3/01/2023

Liras Perdidas (Poesia), de Joaquim de Sousandrade


LIRAS PERDIDAS


BORBOLETA E RAIO DO SOL

Da selva frondosa
Na sombra acordou
Gentil pousalousa
Centelha, voou.

E as aves trinaram
E a brisa correu
E as ondas rolaram
De azul como céu:

Que doce harmonia!
Que amena solidão
Raiando do dia
A luz! E a visão

Do sol, que aparece
Dentre ouro e rubi,
Dos montes, e desce
Dos vales. Eu vi

Gentil pousalousa
Qual olhos de amor,
Turbada – encantada
No prado e na flor.

E os raios em molhos
sol se ergue aos céus,
E a louca é qual olhos
Aos vãos escarcéus:

Nos bosques, agora,
Na várzea de luz,
No lago de aurora
Que a chama e seduz,

Dos bosques, perdida
No aroma, no amor,
Aos raios erguida
Balança-se a flor...

O aéreo amaranto
Quem viu? – Se perdeu.
Dizei dela o encanto:
Amou e... morreu.

Que sorte minguada!
Que triste existir
Da vida irradiada
De glória e de rir!

Mas – que nos importa
Ser onda ou ser Théos,
Se o mar não aporta
Pra fora dos céus?

 

FLORES LUXEMBURGUESAS

Não é, não é alegria,
Nem é tristeza sombria
Que sinto me atravessar.
Grato, grato sentimento
De um passado encantamento –
Por toda parte a lembrar!

Eram as roxas florestas,
As sagradas sombras mestas
Nossos berços da solidão:
Se deles tendes as flores, –
A saudade dos amores
Em vós reconheço estão.

 

SOPA, ASSADO E SOBREMESA

Sopa, uma gota d'orvalho
sobre uma folha de acácia;
assado, uma asa de borboleta
dourada pelo raio do sol;
sobremesa, uma pétala de rosa
meio-roída por uma abelha.

Catulle Mendès - Banquete das Fadas.

Bebo, bebo a sopa-orvalhos
Em prato de açucenal;
Colheradas beijos-hinos!
Hinos! hinos!
– Comi mal-assada, em sal,

Asa bela ao sol dourada,
– E o doce virgíneo mel
Sobremesa-paraíso
Riso! riso!
No dedo lhe pondo o anel.

Ai o prado d'alva acácia!
Brando – sonoro Bemol!
– Ai grelha a chiar do assado
Tão dourado!
– Ai sobremesa do sol!

– Sala de jantar, natura,
Roseirais; relvas, abril,
Cantos, encantos, paraíso,
Riso, riso,
Onda pura e céus de anil.

– Que as fadas dançando adiantes
Com vestes de ouro e de tul:
Em punho as taças-diamantes
Levantem, brindes, ovantes
(Dou o champanha) a Catulle.

 

AUGUSTA

– Ter vista custa aos dez anos...
sorte dos olhos humanos!
de chorar muito em pequena!...
– Guesly! Guesly!
fulgurosos, soberanos, –
quão verdes-mares! É pena.

E assim trajada de rosa,
desditosa?...
E nem se explica linguagem?
– Linda aragem
então; sobre os joelhos meus:
earth explique: e os dois dedinhos
torcendo-me a língua, Deus!
Th?... qual beijo entre carinho?...
– Guesly! Guesly!
não têm vista os olhos teus.

Mas, se tens medo de Hortênsia –
bear a Augusta vem papar.
– Quão doce tua inocência,
mesmo sem ter vista, a olhar!

 

GREEN-STAR

– Como os céus formosos brilham!
venha ver a Ursa maior!
a Ursa menor –
"Vinte trilham
Ursas nos céus! que terror!
Sei de um urso"...
– Que inimigo!...
Mamã! mamã, quantas Ursas
há nos céus? –
Duas.
"Vos digo,
menina, três."
– Oh Senhor!
"Tá! tá! tá!..."
– Allright, e calo.
mas, aquela estrela é verde –
"Verde? girl?! eu, rose-opalo
vejo-lhe o lume tremer."
– Já começa... é verde! é verde! –
"É amarela, mulher!
verde há uma..."
– Há vinte! há trinta!
toda a terra a enverdecer! –
"Que a vencedora não minta!
verde esperança! oh meu tesouro
destes amplos firmamentos
Cheios qual dos pensamentos
desta bela terra em flor!
Quando frouxas meadas de ouro
se desatam, luminosos
teus cabelos gloriosos
são qual do astro o resplendor!
Na tua voz há luz, centelhas
destas rosas do Sarão:
verde estrela! verde estrela
tu, que me roubas a calma,
que nos olhos tens tua alma,
há, entre os céus e o horizonte
amor... tens amor?" – I dont't! –

 

MINNIE

– Que umbrosos olhos!
– Que umbrosa trança!
N'alma a esperança
Temos tão jovem,
Que ouvidos ouvem
Dela o gritar...
Não ouves tu?

Deste daylily
O encanto eu tenho:
E eu, por ti, venho
Da infância ao jogo:
No olhar tens fogo,
Gênios no olhar...
E não vês tu?

Estavas lendo;
Lês como um sábio:
Que rubro lábio!
Que fino riso!
Já perco o siso,
De tanto amar...
Não amas tu?
....................................

Daqui a um ano
Eu volto ainda,
Ver-te tão linda
E amar-te mais
Da sombra ao arcano,
Do amor aos ais...
E tu? e tu?

– Que firmamentos
Puros! quão leves
Brisas! E breves
Foram momentos
Over aos céus!
E lá sempre inda,
Minnie, a infinda
Glória de um Deus!

 

MINNIE

Seu pai, um capitão do mar,
desaparecera com o navio em viagem
para a Austrália pelo Cabo Horn;
a filha, desde pequena, ainda o espera.
Esperará eternamente, diziam.

– Quão linda coses
Na verde alfombra,
Da casa à sombra,
Da sesta ao ardor!
Já toda grande,
Dezesseis anos,
Oh! toda arcanos,
Sons e fulgor!

Porém, mais linda
Do que ser grande,
Ao Newfoundland
Trazes o pão:
Jamais inferno
Foi tão gemido
De anjo querido
Qual o teu cão.

Deixaste os prados
Da infância: agora
Tu és aurora,
Do lar a luz
E o firmamento
Na divindade
Que faz saudade
Que a amar induz.
...................................

Riso, ou silêncio
Que à virgem pesa,
Tens a tristeza
Que alma nos tem:
Do mar notícia
Não veio a porto,
Se é vivo ou morto
Teu pai, se vem.

Nem de ano a ano
Mais voltaremos,
E mais nem temos
De te ver. – Ai!
Que a alma se parte,
Minnie! nem sejas
Triste, se o vejas
Qual a teu pai.

 

SOMBRAS DAS ÁRVORES

– Que divindade! sinto
Uma aura tão gentil
Me acariciando a fronte,
Céus, mares, terra abril!

Ao seio azul profundo
As palmas reluzindo
Auro verdor; urubis
À imensidão subindo:

Meus bosques luminosos
Às calmas de meio-dia,
Um Deus por toda parte
E n'alma esta harmonia

Do amor! o amor de tudo
Quanto respira e sente,
Das minhas selvas puras
do meu sol candente!

– Que divindade! uma aura
Tão leve, tão gentil
Me acariciando a fronte,
Céus, mares, terra abril!

E as borboletas ouros,
em flor o roseiral,
Longe o mugir dos touros;
este rubi-cristal.

Sempre no coração!
Esta saudade-serva!
Esta humildade-relva
De amor e exaltação!

Lázaros do sepulcro
A alevantei! a cruz –
Quebrei-lha! Um riso pulcro
Resta... Apagou-se a luz

 

ALABASTRO

Eis um vaso de puro alabastro
Que é a imagem de quem longe está,
Que ao noivado meu dera-me um astro
E que encerra um mistério. Sinhá,

Tenho-o sempre florido na mesa
Do trabalho, ou de amor a canção,
Ou rapsódias cantando do Guesa –
Enche-o hoje tua flor-da-paixão;

Ontem era a do luar, tão amada,
Que fenece do dia ante o albor;
Amanhã – diz tua carta encantada,
Porque vens, que não ponha outra flor.

 

RECORDAÇÕES

Astros gentis da bela mocidade,
Vésper meiga, crescente feiticeiro,
Que lembranças trazeis e que saudade
Dos tempos da concórdia e o verde outeiro!

Vos adorei dos campos e à cheirosa
Brisa que das estrelas recendia,
Vos adorei à luz de santa-rosa
Quando aos nove anos Beatriz sorria:

Mas, para que volver às doces eras,
Do coração aos cândidos martírios,
Se onde eternal renascem primaveras
Não finda amor porque não findam lírios?

Depois, que importa essa ilusão fagueira
Dos mentirosos céus, quando o tormento,
Quando a dor d'alma, a sempre-verdadeira
Aí fica? – astros gentis do firmamento,

Que importa, se das flores que se amaram,
Que redolentes foram, novas flores
Cada dia o bom Deus manda aos amores,
Porque se esqueçam tristes que murcharam!

 

ESPERANDO

Junto ao fogo d'áureas brasas
Esperar – que solidão!
A temperatura em zero
Abaixou, com o desespero
De um traído coração.

Nos ares fulgem as lâminas
Da neve e a brisa a cortar;
Cantam os pobres da rua,
Que pedindo a vida sua
Mãos estendem a chorar.

Certo, que ninguém lhes ouve
Canto importuno de dor;
Ou porque nos drawingrooms
Soam, da lareira aos lumes,
Canções melhores de amor.

Frias cinzas na lareira!
Vivas brasas de rubi –
Oh Saudade! e eu friorento,
Contigo meu pensamento
E sem ouvires?... ouvi!

E os pobres sempre cantando –
Miseráveis eles? não!
Lutam contra o céu selvagem;
E ela por mi sem coragem
Talvez, dando o coração...

Quase a bramir o ciúme,
Batem – oh! a doce voz!...
Crês? há mais profundo inferno
Que o dos pobres! no governo,
De Deus, de Deus, que é por nós.

De Prometeus tive o fígado,
De Aquiles o calcanhar:
Pela humanidade... o abutre!
Pela guerra... o eterno amar.

 

CORAÇÃO

Há meiga traidora –
Quem quer que ela for,
Tem dedos de aurora –
Oh! um beija-flor!
Uma borboleta!
Nas luzes do altar,
Na rosa violeta,
Nos lírios do campo, no alvor do luar!

Com lápis mui fino
E a mente afagada,
Talvez a chorar
Pintando destinos,
Traçou uma fada
O coração puro, em chamas no altar.

E em letras escritas
Ao redor – jasmim,
Camélia e nas fitas
Malmequer — e sim:
Dos lindos amores, das flores bonitas,
Mas onde os cultores estão do jardim?

Façamos negaça
Deixando a carteira:
Virá, feiticeira
Vestida de cassa
De amores perfeitos
Rever os seus feitos,
À bela visão...
– Oh, veio! tão alva
Tão alva! beijava,
Beijava, apagava
O seu coração,
E lá se ausentava
A bela visão.

 

FORGET ME NOT

Tu, ouve-me, inofensa,
Forget-me-not – a flor
Que deste-me, recorda-me...
Que magnetismo-amor!

Que desnorteadas vagas,
Por mãos que eu reconheço,
Formosas merry-wives
um mau Jack e revesso!

E as doces Josefinas,
E as rubras dálias belas,
E as noites das insônias –
Ai quem dormir com elas!

Burglars! E envenenado
Eis-me revolto, triste,
O oásis, o paraíso
Perdidos meus, bem viste.

X, P, T, O & Co. –
Que firma infernal, may!
Então, viu-se a Josephus
Cumprir do Egito a lei.

 

BEIJOS DE ANITA, SONHOS DE ANINHAS

Há, qual mistério, risonho
Sempre-idílio: alma eu suponho
Da luz de cada manhã –
Sempre uma Aninhas! ao dia
De ao redor de ti, bem via
Em a atração d'outro imã.

Irradias – ai, os sonhos
Dos outros tempos risonhos
Da infância, do íris do albor
Nos formosos róseos mundos...
... ouvem teus risos jucundos;
Nos espreitam... foge, amor!

Com o meu lusitano homônimo
Ligou-se Hortense – ai de mim
Pelo quiproquó desse home...
Ela, Anita, tão bonita,
Florpungia o lábio assim.

Mas, se esta à Utie fez figa,
Leila não ta faz, que és pura
Tu, da caridade amiga.
Oh, Anita, que boquita!
Quão botão de rosa! Fura!

Dás-me uns ares d'Estrelinha:
Só por isso é já te amar:
Meu coração, tão sozinha,
Curou ela, que era estrela –
Mandou-te a enfermeira minha
Nobre?... curar com beijar?

Da amante Leila pardita
Acostumei-me a estes tratos
Carinhosos: Wellow fita,
Polígamos, escand'los-vand'los
De Salomão. Beijos castos
Neste de rosa botão
Qual o carbúnculo, Anita,
Com arras de Leila e pão.

 

ZELOS DE LALÁ

Abençoada a hora em que odiei-te
Tão vulgar! abençoada seja a hora
Em que, mais digna de ti mesma, amei-te,
E açoito-te ainda, pois – que linda agora!

Porém... aonde vai-se ela às noites, quando
Ao serão todos brincam reunidos?
Sua mãe enferma, a olhar, petrificando,
Olhos na escuridão e os lábios lívidos,

Olhava, olhava: sombras esgueiraram
Na treva que aos abismos assemelha.
Silenciou-se; entristeceu-se. Uivaram
Os bosques ao trovoar por noite velha.

Só, deserta na sala e sem vir nunca
Quem ajudava a triste a recolher,
Amanheceu qual fosse uma defunta
Que não pôde na campa adormecer.

 

PARTINDO

The first will be the last

Evangelho.

– Já, Saudade?... de amores enfermos,
Ai a terra que vamos deixar!
De tão ledos, quão tristes os ermos
Da esplanada de alheio solar!
E das mágoas tão tuas, que eu sinto,
Eu não vejo, não vemos os termos –
Do áureo sonho nas sombras extinto,
Deus! quão pálido de hoje o acordar!

Sobre a relva dourada da tarde
Estenderam-se os raios do sol;
Há, da calma o fulgor, a saudade
De um mortuário formoso lençol:
Vês? – e a esperança não deixa-nos ainda
Do viver todos juntos, de que há de
A nossa alma haver pátria d'infinda
Sempre-flor, sempre róseo arrebol.

 

LEONOR GARCIA

–Vedes aquela menina
Tão isenta, tão divina
Que até parece infeliz?
Que tem d'órfãos a beleza,
Qual melodiosa tristeza
De um vago e doce matiz?
– Vedes? gênio de harmonia
No silêncio ou na alegria,
Oh, tão boa, que seduz?
Qual do mundo abandonada,
só do encanto rodeada,
Dos que têm dos céus a luz? –
E à filha mui formosa
De um cavalheiro, brioso
Alma valente e leal
Que a deixando consagrada,
Pôs-se à guerra malsangrada
D'independência – fatal.
"Filha, a pátria!" e então partira,
Qual um bravo que delira
Pela pátria, o grande amor!
E herói duas vezes grande,
Se à glória a fronte resplende,
No peito geme-lhe a dor:
E de sangue a estrela adiante,
E n'alma a estrela de luz,
Viu-se ao cubano arrogante
Que à morte a glória conduz.
 

SEA SHORE BREAFAST

Lulu linda, tu mandas que espumem
Nossos copos de vinho dourado?
Antes – que dos sepulcros exumem
Quem, por nós, tem a eles baixado!
.....................................................
.....................................................

Eu e tu juntos dela – felizes
D'esperança raiavam-lhe os dias:
Sei, de ti quanto as doces meiguices
Podem! sê-lhe dos céus alegrias!

"Morning-glory" – e as nuvens obumbram
Oh! os burglars que ao faro nos vêm!
Nossos dons aos vampiros deslumbram –
Oh, são eles... mas donde? mas quem?...

 

EM MEU PODER

Estás em meu poder. Sou vigilante;
Qual o cão velador guardo a muralha
Do meu rico tesouro:
Venturoso às manhãs do alvo semblante,
Quem das nuvens não teme que aura espalha
Ante o seu astro de ouro?

Quero embeber-me, eu só, no olhar de sombras,
Na solidão da mágica brancura
Me atordoar de amor;
Recostada dos luares nas alfombras
Toda sonora, o seio teu fulgura
Risonho, abrasador.

Estás em meu poder. Irradiante
Dessa vida de luzes e d'estrelas
Quer-te o tirano teu,
D'açucenas maviosas, exuberante
De alvor e força – que nas formas belas
Exista o gênio seu.

 

QUI SUM

Par droit de conquête et
par droit de naissance

Voltaire

Sou depredador das graças,
Rapinário das estrelas:
Onde florejem as belas,
Eu sou cidadão dali:
Aos meus pés quero o ouro em ondas,
Príncipe eu sou do Levante,
Tenho direito ao diamante,
Tenho-o à esmeralda, ao rubi:

Tenho-o às pérolas algentes,
A luz, ao fogo, às centelhas;
Vivo do mel das abelhas,
Vivo da glória e do amor:
Porque sou eu que em menino
Sofri todas as misérias,
E dos céus chovem etéreas
Bênçãos ao órfão de dor.

E sabereis, meus senhores,
Que é do grande sofrimento
Que se forma o sentimento
A que chamais sedução:
Nada fez, senão divino
Ser, o meigo da piedade,
Qual quem dos céus tem saudade.
– E como o culpar, então?

Eu sou o Americano sem títulos
Que derriba imperadores;
Sou o Guesa, e para amores
Tenho o meu do sol.

 

DESIDERIUM

Quero voltar ao meu ninho,
Onde não devo morrer
Das roseiras entre o espinho,
Nos destroços do moinho
Rolas ouvindo gemer;

Ao meu ninho, alevantado
Por mim mesmo à beira-mar,
Do vento aos sopros vibrado,
Da vaga aos sons embalado –
Oh, meu formoso solar!

Ao viver contemplativo
Do meu norte do equador –
Que saudades! que saudades!
Dos meus anjos vindo às tardes;
À Vitória toda em flor!

Às sombras dos tamarindos
Eu quero a sesta dormir
Sentus in umbra, aos infindos
Mistérios da calma e aos lindos
Sonhos da amante a sorrir.

E nas horas de paraíso
Aura divina a enrugar
Na praia da espuma o friso;
E dentre o medo e entre o riso
Vagando o gênio insular.

E a falua que alva abria
No rio a vela ao clarão
Ou dos céus, ou da ardentia
Que é das águas alegria,
Do nauta a bela canção –

Quando seu manto de glórias
Desdobrava o mago luar,
Que parecia a Vitória
Ressumando de memórias,
Saudoso encantado o lar,

O que ama profundamente
Sentia, feliz então,
Voz ignota, asa fremente
Revoando, vagamente
Qual dentro do coração...

Oh, voltar eu quero ao ninho
Que elevei com o meu suor!
Das roseiras ao espinho
Aonde a rola no moinho
Geme às sombras do equador!

Aonde eu acordo aos olores
Da laranjeira e a romã,
Todos ramos tendo flores,
Borboletas, beija-flores,
Toda dourada a manhã.

 

CAROLINAS

Ouve: quando contigo
Eu sonho,
O céu é mais risonho
E divinal o amor.
Aos raios do levante,
Olha, oh, olha!
Nem a romã se esfolha,
E a terra é toda flor!

Oh, quando à tarde juntos
Eu beijo
Os lábios teus e vejo
Que ficas a me olhar,
Aos céus então minha alma,
Voa, voa
Qual canto que ressoa
E escutas dentro a amar.

Abelhas d'asas de ouro,
O mel n'alma,
Tu és a doce palma
Pendente a viração:
Tu és a flor puríssima,
Aurora
Os lábios teus enflora,
(Coral) o coração.

 

ZELOS DE MIMA

Oh, levem-me ao país do gelo e o fogo,
Sonhos selvagens meus e cópia dela,
Às longes pátrias das azuis raposas,
Do sol de noite e da polar estrela!

Levem-me à Terra-verde esperançosa,
Do Tugungato aos elevados cumes;
Com ela – abrasem-me os vulcões acesos –
Aos ribombos fatais destes ciúmes!

Com ela a sós nas gôndolas venetas,
Nos camarins olentes da odalisca,
As pátrias, doces pátrias das Julietas,
Ou onde aos beijos expirou Francisca!

Das mulheres d'outrora, essas heroicas
Que à vida e à morte presas aos maridos
(Não qual esta que eu amo) eternamente
Amavam, e ainda ao inferno iam-se unidos!

Esta reluz, qual em Paris Saturno
Ao telescópio vi da Ponte-Nova;
Mas, com tal perfidez a este cume,
Que há de, certo, comigo dar na cova!

– Noite, sem sono... pesadelo. Esgrenha,
Punhal cingido e na cabeça a bela,
No capote se embuça cor de muro
E trovejando os céus: Abre a janela!

Um coro genesíaco e profundo,
Ouve o retumbamento da solidão,
Os sapos pareciam prolongando
Destes ciúmes o infernal pregão!

O mar ao em torno em fósforos revolto,
Os céus toda a negrura dentro o cérebro,
E a terra o fermentar do úmido e o quente
Deste indômito amor-deus e vértebro!

E sonha com um rival. Columbus, mares
De chuva afronta. Dom Quixote, sai
Engatilha o revólver. Dela à porta
Foge-lhe o pé num cogumelo e cai!

Ora, então acomoda; e de si mesmo
Envergonhado, as armas ajuntando,
Olha, e não vê ninguém... À casa volta
Sem boné, grandes frios, e espirrando!

No outro dia, contando, e entre risadas
A casta diva e o dom Pantaleão...
Eh! suador não conheço nem gemadas
Melhores que estas, pra constipação.

 

LEMBRANÇAS DE 
CASTRO ALVES E DE ÁLVARES DE AZEVEDO

Brilham no espaço as estrelas
Grandes, belas
Qual olhos brilham a amor:
Noite; às sombras jaz deitado
Da mangueira, o namorado
Trovador.

De cada aragem da brisa
Que desliza
Ela escuta o segredar,
Passos ouve – são as vozes
Meigas, doces,
Conhecidas. – E a sonhar

Vê a luz dela e o encanto
Do amaranto
Dos puros vestidos seus;
Passam músicas nos cumes;
Há ciúmes –
"Quem sabe, os astros dos céus..."

Sonha e não dorme, ou delira,
Já suspira
E da brisa ao perpassar
Abraça um lírio, risonho
Qual um sonho
Havido ao raio estelar –

– Eis que, das sombras, fantasma
Surge, pasma,
Lampeja, vibra o punhal.
Ouviu-se, as flores roçando,
Se elevando
O espírito celestial.

E veio a linda inconstante
E do amante
Prendeu-se ao brutal furor;
Depois, ao corpo já frio
Mal sorriu,
Passando, do Trovador.

 

OUTRORA

Não vos fadigarei mais os ouvidos
Com os meus cantos américos. Os dias
Gratos correr já sinto às harmonias
Dos climas tropicais. Os suspendidos
Rubros frutos desprendem-se do ramo
Nos quietos dias, ao gentil reclamo
Das formosas lembranças, nos ouvidos.

De um peito tão mavioso, onde encravada
Luzindo paz a estrela d'esperança,
O tempo, que em ruinar cansa e mais cansa,
Desvanecem o amor: a tão amada
Puros cabelos no ombro desparzia,
Cheios de gozo os braços estendia –
Qual não o pode fazer esta coitada.

Oh, que atração que há `i no abismo negro!
Roda-se à borda hiante, qual se fora
A algum destino oculto eterno – embora
Pressintas morte, a uns sons vagos de allegro
Desconhecido e sedutor, vais de hoje
Levado qual quem de ontem passa e foge
Em derrota: porém leal e íntegro.

Às carregadas sombras da espessura
Ledamente lá vão durante a sesta
Os grupos amorosos da floresta,
Ou descansam: que importa a formosura,
Quando este sol que educa-a dês que nasce
Não cessa de dar cor a cada face,
Tarde áurea agora, agora manhã pura?

Quando as tintas de luz, forte-animadas
Em tórrido fulgor, ou brandos raios,
Fixam-se em flor-abril, em frutos-maios?
– Das setas luminosas cintiladas
A fuga mais veloz, a alma resplende
Do universo, e na glória de Deus grande
Saem da noite as róseas alvoradas.
 

OUVINDO

Ouvindo a voz bela,
Da estrela, os fulgores
Diriam, tremiam
Nos seios do céu:
Seduzem aos sábios
Os lábios que as flores
De um canto d'encanto
Lhes dão, qual o teu.

 

ANINHAS

Há de amor e de virtude
Lírio, o mais branco, o mais puro,
O lírio-esperança, o venturo
Lírio-luz, lírio-candor,
Por quem vida é o alaúde
De uma infância que não finda,
Renascendo sempre linda
Sempre d'alva o resplendor:

N'alma o guardo, o mais romântico
E nem eu vi outro assim:
Fronte branca, o olhar de cântico,
E de Natal, ou de mim,
A alegria – o preto-undoso
Olhar! o cabelo escuro
Da escuridão do futuro
Era o bugari glorioso
Da Vitória à noite, em fim.
.........................................................
.........................................................

Contemplo a natureza das saudades –
Dirias, que no azul do firmamento
Vemos o nosso amor por estas tardes
Em que reflete a terra o pensamento,
Quando a colina longe além verdeja
Ao sol ocidental, que a doura e beija.

Suave luz crespuscular de agora
A que repousa o plácido horizonte,
No estivo dia e a noite encantadora
Extremos de união, tarde bifronte,
Quando realçam vozes da espessura,
Etéreo amplo o ar aos seios de natura!

Destas sombras no berço vaporoso
Resplendecia o lírio d'inocência –
Foi quando a inveja contra o riso nosso
Pálida murmurou; da áurea existência
A corrente quebrada – um lírio incerto,
Lá resta; e aqui, um coração deserto. –
..................................................

 

CANÇONETA INTERROMPIDA

“Auras serenas... fagueira
Claridade do luar...
Largo mundo..." a Brasileira
Se interrompendo a chorar.

E os belos olhos prendia
D'enlevos no azul dos céus,
Puras tranças na harmonia
Soltas da aura. "Adeus, adeus...

Adeus aos dias dourados,
À infância do coração..."
Cantava, tão magoados
Tons, aos sons do ermo violão!

E dentre os prados brilhando
Diamantinos pirilampos,
E os seus cabelos cheirando
Das estreleiras dos campos:

"Embora... embora... vivamos!..."
E as cordas a arrebatar.
E as auras e os flóreos ramos
Tão a sós, dela ao chorar.

 

XXXX
Look upon me! the grave
more than I am changed
for thee. Thou lovedest
me too much.
hath not changed thee

Gordon Byron

Como as dores renascem! Fui a causa
Causa, inócua da tua perdição:
E em teu delírio, feminil e cega,
Esmagaste a teus pés meu coração!

Que a vingança da amante é qual o raio,
Que há de cair – oh! pouco importa aonde!
Se abismos há, se infernos há, se há morte,
Se de si mesma o seu amor a esconde!

Mas, recolhendo, no seu vivo túmulo,
Quão odienta! vaidosa! foragida!
Vê na mudez profunda, que a desgraça
Foi da louca a visão, da fementida!

Triste delito. Se do amor eterno
Miserável zombei, do mundo a presa
Eis-me! – Como inda a me reconheceres
Se erguem e esplendem-te os olhos de beleza!

 

SEMPRE BEATRIZ

Quando nos teus nove anos
Brincavas na existência,
Os anjos do teu rosto
Rindo-se de prazer;
Que eram as manhãs puras
E os hinos d'inocência
Cantavam róseos mundos,
Terras a florescer –
Foste desta alma a palma,
O onipotente ser!

Quando, musa d'infância,
Dos puros céus os astros
Teus olhos silenciosos
Olhavam-me a amar;
Que havias a fragrância
Das cândidas boninas,
Da alva todos rumores
E toda a luz do lar –
Foste a bonança-esperança
E a glória a se elevar!

 

XXXX

Salve, meus dias das douradas tardes,
Que de novo surgis em céus de azul!
Eu sentia de vós fundas saudades,
Qual às longínquas solidões do Sul.

Salve, salve os que voltam! mas, não sejam
As vãs passadas loucas ilusões;
Ora, à crença formosa, em que se beijam
A flor da boca os céus dos corações.

Verdes montes enfloram, resplendecem
De ouro amarelo ao sol ocidental,
Quando amores dos céus à terra descem
E sobe aos céus nossa alma divinal.

Serenidade da paixão ditosa!
Doce, meigo sentir d'íntimos céus!
Curvo-me eu diante desta doce rosa,
À influência edenal dos risos seus!

 

LOUCURAS ENTRE JASMINS

Que amor é terrível,
Bem vejo
Quão vermelha fica a menina
Com um beijo! –
Iaiazinha linda
Que é isso
No cinto travesso donoso,
Feitiço?
Que às frechas de um olho
Traidor
Aí reluzem lírios delírios
De amor!
– Por que tão de mimos
Zelosa?
Colibri brinca e ama às dúzias
A rosa,
Cálices da mesa
Do céu
Cristalinos – bebe e mais bebe,
Deus meu!
E que ébrio se fica,
Bem vejo,
Porém de mel puro e ambrosiado
Desejo.
E ébrio cai, resvala
Sozinho.
Sem veneno o áspide em flores
O espinho.
Oh, não! toda afagos, –
Tais gentes
Elas têm no colo brincando
Contentes.
Alcide ora ao fuso
"Seu bobo!"
Rugem! e estando, aí! nas gorjas
Do lobo.
São alvas da lua,
Se inflamam;
São raios do sol, e centelhas
Derramam.
E trovejam todas
Assim;
Mas, no fel, nas iras lhes sentes
Jasmim:
Ou quando nos seios
Com a mão
Lhes tocas, que ringem, se alarmam:
"Ladrão!"

 

LEILA

Escuta ao arpejo, que a meiga criança
Constança inspirara num tempo feliz:
Tu não me esqueceste
Por isto, e celeste
De flor e de amor – o arpejo assim diz:
"Tu serás a companheira
Da minha triste existência:
Te amostrarei das estrelas
A harmoniosa cadência;
Das harpas misteriosas
A virginal confidência,
E ouvirás os sons noturnos
Da noite n'alta dormência."
Cumpriram-se todos destinos felizes;
Raízes prendidas em fundo amargor:
Chegaram dos frutos,
Dos prantos, dos lutos
Os tempos; passados os tempos da flor.
E as asas de fogo, quais tuas, dos ares
Nos mares reflexas em coroas, bem vês.

 

XXXX

Perdão para a celeste Madalena,
Perdão, minha alma, para os meus amores –
Minha flor das manhãs, alva açucena,
Que eduquei para mim, não mais, não chores!

Matam-me esses teus olhos tão magoados,
Tão brancas as tuas faces de martírio
Turbando-me a razão! Longes passados
Estão do tormento os dias, do Delírio!

Revive a amor! Do andar perdido, errante
O lindo gênio meu, a causa havia
Para esta asa de luz soltar, brilhante
Da prisão, em que a sós resplendecia.

Eu quis abandonar meu pobre inseto:
então foi a loucura em que me acharam
No triste caminhar sombrio, inquieto
Neste manto de orgulho – dos que amaram:

Aquela a quem nós mesmos educamos
E a quem o mundo, o mundo aviltaria
E sempre aviltará, se abandonamos,
Fazendo-nos sofrer dupla agonia:

A agonia de vê-la desprezível
E ela inconsciente do desprezo seu,
Oh! quando a alma por ela é tão sensível
Ao vê-la que infeliz, feliz se creu!

Mas, revivamos, – eu rejuvenesço
À frescura edenal do ombro d'alvor
Das açucenas puras do meu berço,
Que formaste outra vez sorrindo a amor.

 

TALITA

Sai das mortuárias sombras!
Levanta-te, Talita!
A luz é tão bonita
Do dia que raiou!
– Bem hajam, luz e as vozes
Que trêmulas cantavam
A doentinha e davam
Ao que desesperou
Esperança! e os que cercaram
Teu berço de afeições!
Bem hajam! os que choraram,
Dentro dos corações!
– E Deus seja bendito!
Bendito o escravo aflito!
Bendita a melhor flor
Da terra, o pranto e a dor.

 

MÚSICA

"Menina e moça" ele a adorou: a esperança
Era-lhe o amor, a glória, a adoração;
Quando a tormenta em meio da bonança
A onda de luz quebrara, o coração.

O vi fugindo em busca de outras terras
Onde mais doces fossem as manhãs.
Volvidos anos, das formosas eras
Viram esperanças cândidas, louçãs!

E qual encontram-se ao romper do dia
Em céus de opala nuvens d'esplendor,
Paixão divina eterna os destruía
E os gozos eram delirar de amor.

Viram depois, caindo a flor celeste,
Pungir espinhos contra o coração:
Menina-infância, a moça que reveste
D'arte o ideal, a eterna adoração.

O vi fugindo em busca de outras terras
Qual, na esperança da primeira vez.
Porém, as nuvens das formosas eras
Não mais se viram, nem verão... talvez.

 

A NOIVA DO COMETA

Sobre a colina de malva
Dormindo branca donzela –
A flor d'enlevos, mais alva
Não brilha da alvura dela,
Carinhosa brisa bela
Faz-lhe adejos ao redor.

Ai da formosa dormindo
Sobre as camas de verdores!
Por quem abertas as flores
Estão velando luzindo,
Gênios dela e enlevos lindos
Que inspiram sonhos de amor!

Arfam-lhe os seios nevados,
Ardem-lhe as faces divinas
Qual os céus às matutinas
Cores, ópalos dourados
Os orientes. – Céus alados,
Dentre estrelas a visão

Dum libertino, um maldito
Dos céus viu-a!! Já, qual seta,
Sobre ela desce o cometa!
Ai dela, que o etéreo atito
Sente, sente! e o sono aflito
Perturbou-a! oh, compaixão!

Ei-lo, nos ares; da fronte
Agita a coma assanhada!
Ei-lo, pisou no horizonte;
Toda treme a namorada –
E as flores velando, esponte
Sendo guarda ao sono seu.

E de repente na terra
Salta o fantasma formoso!
Como a donzela de cera,
Fez-se ao clarão! Luminoso
A torna; no peito a encerra;
Voa com ela para o céu!

– Desde essa noite uma estrela
Vês dela ao lado a luzir,
Todos afirmam ser ela,
Reconhecendo-a mais bela
Pelo saudoso sorrir.

– Sorrir, de quem não esquece
Da colina as companheiras
E manda quando amanhece
Coroas, das noivas etéreas,
Da terra às noivas florir.

 

ADEUS

Escreveste-me ainda; mas, diferem
Os tons de agora, desses do passado
Hinos de um coração apaixonado
Que ao meu vinham ecoar.
Os que viam-nos, hoje se nos verem,
Verão em mim do desespero o espectro,
Do reino das ficções quebrando o cetro,
Fixo no mundo o olhar.

Desiludido estou, com a sombra n'alma,
Que um astro fora, a sombra desta morte
Que vem de ti pela mundana sorte
Que apagou-te o esplendor;
Apagar-se bem vês da glória a palma
Que eu criei-te. Oh, amei-te muito! E havias
De vir tu desfazer as harmonias
Do nosso eterno amor!

Ainda eu te amo – e te imagino morta
Da paixão nossa e então, amo-te muito!
Evito da estrangeira o olhar e escuto
Em mim somente a ti.
Se eu esqueço a verdade: vem, transporta
Nossa alma às ilusões: o que passou-se
De meiguices de amor era tão doce,
Qual eu nunca mais vi.

Encadeando os fatos de memória,
Vejo a razão dos dias da ventura;
– Mas, ao porque se depravou natura,
Eu sinto-me infeliz;
Ao porque desfizeste tanta glória
Fazendo-te cadáver – da beleza
Descendo. Oh, sobe e volta à natureza
Coroada de luz!

 

CANÇÃO AO ALMOÇO
(Entre Gentil Homem e Tavares Bastos)

"Minha mãe, ó Cidadãos, é a República,"
Hei-lhe o amor que em chamas arde ao coração!
Vejo além surgindo o sol da Liberdade –
Que o passado, só, recorde a escravidão!

Bela filha dos oceanos verdejantes,
Áureo mundo, jovem Pátria, edênea América,
Se tens vales todos flor, se todos hinos
Os teus montes, clamam alto à voz profética:

Punjam crenças ao porvir da humanidade
A este sol do mundo-novo, porque a Treva...
Cidadãos, à Inteligência erga-se o trono
Que o Homem-Deus ao nome moral indica e eleva!

– Que martírios que em Veneza não se passam!
Na Polônia dos heróis, Deus! que martírios!
– Ser o opróbrio! ser a pátria escrava!... estalam
Da alma os astros. Noite interna. E o rir-delírios.

Tenha Europa sempre armada, a monarquia;
Herdem povos, hajam cetros, seus dinastas;
– A nós moços, liberdade e o esforço ingente
Destas fases que o mar vence grandes, vastas!

"Minha mãe, ó Cidadãos, é a República:"
Dou-lhe o amor que me devora o coração:
Vede além surgindo o sol – De pé! bebamos!
Hip! harrah! – Pela ideal Revolução!

 

MINHA IRMÃ

Eu anoiteço; qual as flores morrem,
Meus dias correm para o fim da vida;
Sinto no peito o coração tão frio,
Em pleno estio, minha irmã querida!

Porém, que vale? de outro amor espero,
Melhor, sincero as coroas de saudade,
De ardente pranto, quando os olhos chorem
Dos que me forem visitar à tarde:

Eu sei que irás; e pela mão levando,
Deus! e brincando com a filhinha-amor!
Dize-lhe: seja a filial ternura,
Alma e candura, em que descanse a dor!

 

FILHA ENFERMA

Eu quisera viver mais um dia,
Ainda e sempre contigo brincar,
Filha, e ver-te crescendo à harmonia
De que os céus te quiseram cercar:
Porém morres! e neste deserto
Vais deixar-me com Deus e sem ti!
Antes vá eu seguindo de perto
Quem das trevas tirava-me aqui!

E que os hinos à terra publiquem
Quanto a morte roubou-nos atroz:
Tantos sonhos de glória, que fiquem
Aos que são mais felizes que nós!

 

RISONHAS

Quando eu chegava de França,
Dos bacharéis a esperança
De Paris,
Onde o bom rei florescera
Que o nome à cidade dera
De São Luís;

Quando, pois, cheguei de França,
De voltar, sem ter Esperança,
Um Deus quis
Que eu desse a costa na praia
Que ao luar alva desmaia
De São Luís!

Que céus! que terra de amores
Em que à roda do ano há flores
De verão,
Há raios no sol, diamantes
Na lua! mas, inconstantes...
E se não:

Sem Helenitas, Terèses
Que amam Paris, cantam fraises,
Há Paris?
Não há, nem nunca haveria!
Qual não há luz de Luzia,
São Luís

Sem os foguetes-modinhas,
As dos ares andorinhas,
E os sabiás!
– E haver terra (até faz medo)
Sem chansons e sem brinquedos
Das sinhás;

E se houver? – que mais seria
do que um ninho das harpias
Tal São Luís?
Mais que cancãs e que lamas;
Embora as tubas das famas,
Tal Paris?

Em fugir primeiro eu fora
Das terras encantadoras
Onde a amor
Prendes colos, quebras asas,
Lírio ou brasas,
Grandée-candi ou rubra flor!

 

VÉUS DE NOIVA

Flores – que já nem são flores,
Tanto são aroma – exemplo:
Esta alva anágua de Vênus,
Aéreo momentâneo templo
Das aragens, dos candores,
Dos luares. Deem-nos, deem-nos

Asas de cisne platôneo,
Leda nos alvóreos lagos,
Paganismo eterno jônio,
Perfumes estelares – vagos;
Porém, conduzindo Magos
As eras cristãs. "Favônio:

O crepúsculo ideando
Dizer todo o amor que sente,
O faz por símbolos glórios,
Baforadas exalando
Destes véus puros nitentes,
Que estes mundos equatórios

Embriagaram!" Se diria
Celeste imagem que enflora
Da anunciação de Maria,
O angelus ave que a esta hora
Nesta terra encantadora
Se apresenta em cada dia.

 

MIMA

Galopem, ondas, galopem,
Sois o corcel que eu mais amo:
Nos outeiros viridantes
Tão ledo não salta o gamo.

Puros céus, o sol radioso,
Claro mar todo e selvagem,
É bela a fúria dos ventos,
Belo o voar sobre a voragem.

Áurea poeira do oceano
Percorre os ares sem fim,
Lampejam esmaltes d'íris
Qual asas de querubim,

Como coroas de Lúcifer
Por sobre o abismo do mar,
Fúrias as vagas acesas
A luz dos céus cintilar

Agora nasce o crescente,
Das águas na solidão
Brisas saudosas suspiram,
Mágoa, mágoa ao coração.

E o pensamento não dorme,
Sempre a ouvir os prantos teus,
Amada amada criança
Que me formavas os céus!

Oh, que saudades que hei tuas,
Que hei dos dias meus queridos
Juntos da tua inocência!
E estão passados, perdidos:

E sempre de morte os sonhos,
Sempre, sempre o coração!
– Nunca venhas ter lembranças
Das águas na solidão:

Oh, nunca enxuguem-te os olhos
Os tristes beijos do vento,
Nunca veja-te o deserto
Qual estou neste momento,

Longe de ti, do meu anjo,
Do meu templo de oração
Onde, do mundo fugido,
Se abrigou meu coração!

 

ONDA VERDE

Onda verde – o que quer ela
Que eu ouço falando? lá
Levanta-se toda bela
Dos mares. – Zeni, vem cá!

Nova Coelus! quando outrora
Vinhas... vem! tão sós! tão sós!
Sempre! sempre!... qual agora
As ondas tuas, tua voz!

 

LEILA

De Mirra corre o pranto:
Quão doce o incenso arábio,
Beijo o coral do lábio
A doce e rubra flor.
Do "Cântico dos Cânticos"
A de saudade louca,
Romã partida à boca
E o peito amor, amor.

Fora-me desviada –
Quase maldita, insana,
Do mundo a ser mundana
E pérfida mulher:
De novo a tomo a salvo
(Sempre náufraga!) e eis diante
A das manhãs galante
Rosas a me trazer.

Dos tempos misteriosos
Maga, mágica aos zelos
Grandes, dos dias belos
A torreal prisão –
Desfeitos os encantos,
Da morte às luzes brilha
Qual Sulamita filha
Do eterno Salomão
.............................................

Já Saudade?... de amores enfermos,
Ai a terra que vamos deixar!
De tão ledos, quão tristes os ermos
Da esplanada do alheio solar!
E das mágoas tão tuas, que eu sinto,
Eu não vejo, não vemos os termos. –
Do áureo sonho, nas sombras extinto,
Deus! quão pálido de hoje o acordar!

Sobre a relva dourada da tarde
Estenderam-se os raios do sol;
Há da calma o fulgor a saudade
De um mortuário formoso lençol:
Vês? e as crianças não deixam-nos ainda
(Nada, ou pouco, está feito) de que há de
À nossa alma haver pátria de infinda
Tarde meiga e de róseo o arrebol.

 

FLIRTATIONS

Ninguém ande à encruzilhada
Por noites de São João –
Vejam a mal-assombrada,
Meninas! "Oh, a visão!..."

– Cora, qual é tua sorte?
"Na Quinta Avenida, à corte,
Casarei."
– Sempre never cada Fanny?
"Morrerei."
– E tu, Augusta, rubores?
Vão ver, que sorte de amores...
"Eu sonhei."

Pior do que encruzilhadas
De visões; portas e escadas
Destes céus de Manhattán
Com que aí estão-se aninhando
Alvoradas? matinando
Toda a noite até manhã?
"Fogo! fogo! é rato! é gato!"
– Matinada de Babel!
Meninas, mudem de quarto,
Há mais quem durma no hotel!

São as três; dourada tarde,
Vêm da escola e em risos ledos,
O olhar longínquo de que arde,
Atiram beijos com os dedos.

Ora, estudando as lições:
Diga, diga, as professoras
Deram tese – Os dois vulcões
Maiores – Belas senhoras,
Há crescenças... sobre os Andes
Que são da terra as mais grandes...
Rindo Fanny, Cora alada
E ar Augusta de graduada –
Andes são serras: vulcões,
Sir! os maiores do mundo!?
– Oh! que estão no céu profundo
Chamas lançando em festões?
"Yes! Yes!"
– Que rugem? estrugem
Com lavas bravas?!
"Yes! Yes!"
– São, my girl, dois corações...
"Oh! oh! oh!"

 

HERO E LEANDRO

Quando nas chamas dos teus pardos olhos
Adolescente Apolo eu me enleava,
Longe estava eu de crer – tantos abrolhos
Que a nós um Deus nos tempos preparava.

Na dor dos anjos tristes e a candura,
O ornamento feliz do desamparo,
Temente eu fui da altiva formosura
Tanto, quanto ora dela eu seu avaro.

Timidez do que amou na força eterna
Dessa de abismos atração e da onda,
Que a vida universal prende e prosterna
A humanidade... ou o mar, que ao largo estronda

Helesponto interposto, dos amantes
Em cada peito à Esperança tendo o altar,
Quer de Sestos às luzes delirantes,
Quer às sombras do nosso áureo palmar.
......................................................

Oh, meu amor, a glória nos devora
Quando excedeu, qual um demônio, o orgulho,
O fatal vencedor da guarda angélica
Sempre-cândida Esperança!

Separam-nos. Então, todas as luzes
Que iluminavam na ventura nossa
Apagam-se. E nas trevas penetramos
Dos que o Éden perderam.

E as voltas de saudade à natureza;
E o mundo a rir-se dos delírios d'alma,
Do que chama delírios, – os saudosos,
Os tempos dos amores.

Caímos quando toda em flor a terra,
Todos divinos corações nos amam,
A nós que os raios somos do infinito,
Nós aspirando aos céus!

Ora – à mesa de Horácio! e pelos copos
Que prezenteiros tocam-se os convivas,
Nós pensamentos, namorados tropos
Troquemos! aos prazeres! Almas-vivas:

À amizade e ao amor! Todos se erguendo:
A virar! a virar!... Cedo flutuam
Nuvens de luz, o espaço percorrendo,
Novos mundos colúmbicos... flutuam.

E vós, risonhas noivas d'harmonia,
De lírios corai, corai, formosas,
As frontes que embriagam-se na orgia
Sim, mas dos puros seios na onda e as rosas.

– A amizade e ao amor! a glória, a esperança
– Na alegria as canções de despedida!
Sabem, mais que a dos prantos, a lembrança
Dos risos duram mais, duram a vida:

"Brada o nauta – calma, calma:
Sobre os mares o crescente
Dá notícia e diz que há gente
Sem conforto; que ao adeus

Ficou em terras da palma,
Onde o sol é refulgente;
Mas, que a quem está descontente
Não fulguram raios seus.

Dê-lhe o crescente mensagem
Dos saudosos tempos d'alma –
Boa viagem! boa viagem!
Belo nauta, adeus! adeus!"

 

18 DE SETEMBRO
UM POEMA AVULSO - ANIVERSÁRIO CHILENO
(E. de La Barra)

Dentre liras de amor e risos graios,
Contra os tronos de tênebra mortal
Faço a guerra de luz, dos belos raios,
De Brutus vibro o cívico punhal.

Se de Pórcia a saudade me acompanha,
A Roma eu devo, à Pátria, a gratidão;
Troco a paz dos jardins pela campanha
E pela Liberdade – o coração.

Oh, que inferno! que horríficos extremos
Que a cesárea ambição não nos impôs!
Caminha-se à miséria, em que nos vemos
Qual quem pra morte conduzisse o algoz!

Se qual Byron, qual Hugo, fui Mascotte
Vendendo as Harpas dos cantares meus:
Ora, empunho do Cristo o calabrote,
César, e dou a Deus o que é de Deus.

Enquanto nos confiscas a fazenda,
Destelhas-nos a casa – a nos render
Pela fome, acenou-nos com a prebenda –
E é por armas que havemos de vencer.

Oh, eu sou qual o sol, que a luz de graça
Derrama sobre a terra em puro amor!
Qual Homero, terei meu pão da praça,
Dos céus a coroa e dos jardins a flor.

Educo o mundo nas mais belas formas!
Do eterno sentimento e a grande ação:
Quero o homem senhor; eu quero as normas
Do livre-arbítrio; ao lar, o coração:

A ti, oh Flor da América, oh formosa,
Oh minha Pátria e dos purpúreos céus
Do mar do Sul, da Cordilheira a rosa
E das glórias civis do homem, por Deus.

Salve tu! que nos dás tanta saudade!
Tu, que a magia tens do coração
Áureo trono da tua Liberdade,
Salve! Salve! Na doce gratidão,

Lembranças mando aos Andes; Del Solar,
De Lastarria e Donoso, à luz, à ciência;
A todos esses mundos de existência
Que eu lá deixei, que eu vejo a me acenar!

Oh, eu sou qual o sol, que a luz de graça
Derrama sobre a terra em puro amor!
Qual o cego, terei meu pão da praça,
Dos céus a coroa e dos jardins a flor.



---
Iba Mendes Editor Digital. São Paulo 2023. 

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