3/03/2023

Mortalhas (Poesia), de Emílio de Menezes


MORTALHAS


OS DEUSES EM CEROULAS 
(Versos Humorísticos)
 


W. B.
Nem ótimo, nem péssimo. Vai indo.
Personificação do meio-termo,
Veio das vascas do governo findo
E é um paliativo no país enfermo.

Ora galgando altura, ora caindo,
Ora na multidão, ora num ermo,
Alguns afirmam que é um talento lindo,
Outros que é um pobre e simples estafermo.

De livres-pensadores teve os votos,
Continuando entre os boatos e os devotos,
A ser o que carrega a maior trouxa.

Da presidência, em meio à lufa-lufa,
Quanto mais se lhe bate — mais estufa,
Quanto mais se lhe aperta — mais afrouxa.

 

C. DE F.

Dobradiça de mola e parafusos,
Abre a porta da escola à da caserna
E, em casos complicados e confusos,
Com a tarimba o gabinete alterna.

Dirige a pasta conhecendo os usos
E os segredos da tática moderna;
Governa a sós, não atendendo a intrusos,
Mas a vaidade, às vezes, o governa.

Tem serviços e estudos às centenas.
Bravo, se o instinto do guerreiro o guia,
Tem na paz qualidades não pequenas.

Porém, ó raio da burocracia!
Sendo Faria, o que ele faz é apenas,
Como ministro, o que qualquer... faria.

 

A. A.

Rumo ao mar! Eis a frase predileta
De quem na Armada, hoje é senhor da pasta,
E que, para poder tocar a meta,
Mil tropeços, mil óbices afasta.

Mas o rumo ao bom senso é a linha reta
De quem as verbas do Tesouro gasta.
E tudo o mais é sonho de poeta.
(Alexandrino é verso e isto não basta).

Mas se é verso, não seja verso branco,
Pois facilmente a rima rica brota,
A quem da inspiração tem porto franco.

Olhe os bancos de areia nessa rota:
Se ela, no rumo ao mar, trepar num banco
A Nau do Estado vai à bancarrota.

 

S. B.

Este é um amuado crônico e se amua
De modo agudo, repetidas vezes.
Quer ser a vertical da terra à lua
E evita os atos e palavras soezes.

Na rigidez do aspecto ele acentua
Gestos nem sempre amáveis e corteses,
Para mostrar a linha toda sua
De quem despreza os míseros burgueses.

Sendo, no fundo integralmente honesto,
Não come o bolo, rejeitando o resto
Como a certos gargantas conviria.

A vitaliciedade da enxaqueca
Deu-lhe a aparência comprimida e seca
De um frango assado de confeitaria...

 

L. M.

De uma magreza de evitar chuvisco,
Tem a altura fatal de um para-raios.
Tão alto que, se o aspecto lhe rabisco,
Na vertigem da altura até desmaio.

Hoje é o senhor do cobiçado aprisco
De tenros diplomatas em ensaio;
Astuto, na rijeza de obelisco,
Não nos encara, espia de soslaio.

De alma arguta e sagaz, nada quimérica,
Feita de tino e de sabedoria,
Tudo a seu ver é uma função numérica.

Mas de andar e viajar, tem a mania.
Cometa diplomático da América,
Judeu errante da diplomacia.

 

P. C.

Tão pequenino e trêfego parece,
Com seu passinho petulante e vivo,
A quem o olha, assim, com interesse,
Que é a quinta-essência do diminutivo.

Figura de leiloeiro de quermesse,
Meloso e parecendo inofensivo,
Tem de despeitos a mais farta messe,
E do orgulho é o humílimo cativo.

Não há talento que ele não degrade,
Não há ciência e saber que ele, à porfia,
Não ache aquém da sua majestade.

Dele um colega, há tempos, me dizia:
É o Hachette ilustrado da vaidade,
É o Larousse da megalomania!

 

C. M.

Lá na terra dos pampas tem o nome
De chimarrita, diz o Leal de Souza,
E este apelido afirmam que o consome
E é o que o há de levar à fria lousa.

Se lho repetem briga e já não come,
Não para, não descansa, não repousa,
Aguenta a sede, suportando a fome,
Dando o estrilo feroz por qualquer coisa.

Entretanto, não tem os dotes falhos;
Do talento gaúcho é um belo adorno
E tem brilhantes feitos e trabalhos.

Rapadurescamente espalha em tomo,
Uma impressão de cheiro a vinha-d'alhos,
De um leitãozinho mal tostado ao fomo.

 

R. A.

Era ministro então. O Olavo e o Guima
Diziam que ele era o Morfeu da pasta,
E o dorminhoco andava em metro e rima
Na pilhéria que a tanta gente agasta.

Mas galgando o Catete, escada acima,
Num despertar febril, Morfeu arrasta
Todas as forças que a vontade anima,
Nos vastos planos de uma ideia vasta.

Tudo revive! A atividade é infrene.
São mutações de sonho! É o Eldorado,
É o Dinheiro na Estética e na Higiene!

Hoje, glorioso e um tanto fatigado
Não se deixa ficar calmo e solene
A dormir sobre os louros do passado. 



R.

Pedra preciosa de um tamanho imenso.
(Pois que o nome é um rubi deste tamanho
Que à sorte e à fortuna traz apenso),
Eis mais ou menos o seu vulto estranho.

Escravo cauteloso do bom senso
Fugidio ao espírito tacanho,
Quando entra em luta diz: Ou morro ou venço!
E é difícil que alguém lhe tome o ganho.

Desdobrado em trabalho multiforme,
Em finança e política não dorme,
E numa ou noutra, nunca perde a audácia.

Sendo do Bananal, não é um banana:
Tocou rumo a São Paulo a caravana,
E ei-lo Rubião, em honra da rubiácea.

 

J. DE M.

Com este agora a musa não contava!
Nem a musa mordaz, nem a brejeira,
Em certo dia o vejo a deitar lava,
Aproximo-me e encontro uma geleira.

Quando a aparência é fria, a alma está brava.
Se aquela é tormentosa, esta é fagueira.
E assim, da vida, o rumo, a sós, desbrava,
E, a sós, colima o termo da carreira.

Por muito que o humorismo o prenda e engrade.
Ele não esbraveja nem se irrita,
Mas se lhe escapa com facilidade.

A golpes de talento o laço evita
E ao ridículo opõe a habilidade.
Eis, mal pintado, o Júlio de Mesquita.

 

W. L.

E um bandeirante novo, sem as botas
De andar em carrascais, ou serras brutas,
De penetrar nas mais profundas grotas
Ou se internar nas mais soturnas grutas.

É o bandeirante urbano nas devotas
Ânsias de ver em formas resolutas,
O esplendor das metrópoles remotas
Em plintos, colunatas e volutas.

Ele antevê nas cores mais exatas
Da Pauliceia as graças infinitas,
No áureo fulgor de mágicas palhetas.

Porém, depois dos bons tempos de pratas,
Ele que é homem que detesta as fitas,
Sente a falta do arame nas gavetas.

 

O PLENIPOTENCIÁRIO DA FACÚNDIA

De carne mole e pele bambalhona,
Ante a própria figura se extasia,
Como oliveira — ele não dá azeitona,
Sendo lima — é quase melancia.

Atravancando a porta que ambiciona,
Não deixa entrar nem entra. É uma mania!
Dão-lhe por isso a alcunha brincalhona
De para-vento da diplomacia.

Não existe exemplar na atualidade
De corpo tal e de ambição tamanha,
Nem para intriga igual habilidade.

Eis, em resumo, essa figura estranha:
Tem mil léguas quadradas de vaidade
Por centímetro cúbico de banha!...

 

A. A.

Dizem que às vezes, quer se achar bonito,
Mas, nem sendo Amadeu e sendo amado,
Mas muito amado mesmo, eu não hesito:
Se não é feio é bem desengraçado.

Entretanto se o vejo (isto é esquisito)
Através de um soneto burilado,
É mais que belo, afirmo em alto grito,
É o próprio Apoio que lhe fica ao lado.

Mais comprido que a universal história,
Este Leconte com seu ar caipira,
Me deixa uma impressão nada ilusória.

Quando ele ao alto, a inspiração atira,
Com a cabeça a topar no céu da glória,
É um guindaste a guindar a própria lira.

 

V. DE C.

Fraco e doente, se solta algum gemido,
Ou sai um verso ou brota uma sentença.
Se como Juiz sempre é acatado e ouvido,
Como poeta não sei de alguém que o vença.

Se nas Ordenações presta sentido,
Tem, nas regras de Horácio, parte imensa.
Não se lhe sabe o culto preferido:
Se na Arte ou no Direito, tem mais crença.

Tendo defeito, nunca teve alcunha.
Quando aparece, num reencontro à liça,
O que nos antagonistas acabrunha,

É ver que, sem fraqueza nem preguiça,
Numa só mão, com o mesmo gesto empunha,
A áurea lira e a balança da Justiça!...

 

F. G.

Este é por certo o verdadeiro espelho
Das maiores derrotas e conquistas
Que o regime vem tendo, e o seu conselho,
Tem sempre o cunho das mais largas vistas.

Foi das molas mais rijas do aparelho
Que deu cabo das hostes monarquistas.
Foi o Moisés do novo Mar Vermelho,
A égua madrinha dos propagandistas.

Calmo, risonho, perspicaz, cordato,
Todos sentem no Ilustre veterano,
Do político arguto o fino tato.

Mas o Matusalém republicano,
Tem orgulho infantil de ser, de fato,
O bisavô dos netos do Herculano!

 

L. DE F.

O rosto escuro em pontos mil furado,
Se lhe move da boca em derredor.
Não consegue um segundo estar calado
E é de São Paulo o tagarela-mor.

Traz, de nascença, o todo avelhantado
De um macróbio infantil e, — coisa pior, —
Dá ideia de que já nasceu usado
Ou de que foi comprado no belchior.

Tudo nele é exagero, até a atitude
De saudar elevando o diapasão:
"Nobre amigo! Mui fuerte e de salude?"

No mais é um excelente amigalhão.
Mas que voz! É o falsete áspero e rude.
De um gramofone de segunda mão.
 


L. G.

Este vale, em toicinho, a inteira Minas;
Derretê-lo, seria um desencargo
Para a atual crise das gorduras suínas.
(O Monteirinho a isso põe embargo).

Arrota francos, marcos, esterlinas,
Mas uma alcunha o faz azedo e amargo:
Senador tonelada. Usa botina
Cinquenta e quatro, à sombra, bico largo.

Tem uma proverbial sobrecasaca,
Cujo pano daria, em cor cinzenta,
Para o Circo Spinelli uma barraca.

Da do Oliveira Lima ela é parenta
Pois só o forro das mangas dá, em alpaca.
Para o novo balão do Ferramenta.

 

M. DE S.

Conhecem, por acaso, o Monteirinho
Que é Antônio, que é Monteiro e que é de Souza?
Pois não é para aí um qualquer coisa
De baixo preço ou de valor mesquinho.

Assim mesmo tostado e mascavinho,
Numa poltrona do Monroe repousa,
Calado e quedo qual funérea lousa,
A apanhar perdigotos do vizinho.

Cabritinho de mama já esgotada,
No tapete não solta as azeitonas
E só espera o momento da marrada.

Dele, a exibir as alentadas lonas,
Diz o Lopes Gonçalves Tonelada:
Ai! cabrito cheiroso do Amazonas! 



P. F.

Marechal, senador e proprietário,
De alma vazia e de algibeiras cheias,
Ninguém conhece o sangue originário
Que lhe infla as mil nonagenárias veias.

É tão feio que, assim, nonagenário,
À sua própria fealdade une as alheias.
O seu rosto é um mosaico extraordinário
De pedacinhos de mulheres feias.

Mosaico de canhões, namoros cava.
E, no cinema, o pé reiuno toca,
Até que a dama, a rir, o mande à fava.

Se nalguma tourada se coloca,
Ele que, em tempos, foi um vaca brava,
Hoje não dá nem mesmo para choca.

 

B. L.

Nada tem de ridícula a fealdade
Quando ela, em certas caras, se figura.
Quem vai rir da sinistra catadura
Com que o Barbosa Lima nos invade?

É uma cara abortiva. É, de verdade!
Se uma dama pejada o olhar lhe atura,
Ei-la já parturiente prematura,
Sem os encantos da maternidade.

Mas tem parentes a valer o cabra!
E para colocar qualquer parente,
Se não há vaga, faz com que ela se abra.

Tudo consegue por terror somente,
Pois que, mostrando a cara hostil, macabra,
Faz abortar o próprio Presidente!

 

J. DE S.

Justiniano, ele o é, mas, com certeza,
Não mandará fazer novo Digesto.
Prefere saborear de língua acesa,
Apimentado vatapá... indigesto.

Serpa, serpe ele o é e espera a presa.
O Enéas, malandrão, diz-lhe: — eu protesto!
Ele volve e responde com firmeza:
Já comeste demais, deixa-me o resto!

Isto é um traço interior de Justiniano.
Quanto ao traço exterior, não sei se o traço,
Porque ele é cara sem um traço humano.

É uma fealdade de causar cansaço!
Do que é feio, eu cá digo, salvo engano:
Se o tal Pifer é o suco, ele é o bagaço!

 

A. J.

Para o teu nome a fórmula sintética
Vou fazer, ó de Ulisses companheiro,
Sem fugir às leis clássicas da estética
E partindo da análise primeiro.

Tiraste os quatro pés (isto é dialética)
Do verso asclepiadeu e, prazenteiro,
Ao jâmbico emprestando rima poética,
Eis-te agora Asclepíades Jambeiro.

Dos quatro pés ficou-te a inteligência
Pois é nela que mora o asclepiadeu,
Diverso apenas pela desinência.

Da alma ao corpo a tua métrica desceu
E, conforme as leis da arte e as leis da ciência,
Dáctilo tens um pé e outro espondeu.

 

A RAZÃO

Tem causado estranheza a atividade assombrosa do M. P. F., em defesa de todas as medidas propostas pelo Sr. J. B.

(De um vespertino)

Não se compreende bem por que motivo
Causa estranheza o gesto do Firmino,
Pois, Firmino, afinal é um afetivo,
Apesar de sabido, arguto e fino.

O amor materno é sempre ardente e vivo
E é com todo esse amor, quase divino,
Que ele assim ficou manso, mas ativo,
Qual boa mãe por filho pequenino.

Vai até muito bem nessa maneira
De mostrar que do afeto é uma alma escrava
O nosso Marechal Pires Ferreira.

O Senado com esta já contava:
— Está salva a pecuária brasileira!
— Para bezerras, nunca a vaca é brava!

 

HEMETÉRIO DE SOUSA

Neto de Ubá, do príncipe africano,
Não faz congadas, corta no maxixe;
Herbert Spencer de ébano e de guano,
É um Froebel de Nanquim ou de azeviche.

No pedagogium de que é soberano,
Diz que: — comigo a crítica se lixe;
Sou o mais completo pedagogo urbano,
Pestalozzi genial pintado a piche!

Nagi fez da cor preta a cor reiuna.
Na vasta escala da ornitologia,
Se águia não é, também não é graúna.

Um amador de pássaros diria:
Este Hemetério é um pássaro turuna,
É o vira-bosta da pedagogia.

 

H. DE S.

O preto não ensina só gramática.
É pelo menos o que o mundo diz.
Mete-se na dinâmica, na estática
E em muitas coisas mais mete o nariz.

Dizem que, quando ensina matemática,
As lições de mais b, de igual a x,
Em vez de em lousa, com saber e prática,
Sobre a palma da mão escreve a giz.

Uma aluna dizia: — este Hemetério
Do ensino fez um verdadeiro angu,
Com que empanturra todo o magistério.

E é um felizardo, o príncipe zulu,
Quando manda um parente ao cemitério,
Tem um luto barato: fica nu.

 

CONVALESCENTE

Triste alegria a da convalescença!
Dessa alegria os poetas falam tanto,
Que quem os lê fica a pedir a doença,
Prenúncio triste desse alegre encanto.

Eu, somente, não vejo o que me vença
Este mole, este insípido quebranto,
Sem uma só emoção vívida, intensa.
Sem nada que me cause ódio ou espanto.

A própria guerra que conflagra o mundo,
Não me sacode mais na voz de um hino
Que eu estava a compor grave e profundo.

Sinto que estou no vácuo. Até imagino,
Vendo-me assim vazio, oco e infecundo,
Que estou dentro do crânio do Aurelino.

 

A. L.

Não és somente um diretor de estrada
Sansão capilar. És estradeiro,
Como o diz, provocando a gargalhada,
O nosso Oscar, trocista e galhofeiro.

Realmente! Com tal cara, assim barbada
Que incita a raiva de qualquer barbeiro,
És bem o que se diz: Praça escovada,
Das de embrulhar um regimento inteiro.

Levas, no cargo, a vida a fazer fitas!
Como o carvão te traz mil dissabores.
De reduzi-lo a pó, firme cogitas.

Se do pó do carvão na poeira fores,
Terás, nessas tuas barbas infinitas,
Matéria-prima para espanadores.

 

VOCAÇÕES

Afirmam os jornais que o Sr. J. B. vai montar em Pernambuco, uma grande fábrica de papel.

Não sabe o que é desânimo ou cansaço
O Bezerra Doutor e Coronel.
Para cavar, o tempo todo é escasso
E agora a sopa lhe caiu no mel.

A cana já lhe deu caldo, melaço,
Açúcares, cachaças a granel,
E inda vai rebuscar no vil bagaço
A celulose em forma de papel.

Terá nisso o maior dos seus orgulhos
E a mais fácil, talvez, das cavações,
Sem protestos, escândalos, barulhos.

Está dentro das suas vocações:
Na vida sempre andou fazendo embrulhos
E andou sempre fazendo papelões.

 

G. M.

Se acaso uma república ainda existe,
(Se é que existiu um dia, porventura),
Nesta pátria que, à força de ser triste,
Só conhece a alegria da loucura.

Talvez a morte a que ela agora assiste,
Desse a impressão de angústia e de tortura,
A que a musa, de luto, não resiste,
A este povo de crença mal segura.

Um préstito, um discurso e o cemitério!
Uma aluvião de flores mal encobre
O que há de grande em tal caixão funéreo!

Morreste, nobre amigo, no mais nobre
Orgulho do teu nome, ó bom Glicério:
O nobre orgulho de quem morre pobre!

 

UMA IDEIA
(A propósito da oposição do Prefeito aos cursos noturnos)

Certamente o motivo verdadeiro
Dessa aversão que assim, no último grau,
Tem o ilustre e eminente brasileiro
Por tal curso, não tem um fundo mau.

Declara um vespertino, alvissareiro,
Que na reforma está metendo o pau.
Ser do curso noturno o alto padroeiro
O próprio presidente Venceslau.

Se a fim nobre o Doutor Sodré se guia
Tendo o chefe do Estado um fito igual,
Há um processo que tudo concilia

Ei-lo aqui, muito simples mas... genial:
Ter o curso noturno em pleno dia,
Sendo o Hemetério o Diretor Geral...

 

E. S.

Em mil programas que são panaceias,
Na terra da borracha e da castanha,
Quebram castanhas, esticando ideias,
Só para ver quem o governo apanha.

Não se compreende luta assim tamanha,
De lobos em sinistras alcateias,
Entre Lauro Sodré, teia de aranha,
E entre a aranha sem teia que é o Enéas.

Completam-se ambos. O Sodré, pudico,
De ingrato e espertalhão o Enéas xinga,
E este diz: Só de inércia o Lauro é rico.

Os "Salpicos" que os juntem num salpico:
Ele, o Enéas, bojudo, é uma seringa,
A que o Lauro Sodré serve de bico.

 


CARTA ABERTA
(Ao General P. B., inspetor da 5ª Região Militar)

General. Ouça aqui Vossa Excelência:
Acabe essa mania assim esquisita
De ver, em cada praça, a conivência
Com bernardas de que ninguém cogita.

Um general da sua competência,
Tendo uma fé de ofício tão bonita,
Deve guardar, ao menos, a aparência
De quem detesta a exibição e a fita.

Saiba Vossa Excelência: Já se gasta
O tempo em afirmar-se (quem diria!)
Que o alto cargo em que está já lhe não basta.

Se a vontade de ser ministro o guia
Espere que há de ter um dia a pasta.
Não queira, a muque, a pasta do Faria!

 

MAU HUMOR

Baldadamente a pena o voo ensaia.
Rima chata, estro escasso, metro rombo.
Quase a mim mesmo dou tremenda vaia:
É o humorismo a rolar de tombo em tombo.

Nada é grande. Há por tudo a ínfima arraia.
E um zunido o que outrora era um ribombo.
Definham o nariz do Augusto Maia
E o nariz do Ribeiro da Colombo.

Do Arrojado, as mil barbas de agareno
Não dão, nem mais a pequenina broxa
Do aparadinho andó do Galvão Bueno.

Só grande é a estupidez que hoje me arrocha
E batatas espalha em meu terreno,
Como se eu fosse o Figueiredo Rocha.

 

DOMINGO QUENTE

Isto não é um domingo, é um crematório.
O vento é o bafo de algum forno aéreo.
Cada trabalho é um desperdício inglório,
Tem cada esforço a marca de um cautério.

Mas, afinal de contas, cebolório!
Quem, clima tal, pode levar a sério?
Sinto na alma o tostado do Sertório,
E na pele o queimado do Hemetério.

O Hemetério dá assunto... Mas precário.
Dizer-se que ele é branco e é preto o lírio?
Desse tema já tem ele um rosário.

Estes "Salpicos" são o meu martírio!
Ah! Lembro agora o nosso pobre erário:
O Pandiá, finalmente, é grego ou sírio?
 

O FORO EM FÉRIAS

Hoje entra o foro nas sabidas férias.
Mas que férias ainda quer o foro?
Se a justiça é preguiça, que ouça lérias,
O que é melhor que ouvir um desaforo.

Se estas coisas são mesmo coisas sérias,
Que se guarde, é melhor, certo decoro,
Que andarem juízes a fazer pilhérias
E a veranear em centros de namoro.

Não me refiro ao Pedro Francelino,
Que é velho e surdo, o que não é segredo,
Mas que, entre damas, finge de menino.

Esse, o Celso e mais outros têm tal dedo,
Que até parece terem por destino
Imitar o Torquato Figueiredo.

 

SAI... AZAR

Seis horas. Estação da Leopoldina.
Tomo o trem. Mal me abanco, uma velhota,
De setenta anos, fala, sopra, arrota,
Numa desenvoltura de menina.

Quero ler. A carcaça, de voz fina,
Tanto fala e me diz tanta lorota,
Que, na raiva, o jornal se me amarrota
E ainda o raio da velha me bolina.

Quero fugir. A peste me segura.
Por pouco mais me tomo um assassino.
Sinto que passa um vento de loucura.

E julgo ver que, em meio ao desatino,
Eu era da polícia a atroz figura,
E a velha era a figura do Aurelino.

 


O BUSTO DO CÉSAR... DE CAXANGÁ

Faltava-lhe alguma coisa: um bronze mesmo que fosse em Soneto. Pois cá o temos exposto no saguão do jornal; não é soneto — é um busto.

(Da Gazeta)

Não consentimos que o escultor nos venha
Mostrar, em bronze, o malfadado busto
Do César de arraial, César da Penha,
Que anda a fingir de poderoso e justo.

O artista está a pensar que o santo e a senha
Nos há de dar o César, que hoje, a custo,
Suporta da Opinião o relho e a lenha,
Que não é Caio e nada tem de Augusto.

O soneto de bronze do Solfieri
A que a "Gazeta" alude em tom faceto,
Abona o poeta sem que o riso gere.

Mas ao Dantas, nem busto, nem soneto!
Busteá-lo ou sonetá-lo a alma nos fere:
César, é César, Dantas é... Barreto!

 

TEATRO DA NATUREZA

Um amigo das árvores, das flores,
Dos lagos, dos canais e da cascata
Com seus trêmulos quérulos rumores,
Dizia anteontem: — Isto agora mata!

Ia à tarde, fugindo dos calores,
Ao Campo de Santana, onde, à frescata,
Via, do ocaso de ouro, os esplendores,
Até vir o palor de um luar de prata.

Hoje, o Campo se fecha a sete chaves,
Para uso e gozo de feliz empresa,
Antes que busquem o seu pouso as aves.

Se a natureza, do seu teatro é presa,
Que me desculpem as pessoas graves:
O teatro é um teatro... contra a natureza.

 

SONETO BRINDE
(A propósito da renúncia do Deputado F. P.)

Esta secção foi feita para a troça,
Porém, ama também fazer justiça.
Nesta época em que o mundo inteiro engrossa,
Ela não vai do engrossamento à missa.

Félix Pacheco o espírito remoça
Desta caduca geração mestiça,
Fator maldito da desgraça nossa,
Causa da improbidade e da cobiça.

Meu caro Félix, quanto te agradeço
Esse gesto em que tua alma altiva passa
Sem se deter em qualquer um tropeço.

A ti, que aos poetas mostras que és da raça.
Dos que ao ideal somente dão apreço,
Ergo, em quatorze versos, mm a taça. 



O RISO EM PRANTO
(A propósito da recusa do Prefeito em auxiliar pecuniariamente o carnaval)

Achamos que vai bem à Prefeitura
Auxílios recusando ao Carnaval;
A União, nesta quadra amarga e dura,
Auxílios dando, é que procede mal.

De que nos vai servir a áurea moldura
De alta crítica ou carro triunfal,
Para o quadro de dor e de tortura
Que é o negro escorço do Brasil atual?

A seca a flagelar irmãos ao norte!
O operário sem lar, o lar sem pão!
O Jeito é quase o tálamo da morte!

Carnavalescos, tende coração!
Que Momo os males, como os mais suporte,
Que Morno, dos que sofrem, seja irmão!...

 

SEGREDOS... SEGREDOS...

Diálogo ouvido anteontem, muito cedo:
— O poeta dos "Salpicas" anda torto.
— Do pé? Da mão? Das mãos? Dos pés? De um dedo?
— Não! Fica ao largo sem entrar no porto...

— Não compreendo. — Pois ouça, mas... segredo!
Ele pensa que mata e dá conforto.
Porém, se prega a trama e entra no enredo,
O Chimarrita, há muito, era homem morto!

— Cada vez, vejo as coisas mais escuras.
— Ouça-me a história e, na memória, grave-a.
Maximiliano afirma entre mil juras:

Prefiro, a pé, subir o alto da Gávea,
Contra mim próprio, ler descomposturas,
A ler um elogio ao Rivadávia...

 

CRUZADOS E PATACAS

“O Sr. Roussouliéres ficou zonzo. Porque, na verdade, ir a Jerusalém nestes tempos, com a Turquia em guerra, não é coisa que ninguém cobice. Só quem tem a “alma de cruzado” é que se aventuraria a ir para naquelas alturas.”

(Da Gazeta)

Se é preciso ter alma de cruzado
Para a Jerusalém ir, atualmente,
Não sei quem possa de Aurelino ao lado,
Ajudá-lo a fazer de penitente.

Acho de qualquer modo o cálculo errado:
Ou fica muito atrás ali muito à frente:
O que sobra ao primeiro delegado
É o que falta a Aurelino, o renitente.

Apesar de saber que ele encavaca,
Eu cá digo, sem medo da cadeia,
Que, antes de ser cruzado, o chefe empaca.

"Cruzado" é o ponto médio que os enleia:
Na alma Aurelino tem meia pataca
E o Roussouliéres tem pataca e meia.

 


CONCILIAÇÃO

Leve o diabo o humorismo nesta terra!
O Tigre que no caso é cabra seco,
Basta escrever-se que Bezerra berra,
Para que exija que se feche o beco.

Por outro lado, que é o que mais me aterra,
Se dizemos, acaso: — “é falho ou peco
O gênio do Pifer” temos a guerra
Do grande amigo, o bom Félix Pacheco.

Ora pipocas! Eu por nada brigo
Com o Félix, — rosto meigo de criança
Da canície precoce ao alvo abrigo. —

Quanto ao Tigre, oscilamos na balança:
Para pesar dos ódios o perigo,
Brava fique a bezerra e a vaca mansa.

NOTA:
Deste soneto a chave ficou perra;
Esta é mais clara e até menos opaca: 
— Passar a Vaca Brava a ser bezerra
E promover o Zé Bezerra a vaca...

 

J. C.

E tão alto, tão magro, tão sem viço.
Que ninguém, pelas vilas ou cidades,
Mais que ele deve ser o D. Magriço,
O D. Magriço das ociosidades.

Não lhe provoco-os ódios, nem lhe atiço
O mau gênio por vis perversidades,
Porque ele é o puro, o impávido, o inteiriço.
Guarda noturno das celebridades.

Notívago por índole, por gosto,
Somente à noite dá sinais de vida,
Para andar e mentir sempre disposto.

No fundo é uma alma boa e agradecida.
Mas quando não mentir, torcendo o rosto,
Há de morrer de peta recolhida.

 

PROSOPOPEIA DA PEPA AO PUPO

"A Sra. Pepa Ruiz e o Sr. Pupo de Morais andam em negociações para o arrendamento do Mercado do Rio de Janeiro."

(Dos jornais)

Parece peta. A Pepa aporta à praça
E pede ao Pupo que lhe passe o apito.
Pula do palco, pálida, perpassa
Por entre um porco, um pato e um periquito.

Após, papando, em pé, pudim com passa,
Depois de peixes, pombos e palmito,
Precípite, por entre a populaça,
Passa, picando a ponta de um palito.

Peças compostas por um poeta pulha,
Que a papalvos perplexos empunha,
Prestando apenas pra apanhar os paios,

Permuta a Pepa por pastéis, pamonha...
— Que a Pepa apupe o Pupo e à popa ponha
Papas, pipas, pepinos, papagaios!

 

A. M.

Sei-te médico, há três ou quatro dias.
Passaste a ser, a sério, o Doutor Fontes,
E eu bem desejo, amigo, que me contes
Se tens novas ideias e teorias.

Vais alienar as velhas simpatias?
Vais estreitar teus largos horizontes?
Os idílios, por vales e por montes,
Cedem os passos às polipatias?

Não creio que a tua musa a isso resista.
E em ti prevejo um sábio tão profundo
Quanto já és um poderoso artista!

Em curas, sê, qual na Arte, tão fecundo,
E serás, por direito de conquista,
O primeiro dos médicos do mundo!

 

CARTA EXPRESSA

“Gold-regen”, “Romã” e “Pinheiro”,
“Vitória-régia”, “Heliantho”, “Hibisco”,
Flora a que eu dei minha emoção,
Aos pés de atiro, audaz obreiro,
Combusta, seca, feita em cisco,
Ao quente sol do teu “Verão”.

Da “Marcha Fúnebre” ao som morto
E à morta luz de “Olhos Funéreos”,
A que eu entoei meu “Cantochão”,
Melhor me fora achar conforto,
Longe do horror dos cemitérios,
Ao quente sol do teu “Verão”.

Aos “Três olhares de Maria”
(Ai! quem me dera em tais olhares,
Ter o supremo, amplo clarão
Que do teu estro se irradia!)
Quisera orar, erguendo altares,
Ao quente sol do teu “Verão”.

Da minha “Nau Abandonada”,
Na mesma praia em que nasceste,
Que a proa e a popa ardendo vão
À luz de cada estrofe e a cada
Verso em que a rima áurea acendeste
Ao quente sol do teu “Verão”.

“Nau salvadora” em que o milagre
A Pedro fez, piedoso, o Cristo,
Dando-lhe o manto em salvação,
Quero que nela se consagre
Em rito à luz, todo o imprevisto
Do quente sol do teu “Verão”.

Poemas, estrofes, versos, rimas.
Tudo que sinto, faço e penso,
Por morta ou viva inspiração,
Em nada vale às obras primas
Que edificaste ao brilho imenso
Do quente sol do teu “Verão.” 



UM DESPACHO ESCABROSO

“De acordo com o edital afixado no prédio n... da rua Martins Costa, devem comparecer Senhorinha e Helena S. N. à vistoria pelos engenheiros municipais... Mas que vistoria vão fazer os engenheiros?”

A vistoria deve ser completa:
O pé-direito para começar,
O porão habitável, a área infecta,
Tudo isto é simples e rudimentar.

Ai!... se eu fosse engenheiro, em vez de poeta
Iria, com dispensa do auxiliar,
Calculando o valor para a coleta,
À frente e aos fundos de qualquer andar.

Os comentários, pois, assim brejeiros,
Da “Gazeta” não têm muita razão.
Os peritos são firmes e certeiros.

Em certos casos de Obras e Viação
Não são moles nem nada os engenheiros...
E o próprio chefe deles é um Durão.

 

UM CONSELHO

Entre a saída do imortal Osvaldo
E a entrada, a pulso, do assistente Moses,
Esta, da ciência, não aumenta o saldo,
E aquela, ao certo, traz males atrozes.

Por bem que de "cultura" arranje "um caldo",
E de aplausos consiga algumas doses,
Baldo de nome e de concurso baldo,
Embalde o aclamam protetoras vozes.

Se por sete anos já serviu, persista,
Pois da ciência a Raquel, Labão astuto,
Há de ter por direito de conquista.

Mas espere, sereno e resoluto,
E sempre esta verdade tenha em vista:
Osvaldo por si só, vale o Instituto.

 

C. L.

Homem sério, porém politiqueiro,
De inteligência mais ou menos clara,
É um edil, camarista ou camareira,
De raro estofo e de feição bem rara.

Mais seco do que arenque de fumeiro,
Todo feito em lasquinhas de taquara,
Sacode em contorções o corpo inteiro
E tem puxos de filme pela cara.

Tem um nariz de cinco ou seis andares.
Se ele o entulhasse, num mister diverso,
De bicha, traques, fogos populares.

Faria uma fortuna, — é incontroverso, —
Pois, naquele nariz, turvem-se os ares!
Cabem todos os traques do universo!

 

F. O.

Tem a doença do som e a fatuidade
De pensar que todo ele, fibra a fibra,
É o sonoro instrumento em que só se há de
Vibrar o canto em que o universo vibra.

No seu queixo que pesa mais de libra,
E dos pelos na escura densidade,
Pensa que o contraponto se equilibra
À harmonia da capilaridade.

Quando, às vezes, a crítica o abarba
Ele, acudindo ao exigente apelo,
Do ardor de um gênio musical se engarba.

De um filho de Esaú, a cara é o selo,
Pois nem o Padre Eterno tem mais barba,
Nem as onze mil virgens mais cabelo.

 

O "CASO" DA RUA AGUIAR

V. C. declara que fala de suas relações com C. somente para varrer a testada.

Dos festeiros de tal festa,
Eu não entendo a embrulhada.
Um deles tem suja a testa,
O outro é que varre atestada?

 

SOBRE O MESMO ASSUNTO

O estranho caso que a notícia narra
Talvez implique um caso de direito,
Novo entre nós, se for levado à barra
De um tribunal para julgar o feito.

Se a uma data de chão alguém se agarra
Tem, no “uti possidetis”, o perfeito
Domínio, sem entrave ou sem amarra,
Se por lei, de tal posse, o tempo é aceito.

Se a tal lei é extensiva, o diga a história,
E se o Direito de Família o esquece,
Os “Salpicos” lhe avivam a memória.

Perguntam eles, quase em tom de prece,
Nesta causa de coisa assim “corpórea”,
Se o "utero possidetis" prevalece.

 

TRÉGUAS

Por esta triste Quinta-feira Santa
Que é, conforme os católicos, de Endoenças,
De tanta dor e de amargura tanta,
Em beijos morrem ódios, desavenças.

Cada braço que se ergue, alto levanta,
Em fé mais viva e mais profundas crenças,
As preces que nos sobem da garganta,
E que entre a terra e os céus erram suspensas.

E é tão bom não se ouvir o hórrido grito
Da humana fera que entre os homens passa,
Como a bênção é boa a um ser maldito.

Cesse por hoje, da graçola, a ameaça!
Que o que for mau não passe o dia aflito:
Nada de graças a quem pede a Graça!...

 

TIRO... QUE FALHOU

“O fim da farsa era fintar o capitalista Oscar de Almeida Gama, que há tempos vinha protegendo ocultamente a atriz Eugênia Brazão, fazendo-o apiedar-se pelo prejuízo que ela sofreu e propor-se a repor as joias roubadas.”

(Da Rua)

Ora meu Oscar de Almeida Gama,
Você que em tudo tem mostrado tino,
Que de ativo e de esperto ganhou fama,
Foi no arrastão de um truque feminino?

Qual as armas que traz a bela dama
No "Brazão" que por certo é clandestino,
Que você, nelas, todo se derrama
Na ingenuidade incrível de um menino?

Já há pouco tempo foi você no "conto"
De um conto e tanto para a mulherzinha
Dar ao "amant du coeur" que andava pronto.

Joias, cautela, eterna ladainha!
Você marchou e agora exclama tonto:
Foi-se a cautela... e o caldo da galinha!...

 

DIA FEIO

Sexta-feira da Paixão, eu creio,
É menos feia e fúnebre, afinal,
Que este dia mais fúnebre e mais feio
Que um pau-d'água a morrer no carnaval.

Diz-me o Mário Valverde: — Não há meio
De fugir desta estupidez igual
A insipidez de que anda todo cheio
O atroz bestunto do Aurelino Leal.

Meia-noite: Até a pena se me encrava
No papel, sem poder chegar ao fim,
Presa de tédio e de canseira escrava.

Saio à porta. Olho a rua. Em torno a mim,
Corta o silêncio a voz do Vaca Brava:
— Morreu meu boi, "o que" será de mim?

 

PERVERSIDADE

Creio que o João do Norte, o mui formoso
Dono de uns olhos lânguidos, quebrados.
Esteve hoje a amargar o contragozo
De ver seus lindos dotes afealdados.

Ele que de Gustavo e de Barroso
Alia os nomes entre deputados,
Teve os seus traços de donzel garboso
Na "Época" de hoje muito mal traçados.

Esse risco só corre quem se exibe,
Pela tola mania do retrato
Que o senso evita e o pundonor proíbe.

Com João do Norte é bem diverso o fato:
— Por maldade, o Vicente Piragibe
Deu-lhe um carão de criminoso nato.

 

POISSON D'AVRIL

Não há coisa tão pulha e tão cediça
Como essa de pregar insulsa peta
A primeiro de abril. (É de justiça
Dizer que não há disso na "Gazeta").

Há quem mande anunciar que se diz missa
Por alma de quem vive. Há quem se meta
A enviar pastéis de areia ou de cortiça,
Ou do que lhe dá, acaso, na veneta.

Mas tudo isso é tão velho e tão batido
Que ninguém come do pastel funesto,
Nem ouve a missa pelo "falecido".

Um, porém, teve graça, não contesto!
Foi o "poisson d'Avril" de um "a pedido":
— O Monteirinho declarou que é honesto!

 

M. A.

É, sem tirar nem pôr, um grande jornalista.
Quando erra ou quer errar, erra com matemática.
Faz uma escaramuça e o jogo salta à vista
Mas não há quem resista à formidável tática.

Torce algebricamente a verdade e conquista
O aplauso até de quem tenha traquejo e prática.
Sei-o mesmo por mim que, apesar de trocista,
Nunca deixo de o ler (restrições à gramática).

Mas, em arte, Jesus! Nem se aproveita a cinza.
Como crítico é igual aos outros. Deixa o suco
E, fibra a fibra, toda a bagaceira espinza.

Todo o crítico é assim, mais ou menos, caduco.
Sendo em arte incapaz, na obra alheia é ranzinza.
— O crítico, em geral, é uma espécie de eunuco.

 

O. D. E.

Este é o ranzinza-mor, porém no bom sentido.
Monta guarda à pureza e à precisão do idioma.
É o espectro do imbecil, o horror do presumido;
Contra ele a arraia miúda o ódio que tem não doma.

Geninhos da Garnier, geniões de ar sucumbido.
Poetinhas de salão, poetarrões de redoma
Que deturpam a língua, ai deles! é sabido:
O cacete é aforismo e a cacetada é axioma.

Mas este foge à lei (que aliás é conceituosa)
De que a crítica faz só aquele que, perverso,
De produzir, o orgulho e a delícia não goza.

De pena o bico atroz, no vernáculo, imerso,
Se a sabe esmerilhar, sabe polir a prosa,
Se o sabe criticar, sabe compor o verso.

 

GALERIA

" Bom amigo e senhor doutor Prefeito:
Por intermédio desta Galeria
Nós requeremos, com o maior respeito,
Toda a atenção de Vossa Senhoria.

Não queremos vender bolo e confeito
Aos domingos, depois do meio-dia.
Esse favor pedimos seja feito
Aos empregados de confeitaria."

São os termos do tal requerimento
Que apanhamos, assim a largos traços,
Sobre a eterna questão do fechamento.

E como a ideia é boa, mil abraços
Recebam os rapazes, num momento,
E, com eles, o ilustre doutor Passos.

 

PANTEÃO DOS SATRAPINHAS

Curitiba — Um de março — Nota urgente.
Panteão dos Satrapinhas. Eu proíbo
Esse deboche tão irreverente,
De me chamarem lá, chefe da tribo.

Cá por mim eu nem era presidente;
Mas o Vicente segurou no estribo,
Então montei, mas não estou contente.
E entrego esta quitanda sem recibo.

Não gosto dessa história de retrato,
Este pensar, já sabem, vem de longe,
Sou inimigo de todo o espalhafato.

Quero ao Bormann passar, que é o nosso Cronge,
As rédeas do governo, e desbarato.
— Doutor Xavier da Silva, vulgo Monge.
 


V. R. J.

Desterro. Vinte e quatro. Está paga a resposta.
Renato do Panteão. Quero que te avantajes
Traçando o meu perfil e a figura bem posta
Dentro dos meus marciais e complicados trajes.

Quanto ao moral, nem... pinto. E o que mais me desgosta.
Anda-me cá um credor a dirigir ultrajes.
Quem me há de vingar é o bom Caetano Costa,
Eu que sou o mais completo e ultriz filho de... Lages.

Chamam-me conselheiro Acácio em Seca e Meca
(Está visto que só os que me querem mal)
Mas eu conseguirei lhes dar uma sapeca.

E me assino sem mais, amigo et coetera e tal,
Presidente Vidal Ramos Júnior, Careca,
Tenente-coronel da Guarda Nacional.

 

O BONIFRATE

Dizia Hugo que Napoleão Terceiro,
Era o Estado terciário de tal nome.
Em tal estado aqui, certo mineiro,
Certo apelido que é imortal consome.

Mas este, de tal fama agora herdeiro,
Nem só de glória sente sede e fome:
Cava como qualquer politiqueiro,
Embaindo a quem quer que a sério o tome.

De ar sisudo, solene e perna bamba,
Numa circunspeção de novo Acácio,
Tem os pés para dentro em ar de samba.

O irmão, ao ver-lhe o aspecto paponácio,
Grita orgulhoso: — Que esplendor, caramba!
É mesmo um Zé com muito Bonifácio!

 

B. DE M. 

Porto Alegre — Urgentíssimo —Saúde
E Fraternidade. Ordem e Progresso.
Viver às claras é a maior virtude
Nosso governo. (O nosso bem expresso.)

Digo nosso porque, por mais se mude
De governo, de juízes, de congresso,
Por mais que aqui o poder tenha amplidade,
Sem a senha Castilhos não há ingresso.

Santo Antônio, São Braz, Santa Matilde
Cá não chegam nem como forasteiros,
O Rio Grande à nossa fé está humilde.

Do Júlio acima, só há dois luzeiros,
Santo Augusto e a imortal Santa Clotilde.
O presidente, Borges de Medeiros.

 
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POEMAS ESPARSOS
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DEDICATÓRIA
(Numa página de livro)

Não fora o medo de uma rima em igre.
E, nela, eu moldaria este soneto.
Mas vejo o caso preto, mas tão preto,
Que a própria tinta preta mais denigre.

Eia! Alma à larga! O medo, dela, emigre
Pois lá acima, já está, pronto, um quarteto,
E eu creio bem que, dando um tom faceto,
Alcanço um D. Xiquote e amanso em tigre.

Bem! Vou ver se consegue este terceto
Que o verbo "denigrar" para ele imigre
(O "denegrir" já foi metido a espeto).

Que um não denigra e que outro não denigre
A intenção de ofertar este folheto
Ao talento sem par do Bastos Tigre.

Um tal caso me foi contado a sério
E tanta graça nele achei, mas tanta,
Que não guardo segredo nem mistério
Como pede um amigo do Marroanta.

Este, cedendo do desejo ao império
De conhecer a tal mulher giganta,
Procurou com cautela e com critério
Ver de perto a Abonah que às mais suplanta.

Ergo o entusiasmo quanto posso. Alcance-o
Quem o quiser e, dele, à altura suba,
Conforme diz o nosso amigo Amâncio.

Só sei que disse sacudindo a juba:
Bela, para mulher do Henrique Câncio
Ou para proa do Comandutuba!

 

À recepção do Palácio do Catete, deixaram de comparecer todos os civilistas, mesmo os que foram especialmente convidados pelo eminente Dr. Nilo Peçanha.

(De uma notícia dos jornais)

Ora pipocas! Esse estranho caso
Tão debatido, das candidaturas,
Obriga os homens, pondo tudo raso,
Aos mais tristes papéis e às más figuras,

Tão descabido e insólito devasso,
Certo, merece as expressões mais duras,
Pois nos dá provas do evidente atraso
Do bom-tom nas políticas alturas.

Levar às grosseria o fanatismo,
Entre gente de boa sociedade.
Chega a ser atestado de idiotismo!

Ninguém conhece esta disparidade:
Um tal excesso assim de "civilismo"
Com tanta falta de civilidade!

 

A Argentina faz da nomeação do Dr. Zeballos para o Congresso Pan-americano, uma questão de honra nacional.

(Da Prensa)

Nada de raivas, ódios e rancores
Contra as provas de afeto da Argentina,
Que para nos livrar dos dissabores
Escolhe um estadista papa-fina.

Da vizinha, entre os grandes oradores
Nenhum existe que melhor defina
Num congresso qualquer os seus amores
Por estes "macaquitos" que ela ensina.

Rebadalando vinte mil badalos
Para mostrar-lhe quanto está contente
Deve o Brasil, à língua, dar estalos.

Além disso, a Argentina (isto é eloquente)
Se a tal congresso, manda um tal Zeballos,
Prova que ela, coitada! — não tem gente.

 

"O Sr. Érico Coelho, impressionado, naturalmente, com o escandaloso desenvolvimento do jogo nesta capital, apresentou, ontem, à Câmara, um projeto de regulamentação deste vício.
.........................................................................................................................
Não cremos que o projeto mereça parecer favorável da respectiva comissão e muito menos aprovação da Câmara."

Tenham paciência, amigos do Correio!
Esse caso está torto, torto, torto,
E, desta vez, vocês fizeram feio,
Mas um feio, mais feio que um aborto!

Eis a verdade: lá que não há meio
De ver, por uma vez, o jogo morto,
Tire-se dele, ao menos, o custeio
De asilos para os que não têm conforto.

Zarpar o pão de Açúcar barra fora,
O Paranapiacaba ser fedelho,
Ver o Monteiro Lopes cor da aurora.

É mais fácil que, em jogo, ouvir conselho!
Logo, se os vícios, o vicioso adora,
Pague os vícios, e: Viva o Érico Coelho!

 

Vindo do Sul chegou ao Rio de Janeiro o Sr. Oito Muller, maquinista alemão que mede a bagatela de 2m25 de altura! É um homem ruivo e sardento e muito possante apesar de magro.

(Dos noticiários)

Foi-se a Abonah de colossal memória
Que, andando, percorria todo o espaço
Que vai da Lapa até o jardim da Glória
No simples movimento de um só passo.

O que a tornava ainda mais notória
Era a cor do seu couro escuro e baço
Enquanto que o Teotônio passa à história
Pela cabeça fulva de mormaço.

O vácuo que ela deixa está preenchido
Pelo tal alemão que, se não erro,
Dos homens é, no mundo, o mais comprido.

Ao vê-lo ruivo e magro, ouve-se um berro:
Deste, o Lopes Trovão é o pai querido
E a mãe é a cábrea Marechal de Ferro!

 

I
Apesar de ser longo, amplo e brilhante,
Acho que o manifesto foi omisso
Num ponto principal e que por isso,
O civilismo está periclitante.

Mestre Rui, quero crer, está confiante
No "preparo" e no mágico feitiço
Do seu verbo flamívomo e castiço
Que põe sempre o auditório delirante.

Mestre Rui, saiba entanto que, auditório
Quando, depois de ouvir, calmo sereno,
A frio o exame faz do palavrório,

E entra, dos preparados, no terreno,
Prova melhor que o tal Laboratório
Que até nos mais inócuos há veneno!

II
Além disso, outro caso aqui se impunha
E era: "Confiar, mas sempre desconfiando",
Porque, no teatro, a enchente vai à cunha,
Porém, nas urnas, se dispersa o bando.

Mulher não vota: assiste, é testemunha.
Ora, mostrar a esmola não n'a dando.
É coisa que, por ter tão forte alcunha,
Não n'a registro em verso frouxo e brando.

Depois, o eleitorado em sua essência,
Se é preparado, briga, e, se é tranquilo,
Porque lhe falta o estímulo da ciência,

Vota e não quer saber disto ou daquilo:
Não pesa toneladas de eloquência
Nem quer medir quilômetros de estilo!

 

"... porque vêm de longe as cenas de selvageria nas eleições do Rio de Janeiro, entendem alguns que nos devemos conformar com esse estado de coisas, renunciando a qualquer tentativa de reforma".

GIL VIDAL

Enquanto o voto, que é função de crítica
Alta função do senso e da moral,
Da inteligência lúcida e analítica,
For exercido por qualquer boçal,

Hão de rir os patifes da política
Que ensanguentam esta capital,
Explorando a ilusão fasa e jesuítica
Do estafado sufrágio universal.

Por isso ó caro Gil Vidal, emprega
O teu talento e a tua sã razão,
A ver se se transforma esta bodega.

A não ser isso, faça-se a eleição
Para evitar depois o pega-pega,
No local apropriado: a Detenção...

 

... afinal as iniciais — R.B. — estavam incompletas; faltava um P., pois o catafalco visto pelo novo profeta era o do Coronel Rodolfo Pau Brasil, cujo falecimento deu-se há exatamente trinta dias.

(Dos jornais)

O R.B. da sinistra profecia,
Coitado! — era o Rodolfo Pau Brasil,
Que, com tanto saber, não saberia
Prever exploração tão baixa e vil.

Ninguém, melhor que nós o conhecia:
— Dentro daquele bojo de barril,
Vivia ao lado da sabedoria,
A alma do homem mais fino e mais gentil.

Poliglota estudioso, destro e terso,
Nunca teve na vida, um gesto mau!...
Velho, era ingênuo qual saiu do berço!

Morre e um malandro que dá aos mais quinau,
Vem retirar-lhe, ao nome, o médio terço
De que precisa para o lombo: — o Pau!...

 

A propósito do ato do Sr. Ministro da Viação, tomando providências no sentido de designar os nomes das Estações da Estrada de Ferro extraídos da nossa flora e fauna A República publicou: "Assistimos no Paraná a anomalias trazidas pelas companhias de São Paulo, Rio Grande e São Francisco a Iguaçu, com as mudanças de denominações a locais que o tempo consagrará, para nomes de engenheiros, Ministros, chefes de turmas e até de judeus capitalistas. Acrescenta aquele jornal que ser mudado o nome da estação de Ponta Grossa para o de Roxo de Rodrigues foi o cúmulo."

(Telegrama de Curitiba)

I
Gaston d'Argy não faz engrossamento
Nem conhece o Doutor Francisco Sá.
Mas, no elogio tem contentamento
Quando, nos casos, qualquer caso está.

Bela ideia! E tem todo fundamento!
Venha, em vez de Calmon "Jacarandá!"
"Arara" tem, muito mais breve assento
Que Calógeras, Muller ou Serjat.

Dar à bela região de Ponta Grossa
Do Roxoroiz o nome áspero e cru,
Só por enorme, formidável troça!

Ó Roxo de Rodrigues! Queres tu
Ficar na ponta, para quem te engrossa?
Eu te aconselho a Ponta... do Caju!

II
Mudo de ideia e de princípio agora,
Como a Jacarandá, muda o Calmon,
Porque, afinal, por este mundo afora,
Atualmente, engrossar é do bom-tom!

Engrossar é a função que mais penhora
E a chaleira, a ferver, dá o belo som,
De um turíbulo em que a vaidade mora
Como diz certo amigo do Fon-Fon!

Engrossemos, portanto! A coisa é boa,
Pois da Copacabana até o Pharoux,
Desde a Praia Pequena até a Lagoa,

Do alto do Corcovado ao Cabuçu,
Por toda parte, enfim, cresce e reboa
O humorismo imortal do Sans-Dessous.

 

"O Sr. Ministro da Agricultura mandou que o Sr. Augusto de Azevedo Marques sele o requerimento e documentos pedindo subvenção, doação de máquinas agrícolas e dinheiro para o Burgo Sociocrático de Bail, que fundou em Aparecida, etc."

(D'O Paiz)

Tal bendengó não peca por modesto.
Azevedo não quer meia porção;
Marques quer tudo, tudo e mais um resto,
Não aceitando o pouco que lhe dão.

No erário avança com tão largo gesto,
Tão longo braço e tão crescida mão,
Que o mundo inteiro geme num protesto,
Comprimido nas garras da ambição.

Mas não compreendo do ministro os zelos,
A implicância que chega a ser teiró
Não deixando arrancar couro e cabelos.

Por pouco, o Marques, apertando o nó
Não pediu logo, previamente, os selos
Para selar aquele bendengó!...

 

"O Dr. Barbosa Lima diz, em seu magistral discurso, que se é levado a perguntar, em relação a alguns membros da Assembleia Fluminense, se são homens públicos ou mulheres públicas."

(Pingos e Respingos)

A que estado chegaste, nobre terra,
Dos Itaboraís e de outros tantos,
Que impuseram por todos os recantos
Da pátria, a glória que o teu nome encerra!

Da fecunda planície à feraz serra
A riqueza estendia régios mantos,
E transformava, em mágicos encantos,
A política audaz que hoje te aterra!

Recinto augusto! Berço da áurea herança,
Dos estadistas de mais raro brilho,
Que o teu passado tenhas na lembrança!

Do contrário, ouvirás, sempre, o estribilho
De quem, odiento, a pecha assim te lança,
De que, em vez de assembleia, és conventilho!

 

PROFECIAS... PROFECIAS...

Quem quer na própria terra ser profeta,
Basta ouvir as lições do Monjardim,
Porque se o cabra é caradura ou poeta,
Em breve alcança o desejado fim.

Diz o Monja que o público é pateta
E a prova do que diz, falando assim,
É que temos a imprensa toda inquieta
Ante o que afirma qualquer malandrim.

Mas é preciso que esta coisa finde,
Que a exploração acabe de uma vez
Pois de profetas o Brasil prescinde.

E se R.B. sofrer algum revés,
Ao mágico a polícia faça o brinde
De uma data espaçada de xadrez.

 

"O governo deu plenos poderes ao Dr. Júlio Furtado para as obras de ressurgimento do Parque da Boa Vista que há anos se acha em deplorável estado de abandono".

(Dos noticiários)

Bendita sejas, doce primavera
Que ideias tais prodigamente espalhas,
Da governança na cachola austera!
— Vens corrigindo da rotina as falhas!

Ora, afinal de contas! Quem me dera
Louvar sempre, nas míseras Mortalhas
De coração aberto e alma sincera,
Tudo que, da censura, foge às malhas!...

Do Nilo quase acaricio o rosto!
O régio parque outrora decantado,
Dir-se-ia que, também, fora deposto...

Um bravo! a quem, num gesto alevantado,
Confia essa grande obra ao fino gosto
E ao saber do Doutor Júlio Furtado...

 

"Frei Cirilo, de São João d'EI-rey, não deixava deter razão, querendo excomungar Nina Sinzi. Ele é que estava com a boa tradição."

(M. A., Gazeta de Notícias)

Não é caso por certo, para espanto
Que Frei Cirilo, como qualquer frade,
Se insurja contra o feminino encanto
Que lhe perturbe o cheiro à santidade.

Qualquer frade, compondo ares de santo,
Que é um poço de virtude e castidade
Afirma sempre, e muito bem, porquanto
Ninguém sabe da missa nem metade.

Jura, por Deus, que toda a saia o aterra
Implorando castigo as mãos estende,
Urra, ruge, relincha, ronca, berra!

Porém do fato o que ninguém compreende
É que se tenha dado — onde? — na terra
Do padre Severiano de Rezende!...

 

"No edifício do Largo da Mãe do Bispo estão funcionando dois Conselhos Municipais."

(Dos noticiários)

Certo "pau-d'água" que um pifão tremendo
Tomara, tudo em duplicata via
E assim, de dupla vista um poste vendo:
"Tão perto um doutro, dois lampiões" dizia.

— "Mas eu por pouca coisa não me prendo;
Vamos! o centro deve ser meu guia!"
Avança e a testa ao poste em choque horrendo
Bate: "Deste do meio eu não sabia!"

Ao contribuinte que anda meio tonto
Por tanto imposto que lhe cai no pelo
Apliquemos agora aquele conto.

Na duplicata do Conselho, é vê-lo
Ir pelo meio a ver se escapa e pronto,
Passa entre os dois mas cai no Serzedelo!

 

"Ao entrar na repartição, o Sr. Dr. Tosta foi recebido festivamente pelos empregados, que atiraram sobre sua excelência pétalas de rosas e de flores."

(De uma notícia)

Pego alegre também no enorme bico
Da chaleira postal do Doutor Tosta.
Ele galgou da fama o extremo pico,
Da Reforma trepando a rude encosta.

Pudesse eu e lhe dava um mimo rico,
Indagando de que é que ele mais gosta;
Mas não entendo e surpreendido fico,
Ante a reforma vegetal imposta.

Desde Plínio, o Antigo, a De Candolle
Desde Frei Leandro até o Doutor Barbosa
Rodrigues, e até, deste, à sábia prole,

Que se diz ser a rosa flor famosa
Mas hoje, que a botânica se amole
Pode ser tudo menos flor a rosa!...

 

Já?... Sabemos que o Sr. Inspetor Geral das Obras Públicas pediu ao Sr. Ministro da Viação e Obras Públicas autorização para mandar proceder à obra de reparo de que precisa urgentemente o Pavilhão Monroe.

(De uma “vária” do Jornal do Comércio)

"Já!" Pergunta o Vovô. — Pergunto, "ainda?"
Ainda há quem gaste com tal monumento
De colunas, floresta que não finda,
Prática má de um teórico talento?

Que o erário público, afinal, prescinda
De gastar mais vintém nesse portento,
Piece-montée, de clara de ovo, linda
Batida a açúcar para casamento.

Gateau soberbo de confeitaria
Nele já se gastou, ninguém diria,
Uma fortuna, por capricho fútil.

Quando sobre ele, o meu olhar assesto
Vem-me à lembrança um certo manifesto:
Grande, enorme, solene, mas... inútil. 

Era uma vez um cão inteligente
Que aos pés do dono, quieto, ressonava
Mas que fez escapar subitamente
Ruidoso gás que à tripa acumulava.

Compreendendo quanto era inconveniente
E que o próprio dono por isso o castigava
Ao próprio rabo mostra afiado dente
Dando à cara expressão severa e brava!

Da Argentina a imortal diplomacia
(Eu desta descoberta aqui me gabo)
No tal caso do Chile assim dormia!

Mas coitada! — foi mesmo obra do diabo;
Acorda e, vendo a rata que fazia,
Vira o focinho e rosna ao próprio rabo! 



A Prensa, irritada com o "rabo de arraia" que levou, etc., etc.

(De um telegrama de Buenos Aires para o Jornal do Comércio)

Deus me defenda de pensar, de leve,
Em faltar o respeito ao venerando
Vovô da imprensa, muito menos, quando,
É papai apesar da muita neve.

Todo rapaz que nos jornais escreve,
Quem trilha o trilho que aqui estou trilhando,
Acatamento e reverência deve,
Aquela voz já exausta de comando.

Grave, sério, sisudo e até sombrio,
Nunca andou de vadiagem, à gandaia,
E sempre foi, no maior fogo, frio!

Mas agora, esse tal "rabo de arraia"
Que nos cheira a telégrafo sem fio,
Se não é troça, está pedindo vaia!...

 

I
"A Detenção e o Hospício Nacional de Alienados são as provas mais frisantes das devastações que o álcool vai produzindo entre nós."

(De uma carta do presidente da "Associação antialcoólica do Brasil" à Gazeta de Notícias)

A leitura do tópico tremendo
A lembrança me trouxe uma anedota
Velha, tão velha quanto aquela bota
Que era toda o Larousse do remendo.

Certo alcoolista, um sábio artigo lendo
De um médico alemão de grande nota
Contra o álcool, diz em compunção devota:
"Como ele prova quanto o vício é horrendo!"

E acrescenta: "A verdade em mim desperta!
Eu não quero pelo álcool cair morto,
Vou dizê-lo bem alto e de alma aberta!

Tal leitura me traz tanto conforto,
Que vou beber saudando a descoberta
Três garrafas de bom vinho do Porto!...

II
"Certamente os sócios da Liga contra o álcool beberam apenas refrescos frapées, mas o resto da população engorgitou litros, barris, tonéis de cerveja."

(Editorial da mesma Gazeta de Notícias)

Viram? O caso até parece peta!
Quem leu acaso, ao lado, o outro soneto,
Vê que comigo, está fazendo um dueto
A séria e severíssima Gazeta.

Se de um lado, lhe veio hoje à veneta
Mostrar do vício o fúnebre esboceto,
De outro lado vai dando, em tom faceto,
Reclame à clara, à escura, à mista, à preta!

É que não tem razão a velha rixa
De quem, às claras, bebe por capricho,
Com quem, ocultamente, escorropicha:

Do barril de bom chope, ao claro esguicho,
Depois de salgadíssima salsicha,
Deixem lá que é bem bom matar o bicho!...

 

CONTO-DO-VIGÁRIO ÀS AVESSAS

Passou-me o Altino o conto-do-vigário...
Tudo o que dele meu ouvido ouviu
Antes de ouvi-lo, ouvindo-o era um rosário
De estofados chavões ao desafie.

Medíocre, enfatuado, autoritário.
Gosta ele de humilhar o alheio brio,
Diziam, apesar juízo contrário
De Sousa Dantas e do João do Rio.

Tinha, centra ele, atrás da orelha a pulga:
Assim faz quem palmilha errada pista
Ou leis alheias, sem as ler, promulga.

Mas hoje, por direito de conquista,
Tem a minha opinião que, calma, e julga
Um perfeito arcabouço de estadista.


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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2023.

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