do carro no chedeiro
Já lhe pus ramos de murta...
E ela com este ar prazenteiro,
Como irá de saia curta!
Os cocões estão seguros,
Bem macia a chumaceira...
Partamos já lá dos muros!
Já se vai uma hora inteira.
Ia contente a Etelvina;
E o carro logo chiando,
Gemendo manso; à surdina,
Pela estrada deslizado.
Corpos negros reluzentes,
E pelo eito, modulavam
Trovas rudes e gementes,
Que os corações magoavam.
Gente boa, a que o trabalho
Faz alegre e jovial,
Não permite que o cascalho
À Etelvina cause mal...
Erguem-na, porém, ao colo,
No largo chapéu de palha...
E a areia quente no solo
Lampeja bruta, e farfalha.
......................................................
Era um viver sossegado,
Naquela floresta imensa;
— Doce clima perfumado.
Sem rigor e sem ofensa.
Quanto mais o tempo passa,
Mais se me aviva a memória
De tanto mimo, e da graça
Desta casta e boa história.
......................................................
CANÇÕES
FUGISTE...
A vida se expandia por intensa,
Pelo calor:
As flores todas, e o jasmim na imensa
Plenitude de gozo e de amor,
De festa o ar enchiam.
A natureza inteira em gestação bailava...
As cigarras bebiam
Toda a alegria que pelo ar pairava;
E só de amor cantavam, até de amor morrer.
E o sol ao nascer,
Impetuoso vinha só de amor queimando.
E a água gorgolejando,
De verde tudo punha pelo prado.
E o inseto alado,
A estremecer,
Num ruflar de asas, carinhoso e bom,
Amava alegre num mover de antenas.
E as aves, as penas
Rútilas tinham pelo suspirado som
Do amor.
Quebradas as prisões, quebradas as geenas,
A brincar,
Por toda a parte, o vento
Amor a soluçar!
E o céu
Rasgando o pudico véu,
Do firmamento na incude,
Canta a ruidosa canção
Do trovão,
Que chora sobre a terra rude.
E o grilo, no agudo tiple,
Rumor espalhava de mágoa e lamento.
Tudo, na doce orquestra magistral do estio,
Pelo calor vibrava detestando o frio.
Mas eu? — Eu só, mesquinho, abandono lento
De dor,
Aqui feneço sem o teu amor.
......................................................
Fugiste...
E para mim, somente o inverno existe.
CHORANDO...
À noite, foi-se-me a vida,
De tédio cheia e tristeza: —
A luz faltou-me, querida,
A luz da tua beleza.
Sem ti, parece que um peso
Sobre mim, cai, de mansinho:
Da gente quero o desprezo
Pelo teu leal carinho.
Não me deixes assim, não,
Que um dia posso morrer:
Está no teu coração
O meu suave viver.
Onde tu foste, à noitinha?
Que sítio em céu dispuseste?
Vê que só, e só, és minha,
Minha candura celeste.
Se longe de ti me vejo,
Definho só de tristeza...
Pois eu tenho um só desejo:
Viver na tua firmeza.
Não me deixes assim, não,
Entre gente andar sozinho:
Põe-me só no coração,
Dá-me só o teu carinho.
PEDIDO...
Eu vou contar-te um segredo,
Meu mimoso sol de amor:
Há muito que tenho medo.
De perder-te, minha flor...
Aquele gesto sombrio
Que deste, tão desleal,
Fundo minh'alma feriu...
Foi duro, ferino mal.
E assim tal não faças mais
Ao teu bondoso cativo...
Severos golpes fatais,
Mau trato, sem lenitivo.
E para curar a dor,
Que me abriste com trigança,
Vem aqui com muito amor,
Ver-me agora sem tardança.
Tão má e tão pequenina,
Feres a quem te venera...
Vem, mimosa, vem, bonina,
E vem já, sem mais espera.
Quando cheguei, tu saíste,
Por longos sítios andar..
Do meu carinho fugiste.
Fugiste, por maltratar..
Tão má, e tão pequena,
Feres a quem te venera...
Vem, mimosa, vem, bonina,
E vem já, sem mais espera.
ASSIM É...
O gosto vai pela idade
Pouco a pouco se alterando,
E tudo em conformidade
Vai suave se operando.
O folguedo, a graça, o muno,
Ninguém há que sempre guarde:
De manhã— é tudo opimo,
Triste tudo — pela tarde.
Quem pode dizer, ao certo,
Que o prazer que o peito sente
Fique sempre em céu aberto
No viver de toda a gente?
Quem pode prever sequer
Que, pela tarde da vida,
Não se altera o rosicler
Em negra cor, aborrida?
Às vezes vem aventura
Linhas curvas descrevendo,
Em negro fel, a doçura,
Nas suas asas trazendo.
O desprezo, a morte, a dor,
Peito altivo não conhece:
Não se queixa a meiga flor,
Sozinha, quando elanguesce...
É prazer um sofrimento
Ferido no coração...
Traz sabor o esqnecimento
De uma fingida paixão.
O tempo vai dando preço
A um amor que só padece:
A quem não sofre aborreço,
Que o meu só desdém merece.
Não vale, pois, esse choro,
Por um sonhar que se evola:
Outro após vem... e mais louro
Que o puro amor acrisola.
ENFIM...
Que pudor! que maravilha
Na tua mão pequenina!
Onde há filtros, aonde brilha
A graça mimosa e fina.
A rosa é menos pudica,
A verbena menos casta,
Quando a tua mão deifica
O beijo, que o medo afasta.
Tu selaste assim o amor
Que nos prende para a vida:
Com a face, em pleno rubor,
Profundamente ferida.
Agora marcar tu deves
O tempo do nosso enlevo:
Vê tu que os dias são breves,
E eu... eu por mim não me atrevo.
Não ver-te um dia— é martírio,
Ver-te esquiva — dor sem nome;
Vê tu, pois, meu casto lírio,
Como a vida me consome.
Põe sempre na mente, viva,
A imagem de quem te quer:
Que e, vendo-te mesmo esquiva,
Não adoro outra mulher.
QUEIXUMES...
Entrando pelo jardim,
Que tristeza e soledade,
E que angústia e ansiedade,
Coisa lúgubre, sem fim...
Longe pela serrania,
Se foi o sol de alegria,
O encanto dessa devesa...
Coisa lúgubre, sem fim...
T odo o arvoredo enlanguesce;
Nas folhas — nem um rumor,
Um só silêncio de dor
Que o meu viver adormece...
De tudo — foi-se o prazer,
De tudo — foi— se o querer,
Que esta fria despedida
O meu viver adormece...
O jasmineiro querido
Já não tem viço e perfume;
Do desespero resume
O fado m ais dolorido:
Por terra, pendeu a rama,
E, esse cair do drama,
Na sua mudez, descreve
O fado mais dolorido.
Deserto o se ninho quente,
E mudo o seu passaredo,
O ar se revela em segredo
Uma saudade pungente...
Já não posso suportar,
Tão longo veranear,
E o meu peito só delira
Uma saudade pungente...
Das águas o só pingar
Parece um crebro gemido;
E do suave ruído
Cada queda é um cismar...
Lágrimas, certo, do peito,
À dor muito e muito afeito,
As gotas não dizem bem
Meu triste e logo cismar...
Se tu não vens, eu deserto
De vida tão mal vivida,
De vida tão aborrida,
Sem a luz do teu olhar...
Vem tu, pois, ó corpo de ouro,
Abrir o belo tesouro
Da tua divina graça,
E ela luz do teu olhar...
SIMPLES
Tua lindeza, Odisseia,
Te realça tanto a cor,
Que parece uma epopeia,
Feita pelo próprio amor.
Não conheces artifício;
Simples como a leve Rosa,
Para a abelha foste indício
De verbena perfumosa.
Assim sempre deves ser:
Um escrínio de bondade,
Por todo o casto viver
De tua serenidade.
PELO TELEFONE
Não; eu ainda não ouvi
Voz assim tão meiga e doce...
E no momento senti
Que um céu aberto me fosse...
Celestial criatura,
Que, por segredo se oculta,
Perfume, que mais se apura,
Quando, escondido, se avulta,
Quem tu és? — desta verdade,
Ninguém, decerto, cogita:
Pois não cabe a divindade,
Em uma esfera finita.
Olha — qual se me apresentas,
Eu não conheço teu par:
Tens atração das tormentas,
Tens meiguice de luar.
E canta, de eflúvios cheia,
Na de amor sagrada prenda;
És a encantada sereia
Da luminosa legenda.
E fazer milagres pode
Quem domina corações:
Vem, a vontade sacode,
Nas sentidas vibrações.
Não; eu ainda não ouvi
Voz assim tão meiga e doce:
Nos encantos me prendi...
Por um céu distante... foi-se...
RONDÓS
GIRASSOL
Girassol, ó flor sem par,
Tenho dó do teu penar.
Por que assim te afliges tanto
Por quem por ti não anseia?
E velas sempre, e o teu pranto
Vai morrer na fulva areia
Do teu jardim recanto.
Girassol, ó flor sem par,
Tenho dó do teu penar.
Mal se mostra no horizonte
O sol, na dourada sede,
Tu lhe apresentas a fronte
Ao beijo que não te pede,
Ao beijo forçado, insonte...
Girassol, ó flor sem par,
Tenho dó do teu penar.
Sempre o sol no seu correr
Vai de ti fugindo certo...
Beijo assim não dá prazer,
Dado franco, a descoberto,
Beijo tal não faz sofrer.
Girassol, ó flor sem par,
Tenho dó do teu penar.
Enrubescido, corado,
Vai o sol por traz o mar...
E vais logo, despejado,
O rosto dar-lhe a beijar,
Sem o gosto do pecado.
Girassol, ó flor sem par,
Tenho dó do teu penar.
Se queres ao teu amor
Dar algum merecimento,
Não faças nem um favor,
Que produz esquecimento,
Que não dá nem um penhor.
Girassol, ó flor sem par,
Tenho dó do teu pear.
E do amor a gente fez
Uma coisa proibida:
Falta encanto na rudez
Natural de fácil vida,
Sem conquista de altivez.
Girassol, ó flor sem par,
Tenho dó do teu penar.
Esconde, pois, tua face:
Não queiras em vão sofrer,
Que talvez veloz se passe
O tempo do teu querer,
Da mocidade falace.
Girassol, ó flor sem par,
Tenho dó do teu penar.
ELEGIA
Quando sais, e amorosa, pela tarde
Abrandas inda as brutas penedias,
Sinto que a dor me fere, e, por cobarde,
Minutos, horas, dolorosos dias,
Num só segundo breve, eu vejo e noto:
Séculos são de horror e de agonias.
O meu peito do teu assim remoto,
Por esse teu fugir tão sem remédio,
Fica em duro sofrer, parado, imoto.
É um cruel, atroz, e frio assédio
Do abando e desprezo, e de negaça
Que de ti não mereço em nojo e tédio.
Por que fazes assim? Em que desgraça
O meu viver tu lanças, sem olhar,
Vendo-me com desdém, sem mimo e graça?
Sem piedade vais, e vais pisar
Um coração que leva a tua imagem,
Um coração q ne traz o teu altar.
Com que dorido vórtice e voragem
A alma me oprimes, calcas, inclemente,
Fazendo todo o dia essa viagem?
Fica, e espera-me, para que eu doente
Não fique, por tão grande desamor:
Fruto estranho de peito refulgente.
Mas que vejo? razão não tenho: a dor
Que sinto n'alma, é puro, e puro zelo,
É um hino que eu canto em teu louvor,
Alma de neve; singular modelo,
Estrela que fulgura em pleno céu,
Da beleza imortal — o casto selo,
Da modesta virtude — o simples véu.
VILLANCETES
(Ao Alfredo Severo)
I
Jasmim do seu coração,
Jasmim de sutil odor,
Beijo seio de flor.
Porque esse colo de alvura,
E de um suave perfume,
É vida — brilhante lume
De minha mor desventura.
Não sei donde mais tortura:
Do seio que tem a flor,
Ou do fino seu o dor.
Já não tenho liberdade,
Já não sei o que fazer,
E mudo fico a rever
O seu colo de bondade.
De mim não tem piedade;
Porque, dor por sobre dor,
Sobrepõe o seu amor.
Vou morrendo de mansinho,
Sem poder sequer gemer:
E, vendo o colo de arminho,
Fonte de tanto querer,
Fonte de tanto morrer,
Eu quero querer a flor,
Morrendo do seu amor.
II
De pequeno, eu pus no peito:
Se não puder fazer bem,
Eu mal não faço a ninguém.
O coração trago aberto,
Servindo, com muito amor,
A todos, seja quem for,
De pobre viver incerto...
O meu lar não é deserto...
Se não posso fazer bem,
Eu mal não faço a ninguém...
O tempo corre em tristeza,
E ora por ter piedade,
Recebo, em vez de bondade,
Só baldão, e só crueza...
Mas eu não perco a firmeza...
Não devo velar o bem,
E mal uno quero a ninguém.
Pouco a pouco, o coração
Tu mo fechas, sem justiça,
E fora me põe da liça,
Com dobrada ingratidão...
Mesmo nessa condição,
Eu sempre te quero bem,
E mal quão faço a ninguém.
III
A tua partida punge
Meu coração em verdade,
Nesta dura soledade.
O rosto não tenho ledo,
— Dor me vai no coração;
Tua partida é degredo
E não fugas de verão:
A alma me pões em prisão,
Sol de toda a claridade,
E luz de suma bondade.
Eu, ficar alegre, como?
Como ter a planta cor,
Se o sol, em ligeiro assomo,
Lhe tira vida e calor?
Que grande é a minha dor:
Dês que foste da cidade,
Vivo em plena escuridade.
A voz tenho já perdida
De rogar-te graça plena:
Não me ouves, e, desprendida,
Aqui nesta vil geena
Me deixas curtindo pena,
Por querer-te à puridade
Nesta dura soledade.
IV
Da tua candura em frente,
Ao lado do teu odor,
Do jasmim foi-se o vigor...
Daquela planta de neve,
Rival de tua pureza,
O mimo foi-se, a beleza
Num confronto tênue e leve....
Tua graça não se escreve...
Ao lado do teu odor
O jasmim perde o vigor.
O delicado perfume,
Que de tua alma irradia,
É melhor que a luz do dia,
Que a claridade resume.
E eu tenho de ti ciúme,
Quando o jasmim seu odor
Perde só por teu amor.
V
Que medo tu tens de tudo?!...
Com o coração te agita
Na mágoa de amor bendita?...
Entra alegre o passarinho,
Aos filhos cibo trazendo,
E logo ficas tremendo,
E foges devagarinho...
Cicia a flor no raminho,
E o coração já te agita,
Por um farfalho de fita...
E eu quero tornar-me mudo,
Beiço no beiço colado...
Mas o teu peito agitado
Medo revela de tudo...
Tua pele é um veludo...
Mas o teu corpo se agita,
Na mágoa de amor bendita.
O verme não nos faz mal...
E o sol, cercado de estrelas,
Maldades não pode vê-las,
Que o teu pudor divinal
É redoma de cristal...
Como o teu corpo se agita,
Na mágoa de amor bendita?...
VI
Nem no dia de finados,
Uma leve compaixão
Te moveu o coração.
Se, em nascendo, morri breve
No teu seio virginal,
Do teu amor, afinal,
Me cabia um pranto leve.
No entanto não se descreve:
Não tiveste compaixão
Da minha grande aflição.
Morto vaguei pelo espaço,
Viúvo do teu querer,
Cingido no duro laço
Do teu pungente descrer...
Deixado até no morrer,
Sem só e sem compaixão
Do teu fero coração.
Eu, mesmo assim esquecido,
Queria viver na morte...
Que não é pequena sorte
Ser por teu desdém ferido.
Deixa-me, pois, malquerido,
Enterrado sem paixão
No teu cruel coração.
VII
Como a sombra segue o corpo,
Sigo, no meu padecer,
Quem de mim não quer saber.
Vai serena, e vai suave,
A vida passando em sonho;
E no seu andar tão grave
Lembrança de mim não ponho...
É o meu viver medonho:
Não me seda o padecer
Quem de mim não quer saber.
Sol de graça, não clemente,
De amor enche todo o espaço;
Mas a mim não vem o traço
De sua luz resplendente.
Mesmo perto, estou ausente
Do seu humano querer,
Pois de mim não quer saber.
E um castigo atroz, estranho,
Esse claro sol terá;
Pois dor e prazer tamanho
Num só ato se verá:
— Sua luz projetará
A sombra que eu hei de ser
Queira ou não ele mim saber.
VIII
E, como um favo de mel,
Tanto embriaga o teu beijo
Que coisa mais não desejo.
.
Não sente, decerto, a abelha
Coisa mais deliciosa,
Beijando, de manso, a rosa
Enamorada e vermelha.
A ternura tens de ovelha,
E, sendo um, parece harpejo
O teu casto e doce beijo.
Como a noite ao claro dia
Se entrelaça docemente,
Num arroubo de alegria
Que jamais, o tédio sente,
O meu lábio ao teu premente
Se ajusta por teu desejo:
Tanto embriaga o teu beijo.
Se a vida é para v ver
Do simples ao sumo gozo,
Só me resta a mim morrer,
Neste estado venturoso,
Pois nesse enlevo amoroso
A minh’alma põe teu beijo,
Que coisa mais não desejo.
IX
Foges tu do meu carinho,
Com tão grande impiedade
Que não há maior maldade.
Por capricho ou por desdém,
De mim afastas o seio,
Pondo sempre de permeio
Um medo não sei de quem...
Maior crueza não tem
Da morte a fatalidade
Do que essa tua maldade.
O dia se casa à noite
Sem amuo, e sem ruptura;
Não assim tu, que açoite
Me lança da desventura...
Deixa-me, pois, com brandura,
Ver-te a sós, à puridade,
Que nisso não há maldade.
Não fujas, que me enlouqueces:
Põe sobre mim teu olhar...
Se, arredia, o medo teces,
Certo me podes matar...
Meu casto amor tutelar,
Dá-me o teu seio, em verdade,
Cheio de meiga maldade.
......................................................
Ditosos os que vivem bem calados,
Metidos em si mesmos, e contentes
De não serem ouvidos nem julgados.
......................................................
AGRADECIMENTO
Entrei contente pela porta estreita
De teu amado e claro coração...
Movi de alguns a inveja, que se ajeita
Por me lançar em negra perdição.
E de muitos o amor teu peito enjeita,
Ouvindo, só, a minha confissão:
Prende-me a tu a escolha, que respeita
Do meu verso a melhor composição.
Obrigado! e mil vezes obrigado
Pela grandeza que comigo houveste,
Quebrando o preconceito secular...
E fique dentro em mim o teu agrado,
Por que as arestas destes versos creste,
No saudoso pungir de muito amar.
A CHEGADA...
Já diviso o alto da montanha agreste
Que veio do Codó ao Corcovado...
Muito trabalho fiz, que o brilho ateste
De quanto eu hei sofrido, eu hei penado.
Atinjo; e, nesta região celeste,
Encontro já na glória alcandorado
Dos bons alunos um escol, que veste
Bendita luz do meu apostolado.
Aurea coroa lhes circunda a fronte;
Chego, e sou recebido na campanha
Do silêncio molesto e sem razão.
Mas então fico triste, e, que se conte,
Me ilumino da luz brilhante e estranha
Que só dimana intensa do carvão.
CONSOLAÇÃO...
Nem toda a água que desce da montanha
Vai ter decerto ao mar serenamente;
Aqui — corre direito, ali — serpente,
Coleia pelo prado, e rega, e banha
A grama, o arbusto, e todo o ser virente;
Aqui — no chão amigo se emaranha,
E, numa piedade doce e estranha,
A vida sopra alegre na semente.
Ali — encontra um areal adusto,
Que, por matá-la, a queima, sem amor:
E ela, então, no ar, procura nova vida.
Assim irão os versos meus:— que o justo
Lhes sinta piedosa a justa dor;
E o mau os torne em nuvem recolhida.
---
Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2023.
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