3/07/2023

Poetas esquecidos (Antologia), de Iba Mendes


POETAS ESQUECIDOS



FATALIDADE!
(Diocleciano Davi César Pinto, 1856)

Vinde, vinde, oh feiticeira,
Que de amor me fascinaste
Corre lança-te em meus braços
Que de amor tu me mataste!

Ai! não tardes linda fada!
Vem dar-me um abraço teu
E depois um doce beijo
Vinde, vinde anjinho meu!...

É somente o que te peço
Um abraço... um casto beijo!...
Mas tu coras, fugir queres...
Tu não falas! é de pejo?!

Vai-te ingrata que fugiste.
E disseste “não dou não”
Vai-te ingrata, que contigo.
Tão bem vai meu coração!

 

O SOLITÁRIO
(Diocleciano Davi César Pinto, 1856)

Que fazes aí, mancebo,
Tão tristonho a suspirar?...
Perdão se a tanto me atrevo
De teus males indagar.

Meus males?!... são bem funestos
São funestos de matar;
Os meus dias assaz mestos
Passo constante a penar!

Noutro tempo poderoso,
Agora! não mais que um pobre...
O meu pranto caudaloso
Rega o fato que me cobre!

Oh! sim, já fui poderoso,
Imperei em peito amante,
Tive — um sólio majestoso
Sob um coração constante. 
A fada mais bela amava,
Feliz era a minha estrela,
Porque um anjo me adorava,
Não tinha que dizer dela.

Perdi esse império mago,
Que fascinava minh'álma,
Libo agora amargo trago
Da saudade, já sem calma.

Guerra atroz lhe declarou
A parca até que venceu,
Aos seus golpes expirou
E na terra a escondeu!...

Vês ali aquela vargem?
Aos mortos é dedicada;
É onde repousa a virgem
Pela parca derrubada.

Seu túmulo hei de guardar
Constante, de noite e dia,
E por ela hei de rogar
Ao toque da Ave-Maria.

Par mim sua lousa ornada
Foi de boninas agrestes,
E de saudades cercada,
Com numerosos ciprestes.

Quando à noite a suspirar
Em sua campa recostado,
Com tristeza a recordar
 — O meu aurífero passado;

Até que o som revoar
Sinto com meiga brandura
Da meia noite a orar
Gorro pela virgem pura.

Então mil larvas deviso
De suas campas surgir,
Que com estrondoso riso
Vejo-as no ar se sumir!...

Ouço então tristes gemidos
Pelo recinto a vagar,
Vejo um anjo! Seus vestidos
Traz magamente alvejar!... 
Sua fronte mui singela
E meiga, volve pra mim,
Reconheço!... é sombra dela
Que vejo, aquela hora assim!

Seu rosto resplandecente
Cobre então com negro véu.
E com pranto concernente
As mãos ergue para o céu!

Abrem-se os astros brilhantes,
Áureas nuvens aparecem,
E cercando-a fulgurantes
Com ela desaparecem!

Após vem sono pesado,
Que as minhas pálpebras cerra,
Trêmulo, caio prostrado
E sem forças sobre a terra!

Acordo, já doura o sol
Altos cumes elevados,
Entre o mágico arrebol
Reinam arbustos dourados.

Jurei-lhe de ser constante,
Até suas cinzas guardar,
Sobre a campa a cada instante
Ao Deus por ela rogar!

Até que me feneça a vida
Nesta lida levarei;
Foi ali naquela Ermida
Que este juramento dei!

Adeus bom homem honrado,
O toque da Ave-maria
Já lá soa, compassado,
E meu dever anuncia!

 

O PROSCRITO
(Diocleciano Davi César Pinto, 1856)

Quem és tu proscrito que triste vagueias
Em plagas estranhas sem ter um jazigo?
Com feras só vives no seio dos montes
Só antros escuros te servem de abrigo?!

Por serras e vales ecoara teus gritos
|São cheios de raiva, tão cheios de dor!
Sorrir-se não sabem teus lábios mirrados
No peito só sentes cruel amargor!...

Maldito!... maldito!... bradando lá grita
O povo na aldeia de ti a fugir!
Os velhos tremendo se benzem ligeiros...
Até que te vejam nos bosques sumir!...

Quem sou? que te importa?! dizê-lo não posso?
Não posso do peito os segredos contar!
Segredos amargos constante ele guarda...
Que ao túmulo somente pretende levar!...

Que importa da turba ufanosa o desprezo?!
Que importa do mundo a falaz ilusão?...
Aqui nestas plagas, sou livre, sou rei,
O mundo só paga com dura traição!

 

UM BEIJO
(F. Gonsalves Braga, século XIX)

Um beijo... nada mais.

Espronceda

A vez primeira que avistei-te, oh virgem,
Tu foste a origem de um amor sem fim:
Teu lindo rosto, para o céu voltaste,
Depois me olhaste para sorrir pra mim.

Falei-te, e as horas que passamos juntos
Deram assuntos para amorosas falas:
Era de noite, — refletia a lua
Na face tua, as refulgentes galas!

Então me olhavas com teus olhos belos,
Por teus cabelos raramente ocultos:
Ergui meus olhos, fascinei-me ao ver-te,
Jurei render-te meus amantes cultos.

Tu me apertas-te nos teus níveos braços,
Seguros laços de um amor sem fim;
Eu disse-te: “Amas-me meu anjo lindo?”
Inda sorrindo me disseste “sim”?...

Senti no peito tal prazer, ouvindo,
Meu anjo lindo, a confissão de amor,
Que arrebato, tentei dar-te um beijo,
Mas logo o pejo produziu temor.

Tu que sentiste o meu desejo ardente,
Que de repente a timidez matou,
Deste-me a face, desprezando o pejo,
E o meu desejo, se cumpriu... soou!...

Soou com ele o campanário ao longe,
Por mão de um monge, mau sinal nos deu: — 
“Adeus” disseste, “Meia noite é dada.”
Fugiste oh fada, e meu amor, — sofreu!

Inda a seguir-te me atrevi: — meu peito
A amar afeito estremeceu — cai — 
Para lembrar-me o coração batia,
Pois me esquecia que para amar nasci! 



AMORES
(M. Leite Machado, século XIX)

É noite tão linda
Tão linda de encantos,
Que inspira meus cantos
Com doce primor,
A brisa que passa
Faltando de amores.

Diz ela segredos,
Segredos fagueiros,
Que vem prazenteiros
Eulina lembrar,
Fazendo por ela
Suspiros soltar!

Quisera pensando.
Pensando só nela,
Tão linda tão bela,
Tão bela sem par,
Trabalhos da vida
No mundo olvidar.

Feliz eu seria
Nos ternos amores,
Qual belas flores
Em seu despontar,
Mui castas e puras
Sem nunca murchar.

 

DESPREZO-TE
(Antônio Xavier Rodrigues Pinto, 1856)

Não intentes, mulher ardilosa,
Teu despeito no riso encobrir;
Não intentes com falsa modéstia
Os que te veem talvez repelir.

Não intentes, mulher ardilosa,
Com teus risos em mim imperar,
Não intentes fazer-me esquecer
Que teus risos sei bem desprezar.

Não intentes, mulher ardilosa,
A virtude mostrar que não tens;
Não intentes calcar teus preceitos
Com teus frios — soberbos desdéns.

Não intentes mulher, tão vaidosa,
Com a vaidade somente reinar;
Teus encantos são falsos — mentidos,
Teus encantos sei bem desprezar.

 

O ÁLBUM
(Antônio Xavier Rodrigues Pinto, 1856)

Sé nesta folha perdida
Alguém meu nome encontrar,
Se esta flor tão ressequida
Alguém quiser apanhar,
Temo muito que depressa
Desta folha se despeça.

Pediram-me um Canto subido
A mim, que não sei cantar,
A mim, que vago descrido
Entre às turbas a chorar,
A chorar, porque perdi
Há muito quanto queri.

Entre estas viçosas plantas
Que vai a minha fazer?
Entre as flores... ai são tantas
Que vai a minha dizer?!
A minha, que participa
Dessa dor que mortifica

Pobre, e triste, mas nascida
Do coração, ei-la aí;
Se é para mim tão querida
Sê-lo-á também para ti,
E a sós dirás contigo
Ela me vem dum amigo.

 

DESENGANO
(Antônio Xavier Rodrigues Pinto, 1856)

Pedes-me, mulher, um canto
Que te exprima o amor santo
Que eu outrora alimentei;
Pedes um canto subido,
Um canto todo sentido;
Mas cantar não saberei.

Tu matastes a poesia.
Que na mente refletia
Quando a sós pensei em ti;
Quando eu via a minha estrela
A brilhar no céu mui bela,
Essa estrela que segui.

Ah! Incauto!... horas inteiras
Doces esperanças, fagueiras
A formar então passei,
Quando entregue a doces sonhos
Se desusavam risonhos
Os dias que então gozei!

Eu devia essa esperança fagueira
Para sempre no olvido lançar;
Eu devia, mulher traiçoeira,
Vis manejos, cruel, exprobrar.

Eu devia jamais doces cantos
Por tua causa na lira tanger;
Eu devia só cantos pungentes
De ironia, cantar, oh! mulher!

Mas a lira obedecia
À doce melancolia,
Melancolia sem dor;
Pois que esse sentimento
Me levava doce intento
Embalado em meu amor.

Inda vens com teus sorrisos
O passado, me lembrar
Inda vens dizer-me como
Poderei, mulher, te amar?

Mas teus sorrisos são falsos,
Nada podem sobre mim,
E depois dum desengano
Imperar não vens assim.

Vai-te pois, teus juramentos
Esquecê-los saberei
As promessas que fizeste
Já de todo as olvidei.

Foi um triste desengano,
Mas em mim rigor insano
Doravante encontrarás;
Hei de o ser teu juiz,
Pois que a sorte assim o quis...
Ai! mulher... perdida estás!...

 

ÚLTIMO CANTO
(Antônio Xavier Rodrigues Pinto, 1855)

Ainda quero um triste canto
Entre suspiros e pranto
Neste dia te ofertar,
Inda quero esse passado
Tão depressa desusado
Mais uma vez recordar.

Seja a última, esqueçamos
O que outrora ambos juramos,
E que algum de nós cumpriu;
Não por mim, tostes amada
Se é possível — idolatrada,
Até que a ilusão se esvaio.

Mas não é com a lembrança
Deste dia, que a esperança
Pôde de novo voltar;
Não te iludas, dele após
Não há mais os santos nós
Que impediam perjurar.

Nada mais há que um vestígio
Desse soberbo prestígio
Que a teu nome anda ligado;
Em memória deste dia
Cedo-te o resto, Maria,
Perdoe-me Deus o pecado.

 

A BORBOLETA
(M. Leite machado, 1856)

Borboleta feiticeira,
Por que vens aqui pousar,
Tens a caso algum segredo.
Que me queiras vir contar?

Vem dizer-me se brincaste
Com Eulina em seu jardim;
Me falai toda a verdade,
Dizei não, ou dizei sim.

Se de leve nos seus dedos
Tão mimosos te apertou,
E depois mui meigamente
Livremente te soltou.

E a vaidosa borboleta
Escutou o rogo meu,
E depois erguendo o voo
Mal apenas respondeu:

Iludido sois, mancebo,
Buscai Eulina esquecer,
Que tereis um desengano
E vos pode enlouquecer.

Ela é falsa, muito falsa,
Não vos pode pertencer;
Fugi, pois ao precipício
Se não quereis lá morrer.

Foi este o fatal segredo
Que sem medo revelou;
E depois abrindo as asas
Velozmente se ocultou.

Vai-te, vai-te, borboleta,
Para bem longe, vai sim;
Que teu segredo maldito
Não o quero para mim.

Fiquei triste, ai bem triste,
Na borboleta a pensar,
E em segredo tão nefando
Sem poder acreditar.

Desde então nunca segredos
De ninguém eu quis ouvir;
Por temer que me quisessem
Qual borboleta mentir.

 

PORTUGAL
(J. Augusto Da Silva Guimarães, 1856)

Minha terra é a imagem
Do celeste Paraíso;
É de Deus Onipotente
O mais brilhante sorriso.

É um solo abençoado,
A Pátria aonde nasci,
As belezas que ela encerra
Noutra parte inda não vi.

Tem cidades mui formosas,
Tem campinas deleitosas,
As frutas são saborosas
Como mais não podem ser;
Produz plantas para tela,
Tem o vinho e a canela,
Lá se escuta a Filomela
Pelos bosques a gemer.

Tem um céu onde as estrelas
Fulguram sempre mui belas,
Tem a lua que como elas
Brilha mais que em outra parte
Tem seus campos plantados
De trigos bem semeados
Por pastores amestrados
Nesse fértil ramo de arte.

Tem Coimbra, que tem dado
Ao mundo povo ilustrado,
Tem esse Porto abastado
Pelo comércio que faz;
Tem Lisboa a graciosa,
Cidade rica e formosa,
Cuja barra deleitosa
Ao mundo franqueia em paz.

Tem os seus templos sagrados
Que já dos antepassados
A nossos avós legados
Atestam sua grandeza;
Tem um nome engrandecido,
Respeitado e mui temido
Para aquele que atrevido
A quer forçar à baixeza.

No comércio, nação forte,
Espalha do sul ao norte
Navios de grande porte
Com produtos sem igual.
A minha Pátria é sagrada,
Pelos céus abençoada
Em todo o mundo é cantada
Minha Pátria — Portugal. 
Quero muito à minha Pátria,
Bela Pátria onde eu nasci,
Por que as belezas que encerra
Noutra parte inda não vi.
Deus permitia que inda veja
Minha Pátria um só momento,
E tranquilo no seu solo
Tarde chegue o passamento.

 

MEUS SUSPIROS
(A. C. da C., século XIX)

Nem suspirar eu sábia
Antes de te conhecer, — 
Depois que vi teus encantos.
Sei suspirar, sei morrer. — 

(C. P.)

Quando te ouvia cantar
Doce emoção eu sentia,
Era então mais venturoso,
Nem suspirar eu sabia.

Logo que vi teus encantos
Senti minh'alma sofrer,
Já não era como outrora
Antes de te conhecer.

Desejando sempre ver-te
Eu vivia sempre em prantos,
Lamentei a minha sorte
Depois que vi teus encantos.

Desde já, oh! quanto sinto
Meu coração padecer,
Agora sou infeliz,
Sei suspirar, sei morrer

 

MEDITAÇÃO
(Joaquim Félix F. E Souza, 1856)

Tudo perdi no mundo... e agora triste
Só libo amarguras
São sonhos mentidos de outrora
Que diziam venturas.

Quanto é grato oh meu Deus, pelo silêncio,
De uma noite sombria o meditar,
Fugir aos vãos prazeres que nos cercam
As turbas das cidades aonde fervem
As orgias, o orgulho, a pompa e tudo
Que há devasso na vida entre fulgores.
Acompanha-me assim, querida musa
Deixemos a cidade, e ao bosque umbroso
Iremos meditar; oh! quanto é doce
Recordar dos amores as saudades
Que inda outrora anelava quando forte
As vigorava em tua ausência cheio
De esperanças ternas; quanto e belo
Da lua contemplar o argênteo globo
Por instantes oculto em outros limpo
Mil cristalinos raios refletindo
Aqui, ali além, no manso lago.

Amo ver surgindo a aurora
Risonha, bela e graciosa,
Amo ver a estrela d'alva
Anunciando a manhã.

Amo a lua sobre o leito
De ondas de prata a fulgir,
Cercada de mil estrelas
Placidamente a luzir.

Amo esses sonhos que anela
Pudica virgem qual flor,
Amo os doces pensamentos
Que me vem falar de amor.

Amo os astros tão luzentes
A sorrir-me com afã;
Amo as flores que se dobram
Aos encantos da manhã.

Eu vibrarei a lira ao som dos ecos
Nas auras soltarei com as vozes d'alma
Das saudades que tenho ternas queixas,
Os ternos cantos que a saudade inspira,
Baixa oh, anjo dos céus, por ti anelo,
Confidente ouvirás as minhas mágoas
Destes gratos suspiros, e os lamentos
Ao pé desta palmeira muda e triste
Despida dos verdores naturais,
Assentados leremos negras páginas
Dessa vida passada em amarguras
Do fel da submergida existência.

Amo as águas que contentes se desprendem
Na cascata ao cair,
Amo as vagas gementes que se arrojam
Com profundo sentir.

Amo a virgem dos bosques tão airosa
Destoucada e graciosa,
Amo as roupas nevadas que lhe ondeiam
À aragem da manhã.

Amo-lhe as faces tão níveas qual cisne,
E seus longos cabelos
Se para mim se inclina um só reflexo
Desses olhos tão belos.

Amo-lhe a lira de ouro em que tangia
Sua canção divinal,
Amo-lhe os lindos seios tremulantes
Alvos lírios do vai.

Amo longe o bem longe das cidades
Dar paz ao coração,
Eu amo respirar livre e sozinho
Na vasta solidão.

Amo o céu, as estrelas e mais quanto
Está no firmamento,
Amo à tarde comigo meditando
Um doce pensamento. 
Eu desprezo o egoísmo desses homens
Que habitam cá na terra,
Amo Deus, universo e tudo quanto
A minha crença encerra

 



GEMIDOS
(João Dantas de Souza)

Secai-vos, minhas, lágrimas, secai-vos,
Que prantos de homem, não os vale nunca
No mundo uma mulher... que os paga em risos!

João de Lemos

Mulher! para que vens ante meus olhos,
De alvos cetins, qual fada, revestida
Risonha aparecer, singela e casta,
Qual outrora feliz me aparecias?...
Para que vens oh mulher, inda em mil sonhos
Ante mim retratar-te, qual no tempo. 
Ai! nesse tempo oh! dor! em que pudeste,
Com falsos ademans, com falsos risos
Mentidas expressões, juras fictícias,
Por esses doces mimos ajudada
Com que Vênus e Hebe te brindavam
Trazer-me tantas horas iludido?!

Oh! como nesse tempo em que três lustros
E pouco mais contando, me enlevava,
Nessas horas que amor nos concedia,
Contigo ir divagar à sós do bosque
Pela densa espessura, ou mesmo ainda
Por essas avenidas florescentes,
De amor falando as falas que em minh’alma
De tua voz o eco repetia!
Que mago enleio não achava, eu mesmo,
No só frouxo roçar de teus vestidos
Pelo matiz da relva ao me seguires! 
Quanto me inebriei nessa ternura
Com que nos meigos braços um do outro
Tanta vez enfiados magamente 
Teu doce trovador tu me chamavas!
Só para hoje desfeito o véu mentido
De tão grata ilusão, com as fibras todas
De minh'alma cortadas uma a uma
Assim perdida ver-te para sempre...
Perdida para mim amando a outrem!...
Ai! quanto te eu amei, mulher ingrata!
Como era puro, casto e sem limites,
Esse amor que eu em horas de sol posto,
Sentados sobre as ribas pitorescas.
Dum manso arroto, ouvindo a voz maviosa
Do pintassilgo, e lá no espaço imenso
Surgir vendo da lua o brilho a furto
Eu te jurei mulher eternamente!
Para agora gemer na soledade
As torturas cruéis de teu desprezo!... 
Amei-te, mulher, qual pode
Amar-se um anjo do céu!
Amei-te mais do que eu amo
A vida que Deus me deu.

Amei-te, qual amo ainda,
Essa plaga onde nasci;
Amei-te, qual os carinhos
Que em minha infância colhi!

Amei-te, qual amei sempre
Os folguedos de criança;
Amei-te, qual doutro tempo
Minha estrela de esperança!

Amei-te, qual amo agora
O desabrochar duma rosa;
Amei-te, qual aos sorrisos
De minha mãe carinhosa.

Amei-te, qual amo aos raios
Da lua no firmamento;
Amei-te, qual amo aos entes
Que viram meu nascimento!

Amei-te, qual pode amar-se
No mundo a doce existência;
Amei-te, enfim, qual eu amo
Quanto de Deus tem a essência!...

Eras tu só minha esperança,
Eras tu só meu condão,
Eras minha luz nas trevas,
Eras tu meu coração!... 
Mas antes não te amara, oh! antes nunca
Eu vira teus encantos sedutores
Cora que fada cruel me fascinas-te!
Antes nunca, esse fogo de teus olhos
Incendido tivera a chama ardente
Com que tu me roubaste a paz desta alma!
Ou! antes a provar-me nunca deras
A taça da ventura, e te mostraras
Qual eras insensível aos extremos
De meu sincero amor, que assim não foram
Tão acres as torturas que hei sofrido!
Pois se choro e lamento, hoje os meus carmes
Nem num eco dos ecos voz encontram!...

 

OUTONO
(Xavier Pinto, traduzido do Espanhol)

Do bosque, e do jardim o sopro estéril
Do outono, lhe roubou a verde pompa,
E a arrasta sem vigor, impetuoso
Por de sobre o árido solo.

As árvores, os arbustos eriçados,
Sem cor, estendem os semissecos ramos,
E tomam o aspecto pavoroso
De gélidos esqueletos.

Fogem deles as aves espantadas
Que em torno lhe giravam buliçosas,
E entre as frescas folhas escondidas
Cantavam Seus amores

E depois... as mesmas plantas que há pouco
Do sol resguardavam o ardor intenso,
E entre aprazíveis auras balouçavam
Formosas e louças...

Passou a juventude fugaz, breve
Passou sua juventude... envelhecidas
Não podem ostentar as ricas galas
Que lhes deu a primavera

E após em seu lugar o frio inverno
Lhes dá rígida neve como ornato,
E o jugo, que é o sangue de suas veias
Geladas serão da morte.

 

SAUDADES
(Francisco Coelho Martins da Costa, 1856)

Á MINHA MÃE

Atra saudade o coração me oprime
Com a dor intensa de meus tristes carmes.
Sentidos ais
Há já dois lustros que proscrito, errantes,
Incerto os passos nesta senda trilho
Sem ver meus Pais
Se a lira tomo, mais o pranto excita
Quede meus olhos incessante corre
Por minhas faces;
Já não encontra bonançosas brisas
Que noutros tempos a beijar-me vinham
Ledas fugaces

O quanto é doce minha mãe querida,
Após da lida que suporto atroz.
Nas curtas horas em que o céu me inspira
Pegar na lira, me lembrar de vós.

Então me sinto transportado a um mundo
Novo, fecundo de feliz magia,
E nele vejo radiante e pura,
Maga ventura, que gozar queria.

Dentre mil flores dum odor fragrante
Vejo brilhante, deslizar-se um véu,
A pouco a pouco remontar-se às nuvens
Das mãos de Rubens, o retrato teu.

Nesse momento de ilusão tão casta
Ele se afasta, que mais vejo! — Deus — 
Que lá do Empíreo, rodeado de anjos;
A par de arcanjos o conduz aos céus!

O quanto é doce minha mãe querida
Após da lida que suporto atroz,
Nas curtas horas em que o céu me inspira,
Pegar na lira me lembrar de voz.

Aos dois lustros e dois anos
Minha mãe, que te deixei,
Não sabia,
Prezar teus doces carinhos
Que tão cruel desprezei
Num só dia. 
Nem as lágrimas piedosas,
Que de teus olhos brotavam
Só de amor.
Nem os suspiros magoados
Que de teu peito manavam
Pela dor.

Nem os queridos abraços
Que a teu colo me cingiam
Com ternura
Nem as frases maternais
Que teus lábios desprendiam
De candura.

Nem teus amorosos beijos
Que com transporte me davas
De mãe triste
Nem o teu último — Adeus — 
Quando de mim te apartavas
E fugiste.

Aos dois lustros e dois anos
Minha mãe, que te deixei,
Não sabia.
Prezar teus doces carinhos
Que tão cruel desprezei
Num só dia.

Parti: e deixei-te sofrendo mil dores,
Deixei os frescores das brisas sem par:
O seu ciciar: E por quê? por tremendos
Bramidos horrendos das ondas domar.

O tempo mudou-se da minha ventura,
A voz da natura em meu peito ecoou,
Mas tarde chegou... e mui longe senti
O bem que perdi, o meu pranto o mostrou.

Cresceu a saudade no meu coração
A luz da razão me animou a sofrer,
Para um dia te ver, uma vez abraçar-te.
Mais nunca deixar-te, contigo viver.

E então a teu lado
Libando as delícias
De tuas carícias
Minha mãe, sem par:
Eu quero cantar
No meu alaúde
Um hino que mude
Teu agro penar.

Quero ver teus olhos
De chorar pisados
Pela dor magoados
De tanto sofrer;
Ah! sim, queremos ver
De novo brilhar
Seu júbilo mostrar
Fulgir de prazer.

Depois que me importa!
Que a Parca sedenta
De meu sangue, intenta
Meus dias torcer,
Me vinha dizer
 — Teu fim já chegou
Agora aqui estou... — 
 — Já posso morrer — 
 

A VOZ DE UM ANJO
 (Reinaldo Carlo, 1856)

CANTO DA TARDE

Sobre o teu peito reclinada a fronte,
Suave fogo pelo meu se infiltra,
Como no espelho plácido dó lago
Crescente agitação os euros erguem.

Sentir teu hálito, e sem amor olhar-te!
Jamais o néctar inebriar não pôde,
Como os teus olhos, que lânguidos se notam
Por entre o véu de acetinados cílios.

Ah! vem Malvina, que o teu leve braço;
Cingido apenas de vaporosa gaze,
Sobre os meus ombros carinhoso penda
E a mão mimosa o coração me oprima;

E que os teus lábios de carmim tingidos
Doces acentos para mim murmurem;
Fala-me do céu, que habitaste outrora,
Anjo nos carmes de Sião cantado.

Do crepúsculo nos últimos momentos,
Quando me sento do regato à margem,
Assim escuto o gorjear sonoro
De ave saudosa pranteando amores.

E a noite desce; lutuosas sombras
Pelo vai se estendem, ocultando os bosques?
Em que do canto a derradeira nota
Ainda nos ramos sonorosa ecoa.

 

NOSSO AMOR
(M. Leite Machado, 1856)

Esta chama tão ardente
Já devora lentamente
O meu triste coração;
Ah! Eulina, vem dizer-me
Que não buscas esquecer-me
Que inda me tens afeição!...

Sabes bem que me inspiraste
E que poeta me tornaste
Da juventude na flor!
Sim, vem dizer-me, que me amas,
E a pagar as vivas chamas
Corre, corre, meu amor... 
Surja embora a desventura
Nessa lei amarga e impura
A ventura nos roubar?!...
Que à face dos céus eu juro
E por nosso amor tão puro
Poder dela triunfar!

Depressa voa a meus braços
E verás em doces laços
Um futuro mui feliz;
Corre, corre, essa ventura
Gozar; pois é santa e pura
Nosso amor é quem o diz!... 
Eu procurava esquecer-te
Sem julgar que era ofender-te
Tão inocente!!... perdão...
Tão me percas da lembrança
Tem fé, e tem esperança
Anjo do meu coração!... 
Todo esse tempo passado
Quero que seja lembrado
Quando faltarmos de amor;
Vem, que esta lira contente
Já te chama alegremente
Para a teus pés se depor!...

Tu serás senhora minha
Serás mais do que rainha
Mais feliz inda hás de ser;
Pois terás um peito amante
Sempre amando-te constante
Inda depois de morrer!...

Depressa voa a meus braços
Entre ternos e doces laços
Ver um futuro feliz;
Corre, corre, essa ventura
Gozar; pois é santa e pura
Nosso amor é quem o diz.

 

UMA ESTRELA
(Manoel José de Oliveira Silva, 1855)

Vê no vasto firmamento
Um portento;
Uma estrela a cintilar,
Derramando viva luz
Que seduz;
Que me fez extasiar. 
Tinha raios, tão brilhantes
Fulminantes;
Que os olhos lhe fez cegar,
Ela vivia serena
Mui amena;
Na água a se retratar. 
Eu vi outras estrelas
Mui singelas;
Mui singela aljôfar,
Nem uma tinha a beleza
A pureza;
Da que me fez encantar.

Eu te saúdo, ó estrela!
Como a rosa, ao astro rei
Como o pai saúda a grei,
Há tempos ausente dela;
Derramaste em minh’alma,
Uma esperança, uma calma
Que não posso explicar,
Assim recebe as provas
Destas tão singelas trovas,
Neste singelo trovar.

 

JÁ TE NÃO AMO
(J. J. Barbosa de Castro, 1855)

Que fim tiveram as juras
Ardentes e tão seguras
Que me fizeste de amar?
Esqueceram! É verdade
Não ser já mais novidade
Mulher mentir, e jurar. 
Foram vãs inspirações
Dum momento, sem tenções
De chegarem a ter fim,
Foram brinquedos da vida,
Distração e divertida,
Que passaste junto a mim.

Louca, ai não, louco fui eu
Que te amei, e que me deu
Para crerem teu jurar!...
Mas se tu me parecias
Anjo assim, o que farias
Tu também em meu lugar? 
Havias de amar-me, diz?
Pois foi o que louco eu fiz,
Que nos enganos não cria;
Devias porém piedade
Teres de mim, Anilade...
Não quiseste... quem diria?!

Esforcei-me precisava
Esquecer-te, triste andava
A pensar como o faria;
Mas desgraçado de mira
Avivava mais assim
O nosso amor dalgum dia...

Tinha ele já se filtrado
No coração, e ficado
Como um nato sentimento
Oh! não te condoí ingrata
Veres como amor me trata
De contínuo num tormento??

Não! não imploro de ti
Nada ao que sofro e sofri,
Porque te cri e amei-te;
Deixa-me, não presumes
Que me matam os ciúmes
De ver-te hoje doutro aceite? 
Mata-me só o pecado
De assim ter-te tanto amado...
Não lembrar como esquecer-te
Como pude fielmente
Eu amar-te sempre e sempre
E não chegar a entender-te...

Ai que nesta vida minha
A condição mais azinha
Foi o destino em te amar!
O que já mais me há custado
Pretérito que me há ligado
Pena, remorso e cismar. 
Não o remorso dum mal
Que te fizesse, que tal
Nunca por mim se intentou:
É o remorso nascido
De haver eu gasto e perdida
Esse amor que já passou.

Ai que pena, que malfado,
Haver veemente amado
A linda sem ler beleza...
Com teus rigores me matas,
Iludes, finges, retratas,
Impostora a natureza!... 



MILCÍADES
(José Antônio de Lira, 1855)

I
Avante fiéis companheiros
Não podemos recuar,
Avante que o inimigo
Nossos lares quer tomar,
E se chega a conseguir
Nós não podemos fugir
Vamo-nos escravizar!!...

Assim dizia Milcíades
Á sua tropa luzida,
Que à vista do inimigo
Estava esmorecido,
Mas o chefe com brandura,
Com palavras de ternura
Lembrava Atenas querido. 
Vedes a Pérsia em peso
Seus males aqui trazer?
Estão certos na vitória
Tudo isso faz crer!!
Avante amigos fiéis,
Tocai os vossos corcéis,
Vamos cumprir um dever. 
A tropa ateniense
De repente se alegrou!!...
E numa marcha picada
Aos persas caminhou,
A peleja era forte
A muitos causou a morte;
Muita lança se quebrou.


II
Na cidade de Atenas
Tudo estava em confusão,
E com olhos no horizonte,
Grande dor e aflição,
De repente um murmurinho,
Vinha dizer de mansinho
Alegrai o coração.

Ao longe lá — na campina
Ligeiro pó se avistou!!...
Todo o povo de Atenas
Seus olhos ali voltou!!...
Uns diziam, que horror
Outro com muito ardor
Atenas vitoriou!!... 
Era um pobre cavaleiro
De cicatrizes coberto,
E nos traços de seu rosto
A morte linha mais certo,
Já não podia falar
Só se ouvia o arquejar,
Da morte que estava perto. 
Chegou à porta de Atenas
O povo todo tremeu!!...
E por fim a muito custo
Seu peito fortaleceu
Alegra-te ateniense,
A Vitória nos pertence
E no momento morreu!!! 



RECORDAÇÕES
(M. T. C., 1856)

Lá das selvas e dos campos,
Onde a infância passei,
Com tristeza e saudade.
Sempre me recordarei 
Sem cuidados no futuro
Mui contente ali passava
Em mil brincos inocentes
Era só no que eu pensava. 
Despontava a linda aurora
Eu pelos campos corria,
As flores, as aves, as selvas,
Tudo para mim sorria! 
Mas tanto bem já perdi!
Da mãe e do pai saudoso,
Vivo longe a suspirar
Como um filho extremoso. 
Praza ao Céu que possa um dia
Eu gozar tanta ventura,
Que de afetos maternas
Torne a gozar a doçura.

 

A FLOR SEM CULTO
(José Ernesto da Cruz Ferreira, 1855)

Todo o universo reflete
na tua imagem.

Lamartine

Minha rosa gentil, minha flor,
Como agora serás no jardim
Requeimada talvez do calor,
Que no peito aguardas por mim! 
Não?! quem dera poder eu voar
E ir à terra onde estás plantada,
Escavá-la, e então te mudar,
E trazer-te no peito encerrada.

Que os ardentes calores do estio,
Nem rajada de forte aquilão
Se achegasse imprudente, e sem brio
A trocar-te o mimoso botão. 
Praza a Deus que algum verme não roa
Teu pé tenro, viçoso, engraçado,
Que serás melhor flor da que soa
Terem aí nesse chão vegetado.

Hás de ter um cultor que sou eu,
Que d'aurora ao romper se há ver-te,
Estar com ligo, não ser senão teu,
Sobre a noite velar, defender-te. 
Se eu gozasse a fragrância que exalas,
Onde os males me oprimem constantes,
Minha rosa! bem longo dos galas
Desfrutara felizes instantes. 
Percebera da vida o viver,
E nas velas o sangue girar;
Porém quase me sinto morrer
Sem ao menos poder-te saudar.

Mas espero, confio na sorte,
Queira de um dia raiar mais brilhante,
E que cheio de amor num transporte
Possa ver-te, beijar-te incessante. 
Adeus, casta, misteriosa planta,
Minha rosa gentil, por quem gomo;
Fade o céu o fulgor que me encanta
Gloria sua e do Ente Supremo...



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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2023.

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