3/07/2023

Seleção de poemas (Poesia), de Auta de Souza


SELEÇÃO DE POEMAS



A EUGÊNIA

Imagem santa que entrevejo em sonho,
Sempre, sempre a cantar,
Criatura inocente, anjo risonho,
Que me ensinaste a amar!

Meu doce amor! Calhandra maviosa
Que canta dentro em mim;
Minha esperança tímida e formosa,
Meu sonho de marfim!

Amaranto do céu, flor encantada,
Mimoso colibri;
Minha açucena pálida e magoada,
Meu níveo bogari;

Gota de orvalho a tremular num lírio
Que mal começa a abrir;
Ó tu que apagas meu cruel martírio
E que me fazes rir;

Madressilva entreaberta, lira de ouro,
Celeste beija-flor;
Minha camélia, meu sorriso louro,
Amor de meu amor;

Guarda estes versos que só dizem mágoa
E tristezas sem fim...
Deixa-os no seio como a gota d’água
No cálix de um jasmim...
 

À MINHA AVÓ

Minh’alma vai cantar, alma sagrada!
Raio de sol dos meus primeiros dias...
Gota de luz nas regiões sombrias
De minha vida triste e amargurada.

Minh’alma vai cantar, velhinha amada!
Rio onde correm minhas alegrias...
Anjo bendito que me refugias
Nas tuas asas contra a sina irada!

Minh’alma vai cantar... Transforma o seio
Num cofre santo de carícias cheio,
Para este livro todo o meu tesouro...

Eu quero vê-lo, em desejada calma,
No rico santuário de tu’alma...
— Hóstia guardada num cibório de ouro! –

 

ANTONIETA

Esta criança formosa
Tem um sorriso argentino,
Como o gorjeio divino
Que solta uma ave saudosa.

Muito inocente e mimosa,
Semelha um lírio franzino,
No rostinho pequenino
Guarda uma boca de rosa.

Se fala, a voz adorada
É como uma harpa encantada
Que os hinos de Além encerra,

Esta criança, Senhor!
É um mimo de teu amor,
Um anjo descido à terra.

 

AO CAIR DA NOITE

Não sei que paz imensa
Envolve a Natureza,
Ness’hora de tristeza,
De dor e de pesar.
Minh’alma, rindo, pensa
Que a sombra é um grande véu
Que a Virgem traz do céu
Num raio de luar.

Eu junto as mãos, serena,
A murmurar contrita,
A saudação bendita
Do Anjo do Senhor;
Enquanto a lua plena
No azul, formosa e casta,
Um longo manto arrasta
De lúrido esplendor.

Minhas saudades todas
Se vão mudando em astros...
A mágoa vai de rastros
Morrer na escuridão...
As amarguras doidas
Fogem como um lamento
Longe do Pensamento,
Longe do Coração.

E a noite desce, desce
Como um sorriso doce,
Que em sonhos desfolhou-se
Na voz cheia de amor,
Da mãe que ensina a Prece
Ao filho pequenino,
De olhar meigo e divino
E lábio aberto em flor.

Ah! como a Noite encanta!
Parece um Santuário,
Com o lindo lampadário
De estrelas que ela tem!
Recorda-me a luz santa,
Imaculada e pura,
Da grande noite escura
Do olhar de minha mãe!

Ó noite embalsamada
De castas ambrósias...
No mar das harmonias
Meu ser deixa boiar.
Afasta, ó noite amada,
A dúvida e o receio,
Embala-me no seio
E deixa-me sonhar!

 

AO MEU BOM ANJO

Dizem que a vida não é mais que um sonho,
Meu Deus, quero sonhar!
Empresta-me, anjo bom, as tuas asas,
Guarda no seio a minha fronte em brasas,
Ensina-me a rezar!

Vamos, vamos, além... foge comigo!
Procuremos bem longe um doce abrigo,
Na pátria dos arcanjos...
A vida é sonho e como um sonho passa...
Pois bem! vamos viver no céu da graça,
Meu Deus, como dois anjos!

Quero fugir do mundo tenebroso,
Labirinto de dores...
Mensageiro divino, vem comigo,
Quero sonhar, viver, sorrir contigo,
No Éden há só flores!

Minh’alma, casta rola abandonada,
Desfalece sozinha pela estrada,
Não pode mais voar...
Empresta-lhe, anjo bom, as tuas asas:
Sinto estalar-me o coração em brasas,
Cansado de chorar.

Assim voando pelo espaço em fora
E vendo-te a meu lado a toda hora,
Quero — fugindo deste mundo agreste,
Unida ao seio teu,
Embalada por ti, anjo celeste! 
Buscar meu ninho pelo azul do céu!

 

AO PÉ DO TÚMULO

Eis o descanso eterno, o doce abrigo
Das almas tristes e despedaçadas;
Eis o repouso, enfim; e o sono amigo
Já vem cerrar-me as pálpebras cansadas.

Amarguras da terra! eu me desligo
Para sempre de vós... almas amadas
Que soluças por mim, eu vos bendigo,
Ó almas de minh’alma abençoadas.

Quando eu daqui me for, anjos da guarda,
Quando vier a morte que não tarda
Roubar-me a vida para nunca mais...

Em pranto escrevam sobre a minha lousa:
"Longe da mágoa, enfim, no céu repousa
Quem sofreu muito e quem amou demais".

 

ALGUÉM NA ESTRADA

Alguém te espera o amor, estrada afora,
Seja o dia translúcido ou cinzento,
Para extinguir a sobra e o sofrimento,
Nas empedradas trilhas de quem chora!...
 
Não te detenhas!... Vem!... O tempo é agora,
Há quem te arrase ao temporal violento,
E corações ao frio, à noite e ao vento
Ante a descrença que se desarvora...
 
Vem à estrada do mundo!... Ampara e ama!...
Esclarece e consola, alça por chama,
O próprio coração fraterno e amigo!...
 
Esse alguém é Jesus que te abençoa!...
Trabalha, serve, esquece-te, perdoa
E o Mestre Amado seguirá contigo!...

 

ANO BOM

Hoje começa o ano. Na alegria
De nívea pomba quando nasce a aurora,
Deixa, minh’alma, a tua fantasia
Subir, cantando, pelo espaço a fora...

Deixa-a sumir-se além, rompendo gazas,
Subindo em busca de ideais queridos:
Há de trazer nas pequeninas asas
Todo o perfume dos meus dias idos!

Há de trazer o sonho transparente
Da inocência feliz (quanto eu sonhava!)
E o eco virginal da voz dolente
Que o meu sono de arcanjo acalentava.

E o meu sorriso e as minhas esperanças,
Essas ingênuas ilusões de um dia,
Toda essa luz que as almas das crianças
Num raio de luar acaricia...

Que tudo venha sobre mim cantando
O salmo doce da recordação.
Qual se pousasse um luminoso bando
De passarinhos no meu coração...

 

ABENÇOA SENHOR

Abençoa, Senhor esta casa singela,
Onde a luz do Evangelho esplende, soberana,
E onde encontra guarida a imensa caravana
Dos tristes corações que a prova desmantela.
 
Neste pouso de paz onde a fé nos irmana,
Em torno do ideal que ao mundo se revela,
A Caridade é sempre atenta sentinela,
Estendendo os seus braços à penúria humana.
 
Neste recanto amigo, à margem do caminho,
Ninguém procura em vão o conforto e o carinho,
Cansado de bater, chorando, porta em porta...

Porquanto a Tua voz na voz de quem ensina,
A mensagem de amor da Celeste Doutrina,
A renovar no bem a vida nos exorta!...

 

A MORTE DE HELENA

"Eu não quero morrer," dizia a pobre Helena,
E a fronte, a soluçar, caiu no travesseiro...
(Ai! recordava assim a pálida açucena
Ou, do galho a pender, a flor do jasmineiro!)

Não me deixem morrer assim na primavera:
Esconde-me no seio, ó minha mãe querida!
A morte como é triste! e o noivo que me espera
Há de chamar por mim... Quem restitui-me a vida?

E se pôs a chorar: mas, chegando o delírio,
Esqueceu-se da morte e começou a rir...
Pobre noiva do amor! Pobre folha de lírio!
Ela os olhos cerrou, como quem vai dormir.

Misérrima criança! Estava ali bem perto
A morte, a se abeirar do seu leito sagrado,
Para arrastar-lhe o corpo ao túmulo deserto,
Onde não brilha o Sol e nem o Riso amado.

E, quando despertou daquele doce encanto,
Conheceu que morria e, cheia de pavor,
Suplicou a Jesus, por seu martírio santo,
Que a deixasse na terra ao pé de seu amor.

Mas, sei que parto sempre", acrescentou chorando.
Mostrou-se-me da crença o doloroso véu...
Minha mãe vem comigo, a noite vai chegando
E eu talvez possa errar o caminho do céu!”

E nessa mesma noite escura, tenebrosa,
Deixou a doce Helena a terra, pobre goivo!
Mas tinha para ungir-lhe a campa lutuosa
Uma prece de mãe e as lágrimas do noivo.

 

À ALMA DE MINHA MÃE

Partiu-se o fio branco e delicado
Dos sonhos de minh’alma desditosa...
E as contas do rosário assim quebrado
Caíram como folhas de uma rosa.

Debalde eu as procuro lacrimosa,
Estas doces relíquias do Passado,
Para guardá-las na urna perfumosa,
Do meu seio no cofre imaculado.

Aí! se eu ao menos uma só pudesse
Destas contas achar que me fizesse
Lembrar um mundo de alegrias doidas...

Feliz seria... Mas minh’alma atenta
Em vão procura uma continha benta:
Quando partiste m’as levaste todas!

 

À MEMÓRIA DE UMA AVE

Quando morre uma criança,
Diz-se que o pálido anjinho
Voou como uma esperança.
Foi para o céu direitinho.

Mas nossa mente se cansa
A voar de ninho em ninho,
Interrogando a lembrança,
Quando morre um passarinho.

Só eu, se alguém diz que a vida
De uma avezinha querida
Se extingue como um clarão.

Ponho-me a rir, pois, divina!
Ouço cantar, em surdina,
Tu’alma em meu coração.

 

AGONIA DO CORAÇÃO

"Estrelas fulgem da noite em meio
Lembrando círios louros a arder...
E eu tenho a treva dentro do seio...
Astros! velai-vos, que eu vou morrer!

Ao longe cantam. São almas puras
Cantando à hora do adormecer...
E o eco triste sobe às alturas...
Moças! não cantem, que eu vou morrer!

As mães embalam o berço amigo,
Doce esperança de seu viver...
E eu vou sozinha para o jazigo...
Chorai, crianças, que eu vou morrer!

Pássaros tremem no ninho santo
Pedindo a graça do alvorecer...
Enquanto eu parto desfeita em pranto...
Aves, suspirem, que eu vou morrer!

De lá do campo cheio de rosas
Vem um perfume de entontecer...
Meu Deus! que mágoas tão dolorosas...
Flores! Fechai-vos, que eu vou morrer!"

 

AO CLARÃO DA LUA

O LÍRIO
Lá nas alturas, modesta e loura,
– Do céu imenso na face nua –
A lua branca todo o azul doura...

A NUVEM
Ah! se eu pudesse mudar-me em lua:

O PERFUME
E aquela estrela, tão pequenina
Que mal a gente consegue vê-la,
Como cintila, casta e divina!

A LUA
Ah! quem me dera ser uma estrela!

A NUVEM
O lírio branco, cheio de orvalho,
Invoca a lua no seu martírio
E doce e triste treme no galho...

A ESTRELA
Ah! quem me dera ser como o lírio!

O CÉU
Perfume doce boia nos ares...
Virá nas asas de um vaga-lume?
Será da terra? Será dos mares?

O ORVALHO
Ah! quem me dera ser o perfume!

O POETA
Terno instrumento suspira ao longe
Numa cadência melodiosa...
Será na cela piedoso monge?

UMA CRIANÇA (sonhando)
Ah! quem me dera ser uma rosa!

A NOITE
O sonho vive dentro em meu seio,
Garrulo e meigo, doce e risonho,
Cheio de luzes, de aurora cheio...

O PERFUME
Ah! quem me dera ser como o Sonho!

A MADRUGADA (ao longe)
Ouvem? As aves já vêm cantando,
As estrelinhas tomam seu véu...
É tempo de irmos também chegando...

O CORAÇÃO
Ah! quem me dera subir ao céu!

 

AO PÉ DE UM BERÇO

Dorme, dorme, pequenino
Encanto de meu amor;
Que o sono doce e divino
Cerre-te as folhas, ó flor!

Fecha os olhos, meu filhinho;
E pede ao sono que leve
Ao céu, em faixas de linho.
Tu’alma da cor da neve.

Mas não demores, meu filho,
Volta nas asas do amor,
Traz a meus olhos o brilho,
Traz a meu seio o calor.

Meu coração é um ramo
Onde teci o teu ninho;
Dorme nele, gaturamo,
Ó sonho branco de arminho!

Dorme, dorme; de mansinho
Vou te embalando a cantar...
Esconde as asas no ninho,
Não quero ouvir-te chorar.

Fecha os olhos docemente
E voa longe da terra,
Dorme o teu sono inocente,
Ó nívea pomba da serra!

Dorme, santinho, as estrelas
Virão cobrir-te com um véu;
Não chores se queres vê-las
Fazer de teu berço um céu.

Foge da noite aos abrolhos
Neste celeste abandono;
Eu guardo um sonho nos olhos
Para dourar o teu sono.

Olha, meu santo, Jesus,
Que tanto amava os meninos,
Vela sorrindo da cruz
O sono dos pequeninos.

E a mãe do céu, nos espaços
Deixando de luz um trilho,
Traz o filhinho nos braços
Para beijar-te, meu filho!

Recebe o carinho amigo
E pede ao rei do Universo
Que fique a sonhar contigo,
Dormindo no mesmo berço.

Às duas mães, num sorriso,
Sobre o ninho velarão...
E eu direi ao Paraíso,
Baixinho, no coração:

Qual dos dois mais luz encerra,
Envoltos no mesmo véu:
O filho da mãe da terra?
O filho da mãe do céu?

Dorme, bonina nevada,
Enquanto eu velo a cantar;
Guia-me à pátria adorada,
Ó doce estrela do mar!

Dorme e não chores, criança!
A lua do céu sorri 
Na vida sem esperança
Eu hei de chorar por ti.

 

AO SENHOR DO BONFIM

Amado Senhor,
Meu doce Jesus,
Que morres de amor
Suspenso da Cruz!

Em triste amargura,
Te vendo morrer,
Meu lábio murmura:
Eu quero sofrer!

Sofrer tanto, tanto,
(Senhor, sem cessar!).
Que os olhos, de pranto,
Se arrasem num mar.

Tu és meu amigo,
Meu sol, minha luz!
Reparte comigo
O peso da Cruz.

Bem vês quanto choro,
Tem pena de mim!
A Ti só adoro
Senhor do Bomfim.

 

AS MÃOS DE CLARISSE

Causam-me tantos martírios
As tuas mãos adoradas,
Com estes dedos de fadas,
Tão formosos e pequenos...
Que eu chamaria dois lírios,
Se houvesse lírios morenos!

 

A ONDE VAI A LÁGRIMA

Na terra se chora tanto
Que, se Deus guardasse o pranto
Que o mundo inteiro derrama.

Dos astros lá do infinito
O choro do pobre aflito
Podia apagar a chama.

Mas todo o pranto que desce
Por nossa face, parece
Que Deus o transforma em prece...

E a prece, cheiroso incenso,
Nas asas do vento imenso,
Se perde no azul dos céus
Buscando o seio de Deus.

 

ADORAÇÃO DOS REIS

Jesus sorri. Que ternura,
Que doce favo de luz
Vejo brilhar na candura
De seus dois olhos azuis!

Chegam os Magos. De joelho,
Cheios de unção e de amor,
Beijam o pesinho vermelho
Do pequenino Senhor.

Trazem-lhe mesmo um tesouro
Lembrando glória e tormento:
Caçoulas de incenso e ouro
É a mirra do sofrimento.

Ó Reis do grande Oriente,
Por que lembrastes, então,
Á mãe do louro inocente
A dor sem fim da Paixão?

Não vedes que a Virgem chora
Olhando a mirra cruel?
É que ela se lembra agora
Da esponja embebida em fel.

Talvez não vísseis o lindo
Bando gentil de pastores
Que o rodearam sorrindo,
Mas só lhe trouxeram flores!

 

A JÚLIA

No teu olhar, cheio da luz chorosa
Que envolve o Espaço quando a tarde expira,
Boia uma doce mágoa lacrimosa,
Uma saudade indefinida gira.

E quando afirmes que não tem começo
A dor sem fim que no teu seio existe
Queres assim, eu muito bem conheço,
Fazer-me crer que já nasceste triste.

E falas a sorrir: “Essa dolente
Tristeza amarga que me empana o olhar
É a vaga chorando eternamente
Por não poder se separar do mar...”

E se te fito a umedecida boca
E vejo rubro o lábio que sorri,
Logo pergunto, num cismar de louca,
À mente e ao coração, se és tu quem ri.

Pois é tão mansa a chama destes olhos
Envoltos na carícia do sorriso,
Que eu penso que teus cílios são abrolhos,
Abrolhos rodeando um paraíso...

 

ADEUS!

“Espera, eu voltarei.” Ele dizia
(Quanto era triste o seu olhar tão doce!)
Chorosa e terna a fala lhe tremia
Como se a corda de algum’harpa fosse.

E ela, a pálida noiva estremecida,
Fitou no amado os grandes olhos seus,
E murmurou, baixinho e comovida,
Quase a chorar e muito a medo: Adeus! 



ANGELINA

Brilhante como uma estrela,
criança e já numa cova!
J. EUSTACHIO DE AZEVEDO

Ter doze anos somente
E nesta idade sofrer!
Sonhar um porvir ridente
E nesta aurora morrer!

Eis o que foi-te a existência,
Ó desditosa Angelina!
Doce lírio de inocência,
Pobre floco de neblina.

Como dois botões pequenos,
Duas flores orvalhadas,
Teus olhos dormem serenos,
Sob as pálpebras cerradas.

Voaste, meiga criança,
Tão feiticeira e mimosa,
Como um riso de esperança,
Como uma folha de rosa.

É triste morrer no fim
De uma manhã de esplendores...
A fronte ocultar, assim,
Numa grinalda de flores.

E sentir, por entre a dor
Da derradeira agonia,
De mãe um beijo de amor
Roçar a fronte já fria...

Quando, num suspiro leve,
Est’alma que o corpo encerra,
— Como uma pomba de neve
A desprender-se da terra —

Num voo suave e franco,
Fugiu para o céu de anil...
Vestiram-te, então, de branco,
Como uma noiva gentil.

No setíneo caixãozinho,
Mais puro que as alvoradas,
Depuseram teu corpinho,
Entre as cambraias nevadas.

Aí, no funéreo leito,
Toda coberta de rosas,
Tendo cruzadas ao peito
Duas mãozinhas formosas;

Pareces um anjo santo,
Envolto em gélido véu,
Transpondo azulado manto,
Como em procura do céu.

Eu sigo-te o voo alado,
Pela esfera diamantina,
Ó meu anjo imaculado,
Ó minha santa Angelina!

 

AO LUAR

Astros celestes, docemente louros,
Giram no espaço, em luminoso bando;
Ouve-se ao longe um violão plangente
E, mais além, num soluçar dolente,
Canções serenas, ao luar voando.

Quanta tristeza pela noite clara!
Quanta saudade pelo azul boiando!
Cuida-se ouvir, num dolorido choro,
As preces tristes de um magoado coro
De almas penadas ao luar rezando.

O céu parece uma igrejinha antiga
Que a lua branca vai alumiando...
E essas estrelas, muito além dispersas,
São rosas brancas no Infinito imersas,
Monjas benditas, ao luar chorando.

Os pirilampos, pelas moitas tristes,
Voam, calados e sutis, brilhando...
Lembram descrenças, a bailar sombrias,
Ilusões mortas de esquecidos dias,
Almas de loucos, ao luar passando.

Flocos de nuvens pela Esfera adejam,
Barcos de neve pelo azul formando...
Semelham preces que se vão da terra,
Almas mimosas, que este mundo encerra,
De criancinhas, ao luar sonhando.

Eles parecem também velas brancas
Soltas, à toa pelo mar vogando...
Leves e tênues, a correr imensas,
Folhas de lírios pelo Ar suspensas,
Aves saudosas, ao luar chorando.

Ai! quem me dera ser também criança!
Ai! quem me dera andar também voando!
Fazer dos astros um barquinho amado,
Nele vagar por todo o céu dourado,
As minhas dores ao luar cantando!

 

AO MAR

Ontem à tarde, ao pé de ti sentada,
Eu pus-me a contemplar-te, ó Mar bravio!
Pensava que acolhida em tuas ondas
Talvez minh’alma não sentisse frio!

Contei-te, uma por uma, as cruas dores
De minha vida, toda de saudade;
Quis afogar as minhas mágoas fundas
No leito azul de tua imensidade.

Como seria bom morrer aí,
Moça, inocente, tendo n’alma em flor
Um mundo virgem de sagradas crenças,
Todo banhado no ideal do amor!

Tu dar-me-ias, então, a sepultura
Nessas espumas murmurosas, belas...
E à noite, se mirando em tuas águas,
Me cobriria o céu de mil estrelas.

Ao pé de ti, como um soluço brando,
Sinto fugir-me, pouco a pouco, a vida...
Chorai, vagas, por mim! dobrai finados
Bem como os sinos de risonha ermida!

No mausoléu augusto do Oceano
De outros dobres minh’alma não precisa;
Por súplica mortuária só deseja
O soluço do vento que desliza...

 

BOEMIAS

Quando me vires chorar,
Que sou infeliz não creias;
Eu choro porque no mar
Nem sempre cantam sereias.

Choro porque, no Infinito,
As estrelas luminosas
Choram o orvalho bendito,
Que faz desabrochar as rosas.

Do lábio o consolo santo
É o riso que vem cantando...
O riso do olhar é o pranto:
Meus olhos riem chorando.

O seio branco da aurora
Derrama orvalhos a flux...
O círio que brilha chora:
A dor também fere a luz?

Teus olhos cheios de ardores
Aninham rosas nas faces...
Que seria dessas flores,
Responde, se não chorasses?

Sou moça e bem sabes que
A moça não tem martírios;
Se chora sempre, é porque
Pretende imitar os lírios.

Enquanto eu viver no mundo,
Meus olhos hão de chorar...
Ah! como é doce o profundo
Soluço eterno do mar!

Do lábio o consolo santo
É o riso que vem cantando...
O riso do olhar é o pranto:
Meus olhos riem chorando.

 

CORES

Enquanto a gente é criança
Tem no seio um doce ninho
Onde vive um passarinho
Formoso como a Esperança.

E ele canta noite e dia
Porque se chama: Alegria.

Depois... vai-se a Primavera...
É o tempo em que a gente cresce...
O riso se muda em prece,
A alma não canta: espera!

E ao ninho do Coração
Desce outra ave: a Ilusão.

Mas esta, como a Alegria,
Nos foge... E fica deserto
O coração, na agonia
Do inverno que já vem perto.

Nas ruínas da Mocidade
É quando pousa a saudade...

 


CANTIGA

Meu sonho dourado e leve,
Que buscas tu a voar?
Um ninho branco de neve
Onde me deixem cantar.

E em busca das nuvens belas
Lá vai meu sonho a cantar...
Meu sonho cor das estrelas,
Meu sonho cor do luar.

Pergunto ao sonho chorando,
Por que foges a cantar?
E ele responde, cantando:
Por que foges a cantar?

E em busca das nuvens belas
Foi-se meu sonho a cantar...
Meu sonho cor das estrelas,
Meu sonho cor do luar.

 

CHORANDO

Fazia noite... A tristeza
Tudo envolvia em seu véu;
Soluçava a Natureza,
Caía orvalho do céu.

E naquela noite assim,
Tão tenebrosa e tão fria!
A minha mãe se partia
Para o céu azul sem fim.

Falou-me a chorar: filhinha,
O vício do mundo aterra...
Tu’alma reúne à minha,
Fujamos ambas da terra.

Beijou-me... e, qual sonho doce,
Sua vida evaporou-se.

............................

Ó mãe! por que me deixaste
No mundo sem teu amor?
Sou como o lírio sem haste
Murchando triste inda em flor.

Podias ter-me levado
Ao céu contigo, divina...
Iria em teu seio amado:
Eu era tão pequenina!

Fiquei sozinha e perdida,
Ó mãe! no mundo de abrolhos...
Na noite de minha vida
Derrama a luz de teus olhos!

Quanta tristeza se encerra
Do mundo no escuro véu!
Não quero morar na terra;
Contigo leva-me ao céu!

 

CREPÚSCULO

Há pelo Espaço um ciciar dolente
De prece, em torno da Igrejinha em ruína...
.............................

O Angelus soa. Vagarosamente
A noite desce, plácida e divina.
Ouço gemer meu coração doente
Chorando a tarde, a noiva peregrina.

Há pelo Espaço um ciciar dolente
De prece em torno da Igrejinha em ruína...
Pássaros voam compassadamente;
Treme no galho a rosa purpurina...

E eu sinto que a tristeza vem suspensa
Sobre as asas da noite erma e sombria...
E que, nessa hora de saudade imensa,

Rindo e chorando desce ao coração:
Toda a doçura da melancolia,
Todo o conforto da recordação.

 

CARLOTA

Quis bordar teu nome amado
E roubei uns fios de ouro
Das tranças de teu cabelo
Tão longas e perfumadas...
Depois do nome bordado
Com aquele cabelo louro,
Cuidei ver o Sete-Estrelo
Nas sete letras douradas.

 

CELESTE

Eu fiz do céu azul minha esperança
E dos astros dourados meu tesouro...
Imagina por que, doce criança,
Nas noites de luar meus sonhos douro!

Adivinha, se podes, quanto é mansa
A luz que bola sob um cílio de ouro.
E como é lindo um laço azul na trança
Embalsamada de um cabelo louro!

Imagina por que peço, na morte,
— Um esquife todo azul que me transporte,
Longe da terra, longe dos escolhos...

Imagina por que... mas, lírio santo!
Não digas a ninguém que eu amo tanto
A cor de teu cabelo e dos teus olhos!

 

CIÚME

Não brinques ao sol, menina!
É tão preto o teu cabelo,
Que exposto ao sol que ilumina,
Jamais, jamais quero vê-lo.

Não sabes por que, Maria?...
Do sol o brilhante açoite
Só vem à terra de dia
Porque não gosta da noite.

E eu temo que ao ver formoso
O teu cabelo, um tesouro!
O sol, que é tão invejoso,
Não queira torná-lo louro.

Louro, Maria! o repouso
Onde vacilo com a cruz,
O doce abrigo onde pouso
Meus olhos fartos de luz?

Não quero, flor de minh’alma,
Linda esperança em botão...
O dia não é que acalma
As mágoas do coração.

Quando a dor em fúria brusca
Lhe vem magoar o seio,
A treva da noite busca
Para chorar sem receio.

E a minha noite mais pura
No teu cabelo é que eu vejo;
Esqueço toda a amargura
Se a tua cabeça beijo!

E agora, santa, avalia
Que pena teria eu
Se chegasse a ver um dia
O teu cabelo, Maria,
Da cor dos astros do céu!

 

CLARISSE

“Não sei o que é tristeza,” ela me disse...
E a sua boca virginal sorria:
Ninho de estrelas, concha de ambrosia
Cheia de rosas que do céu caísse!

E eu docemente murmurei: Clarisse,
Será possível que tu’alma fria
Ouvindo o choro da Melancolia
O ressábio do fel nunca sentisse?

Será possível que o teu seio, rosa,
Nunca embalasse a lágrima formosa?
Ah! não és rosa, pois não tens espinho!

E os olhos teus, dois templos de esperança,
Nunca viram sofrer uma criança,
Nunca viram morrer um passarinho.

 

CRIANÇAS

Moro na rua da Ventura. Perto,
Há um ninho — é a aula das meninas;
Trazem-me sempre o coração desperto
Os risos dessas almas cristalinas.

Sinto-me alegre. Vivo sem saudade,
Sem, desconforto, sem desesperanças.
Sou bem feliz na minha soledade
Ouvindo o pipilar dessas crianças.

Às duas horas ergo-me da banca
Onde medito: vai fechar-se a escola...
Que bem me faz esta algazarra franca
De aves gentis que voam da gaiola!

Gosto de vê-las quando saem rindo
Alegremente, as mansas andorinhas.
São doze ao todo. Que rebanho lindo
De inocentes e castas ovelhinhas!

Vem na frente a maior. Já quase moça,
Olhos azuis e fronte cismadora:
Uma açucena de esquisito louça,
De face cor de neve e trança loura.

É séria e triste. Chama-se Laurita;
Tem uma voz que me seduz e encanta;
Veste sempre de azul e é tão bonita
Com os seus ares de pequena santa!

Passa depois Sofia, uma criança
De olhar mais negro do que a noite escura.
Vive sempre a sorrir como a Esperança,
Vive sempre a cantar como a Ventura!

E aquela doida que lá vai correndo
Em risco de tombar nas pedras duras?
É Lúcia. A vida quer levar fazendo
Todos os dias essas travessuras.

Depois, Sarah e Rebecca... Borboletas
Irmãs no olhar, no rosto e nos vestidos;
São dois anjinhos de madeixas pretas,
Gêmeos sorrisos, corações unidos!

Segue-as a linda e ingênua moreninha
De nome terno e encantador: Dolores,
Uma singela e pálida amiguinha
Que todas as manhãs guarda-me flores.

Hoje, está triste. Nem me deu bom dia!
Deixou cair as rosas pela estrada.
— Que é do teu canto, doce cotovia?
(Reparem ela como vai zangada!)

Desce em seguida a meiga Valentina,
Dez anos tem. Parece um Querubim...
Uma açucena pálida e franzina,
Um encantado e pálido jasmim!

E a Inocência? Vem chorando tanto!
Que te fizeram, minha sensitiva?
Quem foi que os olhos te inundou de pranto,
Quem te causou essa amargura viva?

Já sei: a mestra quis ralhar contigo,
E foi bem feito, colibri travesso!
Fiquei alegre com o teu castigo;
Por que não me dás beijos quando os peço?

Ouço chamar pelo meu nome... É Santa,
Um diabrete muito engraçadinho...
— Soube a lição? — Não me responde, canta...
— Graça inocente, voa para o ninho!

Puxando a trança de Lucília, passa
Celeste, a loura; correm como doidas...
Por que é que tarda a pequenina Garça,
A mais mimosa e mais gentil de todas!

Ei-la! É um anjo a divagar na terra,
Um beija-flor que prendem na gaiola...
Quanta candura o seu sorriso encerra,
Quanta inocência desse olhar se evola!

Como eu a amo e que tristeza infinda,
Sinto nos dias em que não a vejo...
Ah! como adoro essa mãozinha linda,
Tão pequenina que parece um beijo!

E eu digo ao ver das criancinhas mansas
O bando alegre e luminoso e forte:
Vós sois no mundo claras esperanças,
Rosas da vida, embalsamando a morte!

O vosso olhar é como um livro aberto
Onde soletro as minhas alegrias...
Oásis santo num cruel deserto,
Negro e sem fim, de fundas agonias.

Em breve as férias chegarão, e eu triste
Quantas semanas vou passar distante
De vosso olhar onde a Candura existe,
De vosso riso claro e hilariante!

E para não ficar tão só, tão louca,
Presa da cisma ao doloroso enleio,
Dai-me as cantigas que levais na boca,
Dai-me as quimeras que guardais no seio!

Pois já suspiro pela aurora mansa
Que há de trazer com o sol do novo ano,
Para a voss’alma mais uma esperança,
Para a minh’alma mais um desengano.

Anjos da terra, flores animadas,
Aves do céu que a chilrear passais...
Como vos quero, evocações amadas
Do meu passado que não volta mais!

Ah, quem me dera os sonhos perfumados
Daquele tempo de ideal fragrância...
Cantai! cantai! ó rouxinóis sagrados,
Lembrai-me os dias da primeira infância!

 

CONTRASTES

Existe tanta dor desconhecida
Ferindo as almas pelo mundo em fora,
Tanto amargor de espírito que chora
Em cansaços nas lutas pela vida;
 
E há também os reflexos da aurora
De ventura, que torna a alma florida,
A alegria fulgente e estremecida,
Aureolada de luz confortadora.

Há, porém, tanta dor em demasia,
Sobrepujando instantes de alegria,
Tal desalento e tantas desventuras,
Que o coração dormente, a pleno gozo,
Deve fugir das horas de repouso,
Minorando as alheias amarguras.

 

CAMINHO DO SERTÃO

Tão longe a casa! Nem sequer alcanço
Vê-la através da mata. Nos caminhos
A sombra desce; e, sem achar descanso,
Vamos nós dois, meu pobre irmão, sozinhos!

É noite já. Como em feliz remanso,
Dormem as aves nos pequenos ninhos...
Vamos mais devagar... de manso e manso,
Para não assustar os passarinhos.

Brilham estrelas. Todo o céu parece
Rezar de joelhos a chorosa prece
Que a Noite ensina ao desespero e a dor...

Ao longe, a lua vem dourando a treva...
Turíbulo imenso para Deus eleva
O incenso agreste da jurema em flor.

 


CONSOLO SUPREMO

Os tristes dizem que a vida
É feita de dissabores
E a alma verga abatida
Ao peso das grandes dores.

Não acredito que seja
Assim como dizem, não...
Ai daquele que deseja
Viver sem uma ilusão!

Se há noites frias, escuras,
Também há noites formosas;
Há risos nas amarguras;
Entre espinhos nascem rosas.

E rosas também cobriram
O lenho santo da Cruz,
Quando os espinhos cingiram
A cabeça de Jesus.

Rosas do sangue adorado
— Fonte de graça e de fé —
Brotando do rosto amado
Do Filho de Nazaré.

Ó alma triste, chorosa
Como uma dália no inverno,
Despe da mágoa trevosa
O negro cilício eterno!

Enquanto vires estrelas
Do céu no imenso sacrário,
Na terra flores singelas
E uma Cruz sobre o Calvário;

Enquanto, mansa, pousar
A prece nos lábios teus,
E souberes murmurar
Com as mãos unidas: meu Deus!

Não digas que à luz vieste
Para chorar e sofrer,
E como a plantinha agreste
Sonhar um dia e... morrer...

Não digas, pobre querida!
Mesmo se a dor te magoa;
É sempre feliz na vida
A alma que é pura e boa.

 

CANTAI

Ó vós, que guardais no seio
Com tanto amor e carinho,
— Com o mesmo doce receio
De um’ave que guarda o ninho:

As ilusões mais douradas
Que um’alma de moça encerra: 
Cantai as crenças nevadas
Que divinizam a terra;

Cantai a meiga harmonia
Das esperanças em flor,
Cantai a vida, a alegria,
Na lira santa do amor.

Cantai a vida, a alegria,
— Dizei-o nos vossos cantos —
É uma aurora querida
Que desabrocha sem prantos.

Expatriai a saudade,
— O espinho do coração —
Cantai a felicidade
De uma existência em botão.

É para vós a ventura,
A glória que o mundo tem...
Que vos importa a amargura
De um’alma que chora além?

Eu também irei cantando,
Como vós, meus pensamentos,
Vivendo sempre sonhando
Sem dores e sem tormentos.

E, já que não tenho amores,
E nem embalo esperanças...
Canto o perfume das flores,
Canto o riso das crianças.

 

DE JOELHOS

Ajoelhada, ó minh’alma, abraçando o madeiro
Em que morreu Jesus, o teu celeste amigo!
A seus pés acharás o pouso derradeiro,
O derradeiro amparo, o derradeiro abrigo.

Ajoelha e soluça... A noite, mãe piedosa,
Te aperta contra o seio e te ensina a rezar...
Balbucia a oração, pequenina e formosa,
Das estrelas no céu e das ondas no mar.

Ajoelha e soluça, implorando a alegria
Que a saudade sem fim do coração te arranca,
E a graça de viver, como a Virgem Maria,
Eternamente pura, eternamente branca.

Ajoelha e repete a prece imaculada
Que aprendeste a rezar no tempo de criança;
Deixa a prece subir como uma ária encantada
Se evolando da terra ao País da Esperança.

Ajoelha e soluça... A dúvida, que importa?
Ninguém poderá rir ante uma dor tamanha...
Todos beijam a Cruz, toda a descrença é morta
Quando se chega ao pé da sagrada montanha.

De joelhos, minh’alma, ao pé do lenho santo
Em que sofre Jesus a derradeira pena!
Deixa cair-lhe aos pés em gotas o teu pranto...
Que as enxugue no céu a doce Madalena!

Ajoelha e soluça, implorando a alegria
Que a saudade sem fim do coração te arranca,
E a graça de viver, como a Virgem Maria,
Eternamente pura, eternamente branca...

 

DE LONGE

Para os teus anos, formosa,
Onde não vão meus desejos?
Mas, longe de ti, saudosa,
Só posso enviar-te beijos.

Seria, porém, com pressa,
Cheia de muito receio,
Que eu faria esta remessa
De beijos pelo correio.

E, então, pelo espaço alado
Eu vou soltá-los em bando,
Como um batalhão dourado
De passarinhos voando.

Podem, assim, os amores
Levar-te n’asa dispersos:
Minh’alma desfeita em flores
E o meu coração em versos.

 

DESALENTO

Quando o meu pensamento se transporta
Às praias de além-mar,
Sinto no peito uma tristeza imensa
Que manda-me chorar.

É que vejo morrerem, uma a uma,
Santas aspirações,
E voarem com os pássaros saudosos
As minhas ilusões...

Nunca julguei que a terra fosse um túmulo
De sonhos juvenis,
Sorrindo acreditei que aqui, no mundo,
Podia ser feliz...

Enganei-me: — a tristeza, que me oprime
O coração sem luz...
Como o Sol o derradeiro raio
Nos braços de uma cruz...

A trêmula saudade que entristece
E faz desfalecer;
Essa agonia lenta que me inspira
Desejos de morrer... 

Tudo me diz que a vida é o desengano,
A morte da Ilusão,
E o mundo um grande manto de tristezas
Que enluta o coração.

 

DADÁ

Dadá tinha um filhinho muito louro,
Tão louro como um raio de luar.
Aquela criancinha era o tesouro,
O imaculado encanto do seu lar.

Dadá o amava tanto que no mundo
Su’alma em coisa alguma achava brilho.
Nada alterava aquele amor profundo:
Só via o berço onde sonhava o filho.

Quanto cuidado e que afeição tão santa!
A areia onde brincando ele corria,
Se ela pudesse (ah! se não fosse tanta!)
Mesmo dentro do seio a guardaria.

Desejava que a terra fosse um ninho
Habitado por ela e os seus amores;
Queria mais que o buliçoso anjinho
Só visse o céu e só pisasse em flores.

Pois se ele era o sorriso de seus olhos
Desde que o esposo para o Além se fora!
Se era a luz que surgia entre os abrolhos
De su’alma tristonha e sofredora!

Sorrindo a mãe dizia olhando a terra
E o casto manto azul de lá do céu:
“Sois muito lindo, mas nenhum encerra
Joia mais linda do que o filho meu.”

E tinha bem razão. O seu Laurinho,
Aquela criatura tão franzina,
Guardava lírios brancos no rostinho
E uma rosa na boca pequenina.

Não consentia que ele um só minuto
Dos cuidados maternos se afastasse:
Era um contraste a sombra de seu luto
Na alvura virginal daquela face!

E se às vezes a garrula criança
Disparava a correr jardim a fora.
Dadá pensava que sua esperança
Ia fugindo ou que morria a aurora...

Então cismava cheia de receio,
Como se o seu filhinho mais não visse:
E se alcançava, comprimia-o ao seio,
Temerosa que ainda lhe fugisse..

Se ele morresse, o que seria dela?
Dadá cuidava às vezes tristemente
Se essa criança era como a estrela
Que guiava os Reis Magos no Oriente?

E entre esperanças e temores francos,
Lauro crescia cada vez mais lindo;
Quando falava, os seus dentinhos brancos
Lembravam à gente um bogari abrindo.

Um dia, ao acordar, Lauro queixou-se
De que o corpinho todo lhe doía.
A mãe cercou-o de um carinho doce:
O seu filhinho de que sofreria?

E ele chorava que fazia pena
Naquela alegre e límpida manhã,
Pálida a face como uma açucena,
E o róseo lábio a murmurar: “mamã”!

Dadá beijava aquela mão querida
E os pés e o rosto e o peito nu e a boca:
Queria ver se lhe incutia a vida
Naqueles beijos que lhe dava, louca!

O triste pobrezinho soluçava
Entre as carícias do materno afago;
E, em seus olhos, a morte esvoaçava
Bem como um corvo à tona azul de um lago.

Antes do sol pender sobre o horizonte
O querubim cessava de existir;
E alguém ainda lhe beijava a fronte:
Era Dadá a soluçar e a rir.

Estava louca. D’ora em diante, a vida,
Quem lhe traria ao ninho seu deserto?
Lauro morrera... Branca flor pendida
Caíra murcha num esquife aberto!

Ela bem vira quando carregavam
O meigo arcanjo dentro de um caixão...
Almas cruéis! Do seio lho arrancaram
E com ele também seu coração!

Há muitos anos que isto sucedeu,
Mas, entretanto, o que da morte a salva
É que Dadá, quando contempla o céu,
Diz que seu filho está na estrela d’Alva.

 

DOENTE

A lua veio... foi-se... e em breve ainda,
Há de voltar, a doce lua amada,
Sem que eu a veja, a minha fada linda,
Sem que eu a veja, a minha boa fada.

Ela há de vir, Ofélia desmaiada,
Sob as nuvens do céu na alvura infinda
Do seu branco roupão, noiva gelada,
Boiando à flor de um rio que não finda.

Ela há de vir, sem que eu a veja... Entanto,
Com que tristezas e saudoso encanto
Choro estas noites que passando vão...

Ó lua! mostra-me o teu rosto ameno:
Olha que murcha à falta de sereno
O lírio roxo do meu coração!

 

DOLORES

Já vão caminho no cemitério
Meus louros sonhos em visões negras,
E vão-se todos no azul sidéreo
Como uma nuvem de toutinegras.

A noite de ontem levei chorando
Todo o passado de meus amores;
E o dia ainda me achou rezando
No imenso terço de minhas dores.

Vejo na vida longo deserto
Sem doce oásis de salvação.
Dentro em minh’alma, doida, chorosa,
De pobre moça tuberculosa,
Cheio de medo, trêmulo, incerto
Bate com força meu coração.

E assim morrendo, coitada, aos poucos,
Convulsa e fria, louca de espanto,
Solto suspiros, soluços roucos,
Olhando as cruzes do Campo Santo.

Porque me lembro que muito breve
Leva-me a ele tanta dor física.
E dentro em pouco, branco de neve,
Verão o esquife da pobre tísica.

 

ETERNA DOR

Alma de meu amor, lírio celeste,
Sonho feito de um beijo e de um carinho,
Criatura gentil, pomba de arminho,
Arrulhando nas folhas de um cipreste.

Ó minha mãe! Por que no mundo agreste,
Rola formosa, abandonaste o ninho?
Se as roseiras do céu não têm espinhos,
Quero ir contigo, ó lírio meu celeste!

Ah! se soubesses como sofro, e tanto!
Leva-me à terra onde não corre o pranto,
Leva-me, santa, onde a ventura existe...

Aqui na vida — que tamanha mágoa! 
O próprio olhar de Deus encheu-se d’água...
Ó minha mãe, como este mundo é triste!

 

ESTRADA A FORA

Ela passou por mim toda de preto,
Pela mão conduzindo uma criança...
E eu cuidei ver ali uma esperança
E uma Saudade em pálido dueto.

Pois, quando a perda de um sagrado afeto
De lastimar esta mulher não cansa,
Numa alegria descuidosa e mansa,
Passa a criança, o beija-flor inquieto.

Também na Vida o gozo e a desventura
Caminham sempre unidos, de mãos dadas,
E o berço, às vezes, leva à sepultura...

No coração, — um horto de martírios! 
Brotam sem fim as ilusões douradas,
Como nas campas desabrocham lírios.

 

FLORES

Quando começa a raiar
O dia cheio de amor,
Eu gosto de contemplar
O coração de uma flor,

Desmaiada e tremulante,
Pendendo triste no galho,
Tendo o pistilo brilhante
Embalsamado de orvalho:

A rosa só me parece,
Assim tão casta e sem véu,
Um anjo rezando a prece
Um’alma voando ao céu.

Do jasmim puro e mimoso,
A corola embranquecida,
É como um seio formoso
De criança adormecida.

Esqueço-me, então, das horas
A contemplar estas flores,
As violetas, auroras,
Saudades, lindos amores.

 

FLOR DO CAMPO

Moça ingênua e formosa,
Ó doce filha do sertão agreste!
O teu olhar celeste
Tem o fulgor da Noite luminosa.

Guarda a mesma doçura,
O mesmo encanto feito de esperanças
Dos olhos das crianças,
Ninho de sonho e ninho de ternura.

A luz do Paraíso,
Quando a alegria tua boca enflora,
Resplende como a aurora
Na graça virginal de um teu sorriso.

És inocente e boa
Como a Quimera que em teu seio canta
Tens a beleza santa
Da pomba amiga que no Espaço voa.

Jamais alguém te disse
Que tens o rosto branco como o gelo,
A noite no cabelo
E o sorriso tão cheio de meiguice.

Por isso inda é mais bela
A tua fronte cândida e tranquila,
E o fogo que cintila
No teu olhar é como o de uma estrela.

Angélica e suave,
É tua voz que as almas adormece,
Um ciciar de prece,
Embalando a saudade de algum’ave.

Hoje tu’alma ignora
Toda a magia deste rosto puro;
Mas, olha, no futuro
Lembrar-te-ás do que não vês agora.

E, então, com que saudade
Recordarás esse passado morto
Em triste desconforto,
Chorando os sonhos da primeira idade.

Ó lindo malmequer,
Anjo que vives a sonhar com Deus...
Põe os olhos nos meus
E ouve bem séria o que te vou dizer:

Um dia, talvez cedo,
Teu coração palpitará inquieto
E, transbordando afeto,
Há de afagar um íntimo segredo.

Para tu’alma honesta
O Céu inteiro, iluminado, ó flor!
Com a luz de um puro amor
Há de brilhar como uma Igreja em festa.

E assim, risonha e calma,
Conduzirá ao porto da aliança,
Na barca da Esperança,
Como um troféu, o noivo de tu’alma.

E Deus há de baixar
Sobre estas duas mãos que o padre estreita,
A bênção mais perfeita,
O seu mais doce e mais divino olhar.

Feliz, muito feliz,
A tua vida correrá de manso
No plácido remanso
De quem adora o céu e o céu bem-diz.

Depois, do Paraíso,
Jesus há de enviar-te uma filhinha,
Formosa criancinha
Que embalarás cantando num sorriso.

E ela há de ser bonita
E boa como tu, anjo terrestre,
Ó linda flor silvestre,
Minha singela e casta margarida!

E após anos e anos,
Quando ela ficar moça e no teu rosto
A sombra do sol posto
For desdobrando o manto dos enganos.

Num dia de verão,
Sentado à porta, à hora do descanso,
Sorrindo, bem de manso,
Há de dizer, pegando-te na mão.

O velho esposo amigo:
— Repara como é linda a nossa filha!
Seu riso como brilha!
Eras assim quando casei contigo.

E tu hás de evocar,
Entre saudades trêmulas e ais,
Aquele tempo que não volta mais!

E no gracioso olhar
De tua filha os olhos mergulhando,
Deixarás a tu’alma ir flutuando

Sobre a onda bendita
Daquele mar puríssimo e dolente...

E, então, murmurarás saudosamente:
Ah! como fui bonita!

Alto da Saudade.

 

FEFA

Engraçada e pequenina
Eu imagino-a tão leve
Como uma doce bonina,
Uma açucena de neve.

No rosto, claro e risonho,
Guarda a brancura de um véu;
Traz à mente um casto sonho,
Um sonho vindo do céu.

Chamam-na Fefa. É tão bela
Como um sorriso sem fim,
Mimosa como uma estrela
E pura como um jasmim...

O nome não lhe vai bem,
Outro melhor lhe cabia:
Àquela nívea cessem
Deviam chamar Maria.

Parece do céu. É linda
Como um menino Jesus:
Não fala direito ainda
Mas beija sorrindo a Cruz.

Às vezes, junta as mãozinhas
E finge que vai rezar...
Eu penso nas andorinhas:
Quando se põe a rezar
O lábio das criancinhas
É um’asa a palpitar.

Meu Deus! quanta luz se encerra
Daquela vida no albor...
Protege, Jesus, na terra,
O seio branco da flor.

A alma que tu lhe deste
Guarda-a, Senhor, do martírio:
Derrama o orvalho celeste
No coração deste lírio!

 

FELIZ

Dizes-me que a ventura te foi dada
E contente tu’alma jamais chora:
Vives sorrindo à luz de uma alvorada
E a noite para ti é cor da aurora...

Não creio nessa dita, me perdoa.
Ninguém na terra pode ser feliz.
Até o sino que na torre soa
Tem sua dor, nem sempre ele bem-diz.

Longe... distante... Pelo azul chalreando,
A modular uns hinos tão suaves,
Pássaros meigos lá se vão cantando...
Mas tu crês na ventura dessas aves?

Repara bem naquela que ficou
Pousada lá no cimo da aroeira:
Ela chora, coitada, pois deixou
Muito longe perdida a companheira.

Aves da terra, em tímidos adejos,
Também alegres como as rolas mansas,
Rostos corados, recendendo beijos,
Correm cantando grupos de crianças.

E enquanto passa, em revoada louca,
Este dourado batalhão de arcanjos,
Eu quero ouvir-te da risonha boca
Se é eterna a ventura desses anjos.

A moça também sofre... Um áureo cofre
Guarda-lhe os prantos e o martírio duro,
E, de todas, aquela que mais sofre
É a que tem o coração mais puro.

 

FIO PARTIDO

I
Fugir à mágoa terrena
E ao sonho, que faz sofrer,
Deixar o mundo sem pena
Será morrer?

Fugir neste anseio infindo
À treva do anoitecer,
Buscar a aurora sorrindo
Será morrer?

E ao grito que a dor arranca
E o coração faz tremer,
Voar uma pomba branca
Será morrer?

II
Lá vai a pomba voando
Livre, através dos espaços...
Sacode as asas cantando:
“Quebrei meus laços!”

Aqui, n’amplidão liberta,
Quem pode deter-me os passos?
Deixei a prisão deserta,
Quebrei meus laços!

Jesus, este voo infindo
Há de amparar-me nos braços
Enquanto eu direi sorrindo:
Quebrei meus laços!

 

FALANDO AO CORAÇÃO

Desperta, coração! vamos morar
Numa casinha branca, ao pé do mar...
Que seja linda como é linda a Lua
Que em noites santas pelo azul flutua:
Imaculada como a luz do amor,
Alva de neve como um sonho em flor.

Quando a Noite vier... se no meu seio
Estremeceres cheio de receio,
— Tremendo a sombra que amortalha o Dia
E cobre a terra de melancolia, 
Longe do mundo e da desesperança,
Hei de embalar-te como uma criança.

Quero que escutes o gemer profundo
Do mar que chora a pequenez do mundo
E ouças cantar a doce barcarola
Da noite imensa que se desenrola,
Dando perfume ao coração dos lírios,
Trazendo sonhos para os meus martírios.

E quando o Sol nascer; quando, formosa
Como uma garça branca e misteriosa,
Batendo as asas cor de neve, a Aurora
Vier cantando pelo mundo a fora,
Rufla as asas também... e forte, então,
Tu podes palpitar, meu coração!

Acorda para a Vida e canta e canta,
O Sol da Terra — iluminada e santa!
Deixa o teu sonho de saudade e dores
Dormir no seio trêmulo das flores...
E foge e foge pelo Espaço, à toa,
Pomba exilada que a seus lares voa!

Esquece a louca e pálida amargura
Que há tantos anos meu viver tortura...
Canta o teu hino de ilusão querida,
Esquece tudo o que não seja a Vida,
E, para o céu das alegrias mansas,
Conduz nas asas minhas esperanças...

Não vês? Minh’alma é como a pena branca
Que o vento amigo da poeira arranca
E vai com ela assim, de ramo em ramo,
Para um ninho gentil de gaturamo...
Leva-me, ó coração, como esta pena
De dor em dor até à paz serena.

Desperta, coração, vamos morar
Numa casinha branca, ao pé do mar...
Quero que escutes, a sonhar comigo,
A queixa eterna do Oceano amigo
E ouças o canto triunfal da Aurora
Batendo as asas pelo mar a fora...

 

GENTIL

Como é gracioso e lindo o pequenino louro
Que às vezes, à tardinha, eu vejo docemente
Passar junto de mim como um sorriso de ouro,
Anjo que vem do céu na luz do Sol poente.

Como é gracioso e lindo! Eu cuido ver um sonho,
— Um sonho cor da aurora e belo como o mar —
Quando os olhos sem luz entristecidos ponho
Na pupila gentil daquele meigo olhar.

O seu cabelo guarda a cor serena e doce
Da pálida estrelinha ao despontar do dia.
Talvez que um anjo diga, ao vê-lo: “desmanchou-se
O louro resplendor do filho de Maria!

 

GOIVOS

I
Um dia... (eu era menina)
Trouxeram-me um passarinho:
Era uma ave pequenina,
Roubada ao calor do ninho.

Inda não era sol posto...
Quanto perfume trazia
A aragem fresca e macia
Daquela tarde de Agosto!

Devagarinho, no solo,
Sentei-me a cantarolar;
De manso, pus-me a embalar
O pobrezinho no colo.

Que tempo estive, não sei!
Do mundo inteiro distante,
O jardim, naquele instante,
Foi a terra que eu amei.

Depois... a noite descia...
E eu senti, dentro do seio,
Não sei que vago receio
Da tarde que, além, morria!

Numa gaiola pequena
Fui deitar o passarinho,
Fazendo lá dentro um ninho
De algodão frouxo e de pena.

Mas dias depois, ó dor!
Que grande desdita a minha!
No fundo da gaiolinha
Achei morto o pobre amor.

Tinha o biquinho entreaberto,
Qual se morresse a cantar,
E um par de asas aberto,
Como se fosse a voar.

Chorei sem hipocrisia,
Como se chora em criança...
Era a primeira esperança
Que do seio me fugia.

II
Que de anos já vão! Entanto,
Só recordo, entristecida,
A hora em que vi sem vida
O meu pequenino encanto.

E, daquele triste dia
Do meu viver de criança,
Conservo como lembrança
A gaiolinha vazia.

Lembrança ingênua e sagrada!
Carícia que se balouça,
Entre os meus sonhos de moça,
Como relíquia adorada!

III
Um dia destes, enferma,
Eu recordava, a chorar,
Um sonho que vi brilhar
Em minha vida tão erma.

E, cheia de desconforto,
Fui evocando o perfil,
Sereno, meigo e gentil
De meu irmãozinho morto,

Quando ouvi, muito baixinho,
Um grito vago e dorido,
Como o saudoso gemido
De um’ave, pedindo o ninho...

Quem ousaria, no mundo,
Penetrar na soledade
Onde gemia a saudade
Do meu coração no fundo?

Julguei sonhar... Mas, desperta
Estava, ainda, e sozinha!
Aquele gemido vinha
Lá da gaiola deserta.

Era o soluço choroso
Da ave que se partira
E de meu seio fugira
Em busca do azul formoso!

Mas... a gaiola vazia,
Que eu conservo noite e dia.
Não sabem? É o coração...
É dentro dele que mora,
É dentro dele que chora,
A alma de meu irmão!

 

HOJE

Fiz anos hoje... Quero ver agora
Se este sofrer que me atormenta tanto
Me não deixa lembrar a paz, o encanto,
A doce luz de meu viver de outrora.

Tão moça e mártir! Não conheço aurora,
Foge-me a vida no correr do pranto,
Bem como a nota de choroso canto
Que a noite leva pelo espaço em fora.

Minh’alma voa aos sonhos do passado,
Em busca sempre desse ninho amado
Onde pousava cheia de alegria.

Mas, de repente, num pavor de morte,
Sente cortar-lhe o voo a mão da sorte...
Minha ventura só durou um dia.

 

HORA DE PAZ

Como é feliz a hora do descanso!
Quando sinto os meus olhos, manso e manso,
Morrendo para a luz...
Todas as dores da Saudade esqueço,
Junto as mãos sobre o seio e adormeço
Sorrindo para a Cruz...



JESUS! MARIA!

Meu coração guarda escritos
E canta em doce harmonia
Estes dois nomes benditos:
Jesus! Maria!

Se o dia nasce e, na altura,
O sol formoso irradia,
Minh’alma acorda e murmura:
Jesus! Maria!

Se a noite desce e, tão brando,
O Sonho azul me inebria,
Sempre adormeço cantando:
Jesus! Maria!

Da ilusão se o sopro lindo
Todo o meu ser extasia,
Alegre digo, sorrindo:
Jesus! Maria!

Meu coração, quando pulsa,
Louco de dor e agonia,
Ainda grito convulsa:
Jesus! Maria!

Jesus! Maria! Invocando
Em vós o sol que alumia,
Quero morrer soluçando:
Jesus! Maria!

 


LÁGRIMAS

Eu não sei o que tenho... Essa tristeza
Que um sorriso de amor nem mesmo aclara,
Parece vir de alguma fonte amara
Ou de um rio de dor na correnteza.

Minh’alma triste na agonia presa,
Não compreende esta ventura clara,
Essa harmonia maviosa e rara
Que ouve cantar além, pela devesa.

Eu não sei o que tenho... Esse martírio,
Essa saudade roxa como um lírio,
Pranto sem fim que dos meus olhos corre,

Ai, deve ser o trágico tormento,
O estertor prolongado, lento, lento,
Do último adeus de um coração que morre...

 

LOLI

Formosa e pura como um lírio puro
Na sua alvura virginal de neve,
Loli, no esquife pequenino e leve,
Lá vai caminho do sepulcro escuro.

Vai vestidinha como a Virgem santa
Mãe de Jesus, o doce Nazareno:
Mortalha branca de um alvor que encanta,
Manto estrelado, cor do azul sereno.

Pálida a face, faz lembrar tão linda
De um lírio murcho a palidez sem fim.
Como é bonito amortalhado assim
Um lírio branco desabrochando ainda!

O caixãozinho tem a cor divina
Do mundo imenso, onde Jesus habita,
E o frio corpo da gentil menina
Repousa nele entre jasmins e fita.

Seu cabelito, perfumado e louro,
Cobriram todos de cheirosas flores...
Traz-nos à mente, sepultado em dores,
Um encantado e virginal tesouro.

Todos soluçam, meigos, contemplando
O esquife santo que caminha ali.
Beijos saudosos em formoso bando
Voam, gemendo, a procurar Loli.

Ó criancinha, ó pequenina aurora!
Descerra as folhas, açucena amiga!
Rosa adorada que o tufão desliga
Da haste mimosa, quem te beija agora?

Mas já não ouve, o pobre sonho morto...
Tão longe o esquife! ninguém mais o alcança...
Barco celeste, vai levando ao porto
O corpo amado desta flor criança.
.....................................................
E branca, e branca como um lírio puro,
Na sua alvura virginal de neve,
Loli, no esquife pequenino e leve,
Lá foi caminho do sepulcro escuro. 



LUZ E SOMBRA

Vamos seguindo pela mesma estrada,
Em busca das paragens da ilusão;
A alma tranquila para o céu voltada,
Suspensa a lira sobre o coração.

Ris e eu soluço... (Loucas peregrinas!)
E em toda parte, enfim, onde passamos,
Deixo chorando os olhos das meninas,
Deixas cantando os pássaros nos ramos.

Porque elas amam tua voz canora,
Ó delicado sabiá da mata!
E eu lembro triste a juriti que chora
E a voz dorida em lágrimas desata.

Gostam de ver-te o rosto de criança
Limpo das névoas de um martírio vago,
O lábio em riso, desmanchada a trança,
No olhar sereno a candidez do lago.

Até perguntam quando sobre a areia
Em que tu pisas vão nascendo rosas:
“Bela criança, tímida sereia,
Irmã dos sonhos das manhãs radiosas.

Por que trilhando a terra dos caminhos,
Onde o teu passo faz brotar mil flores,
Esta velhinha vai deixando espinhos
E um longo rastro de saudade e dores?”

Não lhes respondas... Pela mesma estrada
Sigamos sempre em busca da Ilusão;
A alma tranquila para o céu voltada,
Suspensa a lira sobre o coração.

Vamos; desprende a doce voz canora,
Que ela afugenta da tristeza o açoite;
E, enquanto elevas o teu hino à aurora,
Eu vou rezando as orações da noite...

 

LÍDIA

Feliz de quem se vai na tua idade,
Murmura aquele que não crê na vida,
E não pensa sequer na mãe querida
Que te contempla cheia de saudade.

Pobre inocente! Se alegrar quem há de
Com tua sorte, rosa empalidecida!
Branca açucena inda em botão, caída,
O que irás tu fazer na eternidade?

Foges da terra em busca de venturas?
Mas, meu amor, se conseguires tê-las,
Decerto, não será nas sepulturas.

Fica entre nós, irmã das andorinhas:
Deus fez do céu a pátria das estrelas,
Do olhar das mães o céu das criancinhas.

 

MÍSTICO
(Ao Sair da Igreja Depois da Comunhão)

A chuva cai do céu e o mundo é como um ermo,
Um deserto sem fim de onde emigrou a luz...
Mas, que me importa a treva, a escuridão sem termo,
Se eu sinto dentro em mim quem fez o Sol — Jesus?

 

MIMO DE ANOS

Pensei ao acordar:
Faz anos Sinhazinha.
À minha afilhadinha
Que mimo posso dar?

E, d’alma nos refolhos,
Alguém disse-me, então:
Leva-lhe o coração
E a bênção de teus olhos.

E logo, ó flor celeste!
Corri a abençoar-te...
Mas, antes de abraçar-te,
A minha mão vieste

Beijar tão docemente,
Com tão gentil carinho,
Como o de um pobrezinho
Beijando a mão clemente

Daquele que o consola
Lançando-lhe no seio,
Cheio de humilde enleio,
A pequenina esmola!

E eu cismo, então, com pejo:
Bênção e coração,
Acaso valerão
O mimo desse beijo?

Um beijo de criança,
Caindo em minhas dores,
É como o Sol nas flores.
O pálio da esperança.

E enquanto, ó lírio, voa
A ti meu coração,
Beijando a minha mão,
És tu quem me abençoa...

Ó doce inocentinha,
Guarda a sonhar, contigo,
O coração amigo
E a bênção da madrinha.

 

MAGOS

Jesus sorri. Que ternura,
Que doce favo de luz
Vejo brilhar na candura
De seus dois olhos azuis!

Chegam os Magos. De joelho,
Cheios de unção e de amor,
Beijam o pesinho vermelho
Do pequenino Senhor.

Trazem-lhe mesmo um tesouro
Lembrando glória e tormento:
Caçoulas de incenso e ouro
É a mirra do sofrimento.

Ó Reis do grande Oriente,
Por que lembrastes, então,
Á mãe do louro inocente
A dor sem fim da Paixão?

Não vedes que a Virgem chora
Olhando a mirra cruel?
É que ela se lembra agora
Da esponja embebida em fel.

Talvez não vísseis o lindo
Bando gentil de pastores
Que o rodearam sorrindo,
Mas só lhe trouxeram flores!

 

MORTA

Dos braços da mãe querida
Desceu Laura à sepultura:
Morreu na manhã da vida,
Criancinha ainda e tão pura!

Não viu desabrochar-lhe n’alma
A aurora dos quinze anos;
Fugiu inocente e calma
Do mundo cheio de enganos.

Temeu, pobre mariposa!
O encanto louco das brasas,
Pois, na friez de uma lousa,
O arcanjo não queima as asas.

De todo o choroso dia
Só nos resta na lembrança,
Como visão fugidia
Daquela virgem criança:

Um caixãozinho funéreo,
— Abismo de nossas dores —
Conduzido ao cemitério
Como uma cesta de flores

 

MELANCOLIA

Sinto no peito o coração bater
Com tanta força que me causa medo...
Será a morte, meu Deus? Mas é tão cedo!
Deixai-me inda viver.

Tudo sorri por este campo em flor,
O amor e a Luz vão pelo céu boiando...
Só eu vagueio a suspirar, chorando
Sem Luz e sem amor.

Lutando sempre com uma dor cruel
Cheia de tédio e desespero, às vezes;
Minh’alma já tragou até às fezes
O cálice de fel.

E o coração no seio a palpitar,
Como se acaso não tivesse crença,
Pulsa com a força indefinida, imensa,
Dos vagalhões do mar.

 

MISTÉRIO

Sei que tu’alma carinhosa e mansa
Voou, sorrindo, para o azul celeste;
Sei que teu corpo virginal descansa
Aqui da terra num cantinho agreste.

Tudo isto sei: mas tu não me disseste
Se lá no céu, na pátria da Esperança,
Ou aqui no mundo, à sombra do cipreste,
Deixaste o coração, loura criança!

Desceu acaso com o corpo à terra
Ele tão puro e que só luz encerra?
Não creio nisso e ninguém crê decerto...

Entanto, eu cismo que, num vale ameno,
Talvez o seio de um jasmim pequeno
Sirva de berço ao coração de Alberto.

 

MEU PAI

Desce, meu Pai, a noite baixou mansa.
Nem uma nuvem se vê mais no céu:
Aninharam-se aqui no peito meu,
Onde, chorando, a negra dor descansa.

Quando morreste eu era bem criança,
Balbuciava, sim, o nome teu,
Mas deste rosto santo que morreu
Já não conservo a mínima lembrança.

A noite é clara; e eu, aqui sentada,
Tenho medo da lua embalsamada,
Corta-me o frio a alma comovida.

Se lá no céu teu coração padece,
Vem comigo rezar a mesma prece:
Tua bênção, meu pai, me dará vida!

 

MATE

Minha mãe! meu amor! Por que voaste, rindo,
Para o país azul e santo da quimera?
Minha mãe! minha mãe! Se o céu é sempre lindo,
Aqui também há sol, também há primavera...

Depois que te partiste e os teus pobres filhinhos,
Pequeninos e sós, deixaste na orfandade,
Ficamos a chorar — implumes passarinhos! 
Que os pássaros também soluçam de saudade.

Pobres aves sem ninho, andamos a procura
Do ninho de teu seio imaculado e amigo,
Criancinhas sem berço, em busca de um abrigo
No berço de tu’alma alabastrina e pura.

Não nos deixe sofrer, outrora, quando aflita
Tu nos via chorar — os risos de tu’alma! 
Soluçavas também e a tua mão bendita,
Nos enxugando o pranto, o transformava em calma.

Teu seio, ó minha mãe, era a corrente mansa,
Sempre serena e doce em seu gemer eterno,
Onde boiava, a rir, noss’alma de criança
No mimoso batel do coração materno.

Como era bom dormir na curva de teu braço,
Sonhando adormecer ouvindo-te cantar...
Como era bom dormir, ó mãe, em teu regaço,
Dourando-nos o sono a luz de teu olhar! 



MORENA

Ó moça faceira,
Dos olhos escuros,
Tão lindos, tão puros,
Qual noite fagueira!

Criança morena,
Teus olhos rasgados
São céus estrelados
Em noite serena!

Que doces encantos
No brilho fulgente,
No brilho dolente
De teus olhos santos!

E eu vivo adorando,
Meu anjo formoso,
O brilho radioso
Que vão derramando.

Em chamas serenas,
Tão mansas e puras,
Teus olhos escuros,
Ó flor das morenas!

 

MANHÃ NO CAMPO

Estendo os olhos pelo prado a fora:
Verdura e flores é o que a vista alcança...
— Bendito oásis onde o olhar descansa
Quando saudades do passado chora.

Escuto ao longe uma canção sonora.
Voz de mulher ou, antes, de criança
Entoa o hino branco da Esperança,
Hino das aves ao nascer da Aurora.

Por toda parte risos e fulgores
E a Natureza desabrochando em flores,
Iluminada pelo Sol risonho,

Recorda um’alma diluída em prece,
Um coração feliz que inda estremece
À luz sagrada do primeiro sonho!

 

MINH’ALMA E O VERSO

Não me olhes mais assim... Eu fico triste
Quando a fitar-me o teu olhar persiste
Choroso e suplicante...
Já não possuo a crença que conforta.
Vai bater, meu amigo, a uma outra porta.
Em terra mais distante.

Cuidavas que era amor o que eu sentia
Quando meus olhos, loucos de alegria,
Sem nuvem de desgosto,
Cheios de luz e cheios de esperança,
Numa carícia ingenuamente mansa,
Pousavam no teu rosto?

Cuidavas que era amor? Ah! se assim fosse!
Se eu conhecesse esta palavra doce,
Este queixume amado!
Talvez minh’alma mesmo a ti voasse
E num berço de flor ela embalasse
Um riso abençoado.

Mas, não, escuta bem: eu não te amava.
Minha alma era, como agora, escrava...
Meu sonho é tão diverso!
Tenho alguém a quem amo mais que a vida,
Deus abençoa esta paixão querida:
Eu sou noiva do Verso.

E foi assim. Num dia muito frio.
Achei meu seio de ilusões vazio
E o coração chorando...
Era o meu ideal que se ia embora,
E eu soluçava, enquanto alguém lá fora
Baixinho ia cantando:

“Eu sou o orvalho sagrado
Que dá vida e alento às flores;
Eu sou o bálsamo amado
Que sara todas as dores.

Eu sou o pequeno cofre
Que guarda os risos da Aurora;
Perto de mim ninguém sofre,
Perto de mim ninguém chora.

Todos os dias bem cedo
Eu saio a procurar lírios,
Para enfeitar em segredo
A negra cruz dos martírios.

Vem para mim, alma triste
Que soluças de agonia;
No meu seio o amor existe,
Eu sou filho da Poesia.”

Meu coração despiu toda a amargura,
Embalado na mística doçura
Da voz que ressoava...
Presa do amor na delirante calma,
Eu fui abrir as portas de minh’alma
Ao verso que passava...

Desde esse dia, nunca mais deixei-o;
Ele vive cantando no meu seio,
Numa algazarra louca!
Que seria de mim se ele fugisse,
Que seria de mim se não ouvisse
A voz de sua boca!

Não posso dar-te amor, bem vês. Meus sonhos
São da Poesia os ideais risonhos,
Em lago de ouro imersos...
Não sabias dourar os meus abrolhos,
E eu procurava apenas nos teus olhos
Assunto para versos.

 

NA PRIMEIRA PÁGINA

Quando meu pobre coração doente,
Cheio de mágoas, desolado e aflito,
Sinto bater descompassadamente,
Abro este livro então: leio e medito.

Leio e medito nesta voz celeste
Quem vem do Além, qual mensageiro santo,
Trazer um ramo de oliveira agreste
Aos que navegam sobre o mar do pranto.

Meus pobres olhos sempre rasos d’água,
Por um instante deixam de chorar;
E nas asas da Prece a minha mágoa
Vai-se um momento para além do mar.

E dentro d’alma, nua de esperança,
Eu penso ouvir como num sonho doce
Alguém que fala numa voz tão mansa
Como se o eco de um suspiro fosse:

“Vem a mim se padeces: no meu seio
Corre a fonte serena da Alegria...
Eu sou Aquele que sorrindo veio
Dourar as trevas da Melancolia.

Eu sou um branco e pálido sorriso
Iluminando a tua solidão:
Faze de minha Cruz um Paraíso
E do meu Coração teu coração.

Faze-te humilde, humilde e pequenina,
Como as crianças, como os passarinhos...
Escuta e guarda a minha lei divina,
No sacrário ideal dos meus carinhos.

Não sabes quanto padeci no Horto,
Por ti, por teu amor, filha querida?
Eu sou o Anjo formoso do conforto,
Venho trazer o bálsamo à ferida.

Carrega a tua Cruz e vem comigo
Pela estrada da dor e do Tormento.
Eu serei teu irmão, teu sol, o amigo
Que em lírios mudará o sofrimento.

Venho trazer a Paz... Longe da terra
A Paz habita... Ao pé do Santuário,
Ó minha filha, a doce paz se encerra
Dentro da Hóstia, dentro do Sacrário.

Felizes os que sofrem e no meu seio
Recolhem suas queixas como preces;
Volta o pesar ao céu de onde ele veio...
Feliz, ó sim! feliz tu que padeces!”

E a mesma voz escuto, o mesmo canto,
De cada vez que o meu olhar ungido
Cai docemente neste livro santo,
Lembrança amiga de um irmão querido.

Amo tanto o meu livro, ele é tão puro,
Consola tanto o coração aflito!
Ah! desta vida no caminho escuro
Ele será meu talismã bendito!

E se ele entreabre, a rir, a boca ingênua e pura,
Casta como da rosa o seio imaculado:
“Abrem-se, par em par, — meu coração murmura —
As portas de coral de um palácio encantado!”

Ah! como fico alegre e como canto ao vê-lo!
Foge-me até do seio a sombra do Desgosto.
Inclino-me de leve e beijo-lhe o cabelo
Enquanto o Sol se ajoelha e vem beijar-lhe o rosto...

Ó lírio perfumado! Ó manso cordeirinho
Que guardas a Quimera em teu sorriso em flor...
Vive feliz, ó santo, e que jamais o espinho
Da mágoa te atormente, ó pequenino amor!

Que o meu Verso te leve, açucena bendita,
Nas asas de cristal, as brancas esperanças...
E o afeto sagrado e a ternura infinita
Que minh’alma consagra a todas as crianças!

 

NO ÁLBUM DE EUGÊNIA

Quanta dor a boiar nos olhos das crianças,
Quanta gota a tremer no cálice das flores...
E aqui neste jardim, plantado de esperanças,
Eu venho inda depor a lágrima das dores.

A lágrima é o meu nome escrito entre as formosas
Páginas de teu livro, um berço de boninas!
Pois não bastava o orvalho a tremular nas rosas,
Nem o pranto a rolar nas faces pequeninas?

 

NO JARDIM DAS OLIVEIRAS

“Minh’alma é triste até à morte...” Doce,
Jesus falou... E o Nazareno santo
Chorava, como se a su’alma fosse
Um mar imenso de amargura e pranto.

Depois, silencioso, ele afastou-se
E foi rezar no mais sombrio canto.
Seu grande olhar formoso iluminou-se
Fitando o etéreo e estrelejado manto.

“Pai, tem piedade...” E sua vez plangente
Tremia, enquanto pelas trevas mudas
Baixava manso o triste olhar dolente.

Pobre Jesus! Como num sonho via:
Em cada sombra a traição de Judas,
Em cada estrela os olhos de Maria!

 

NO ÁLBUM DE DOLORES

Escuta-me bem, Dolores,
Não queiras meu nome aqui:
Ele não é colibri
Para viver entre flores.

Tu’alma, irmã de Jesus,
Como consente ficar
Sobre a mesa de um altar
Um pobre círio sem luz?

Meu triste nome choroso
Quer uma outra habitação;
Guarda-o no teu coração,
Lírio celeste e formoso!

Rasga esta folha, Dolores,
Não deixes meu nome ai:
Ele não é colibri
Para viver entre flores.

 

NA CAPELINHA 

Entrou na Igreja sorrindo,
Coberta com um fino véu.
O seu rostinho era lindo
Como o da virgem do céu.

Foi ajoelhar-se contrita
Ao pé do sagrado altar,
E, com piedade infinita,
Principiou a rezar.

Um doce sorriso veio
Encher-lhe a boca de luz.
Uniu as mãos sobre o seio,
Fitou os olhos na Cruz.

O que dizia... Alguém pode
Adivinhar o que diz
A prece que ao lábio acode
Enquanto a gente é feliz?

Nessa idade, para que
Se reza... (saberei eu?)
A gente reza porque
Também se reza no céu.

E ela, tão meiga e pura,
Que não conhecia o mal,
E que guardava a ventura
No coração virginal;

Em sua fé de criança
Ingênua e cheia de amor,
Talvez pedisse a esperança
Para os que vivem na dor.

Talvez tivesse gemidos
Para quem vive a chorar,
Para os que vagam perdidos
Nas frias ondas do mar.

E enquanto o lábio querido
Orava piedoso assim,
Do negro olhar comovido
O pranto rolou por fim.

E deslizaram sem calma
As bagas por sua tez,
No desconsolo de um’alma
Que chora a primeira vez.

Su’alma santa onde moram
A Luz, a Inocência e o Bem,
Pedindo pelos que choram
Foi soluçando também.

E compreendendo o segredo
Daquela doce emoção,
Eu disse baixinho, a medo,
Falando ao meu coração:

Benditos nós que sofremos
Varados por mágoa atroz...
Enquanto assim padecemos
Os anjos pedem por nós.

 

NEVER MORE

I
Não te perdoo, não, meus tristes olhos
Não mais hei de fitar nos teus, sorrindo:
Jamais minh’alma sobre um mar de escolhos
Há de chamar por ti no anseio infindo.

Jamais, jamais, nos delicados folhos
Do coração como num ramo lindo,
Há de cantar teu nome entre os abrolhos
A ária gentil de meu sonhar já findo.

Não te perdoo, não! E em tardes claras,
Cheias de sonhos e delícias raras,
Quando eu passar à hora do Sol posto:

Não rias para mim que sofro e penso,
Deixa-me só neste deserto imenso...
Ah! se eu pudesse nunca ver teu rosto!

II
Ah! se eu pudesse nunca ver teu rosto!
E nem sequer o som de tua fala
Ouvir de manso à hora do Sol posto
Quando a Tristeza já do céu resvala!

Talvez assim o fúnebre desgosto
Que eternamente a alma me avassala
Se transformasse num luar de Agosto,
Sonho perene que a Ventura embala.

Talvez o riso me voltasse à boca
E se extinguisse essa amargura louca
De tanta dor que a minha vida junca...

E, então, os dias de prazer voltassem
E nunca mais os olhos meus chorassem...
Ah! se eu pudesse nunca ver-te, nunca!

 

NO TEMPLO

Que suave harmonia
Em tua voz...
Tu roubaste-a, Maria,
Aos rouxinóis?

Aqui, na Igreja santa,
Se vens rezar,
Quanta piedade, quanta!
Trazes no olhar.

Maria! como és bela,
Junto a Jesus!
O teu olhar de estrela
Parece luz.

E que doce brancura
Na tua cor...
Tens a pálida alvura
De um lírio em flor.

Junta estas mãos, formosa!
Assim... assim...
Deixa o lábio de rosa
Pedir por mim.

Vale tanto uma prece,
Dita por ti!
Mas... a noite já desce.
Vamos daqui.

Olha que eu tenho medo
Da escuridão...
Vamos: termina cedo
Tua oração.

 

NOITE CRUEL

Morrer... morrer... morrer... Fechar na terra os olhos
A tudo o que se ama, a tudo o que se adora;
E nunca mais ouvir a música sonora
Da ilusão a cantar da vida nos refolhos...

Sentir o coração ferir-se nos escolhos
De tormentoso mar, — pobre vaga que chora! 
E no arranco final da derradeira hora,
Soluçando morrer num oceano de abrolhos.

Nem ao menos beijar — ó supremo desgosto! 
A mão doce e fiel que nos enxuga o rosto
Mostrando-nos o céu suspenso de uma Cruz...

E perguntar a Deus na agonia e nas trevas:
Onde fica, Senhor, a terra a que nos levas,
Com as mãos postas no seio e os dois olhos sem luz?!

 

NUM LEQUE

Na gaze loura deste leque adeja
Não sei que aroma místico e encantado...
Doce morena! Abençoado seja
O doce aroma de teu leque amado!

Quando o entreabres, a sorrir, na Igreja,
O templo inteiro fica embalsamado...
Até minh’alma carinhosa o beija,
Como a toalha de um altar sagrado.

E enquanto o aroma inebriante voa,
Unido aos hinos que, no coro, entoa
A voz de um órgão soluçando dores,

Só me parece que o choroso canto
Sobe da gaze de teu leque santo,
Cheio de luz e de perfume e flores!

 

NUNCA MAIS

Que é feito de meu sonho, um sonho puro
Feito de rosa e feito de alabastro,
Quimera que brilhava, como um astro,
Pela noite sem fim do meu futuro?

Que é feito deste sonho, o cofre aberto
Que recebia as gotas de meu pranto,
Bagas de orvalho, folhas de amaranto,
Perdidas na solidão de meu deserto?

Ele passou como uma nuvem passa,
Roçando o azul em flor do firmamento...
Ele partiu, e apenas o tormento,
Sobre minh’alma triste, inda esvoaça.

Meu casto sonho! Lá se foi cantando,
Talvez em busca de uma pátria nova.
Deixou-me o coração como uma cova,
E dentro dele, o meu amor chorando.

Nunca mais voltará... Pois, que lhe importa
Esta morada lúgubre e sombria?
Não pode agasalhar uma alegria
Minh’alma, pobre morta!

 

NATAL 

É meia noite... O sino alvissareiro,
Lá da igrejinha branca pendurado,
Como num sonho místico e fagueiro,
Vem relembrar o tempo do passado.

Ó velho sino, ó bronze abençoado,
Na alegria e na mágoa companheiro!
Tu me recordas o sorrir primeiro
De menino Jesus imaculado.

E enquanto escuto a tua voz dolente,
Meu ser que geme dolorosamente
Da desventura, aos gélidos açoites...

Bebe em teus sons tanta alegria, tanta!
Sino que lembras uma noite santa,
Noite bendita mais que as outras noites!

 

NOEMI

Eu quisera saber em que ela pensa,
Esta mimosa e santa criatura
Quando indeciso o seu olhar procura
Alguma estrela pelo azul suspensa;

E que tristeza, indefinida, imensa,
Do seu olhar na flama, ardente e pura,
Intérmina e suave se condensa
Como as brumas no céu em noite escura.

Pobre criança! Que infinita mágoa
Punge-te o seio e te anuvia os olhos
— Benditos olhos sempre rasos d’água! 

Choras... E o mundo te oferece flores...
Deixa os espinhos, lágrimas e abrolhos,
Só para mim, que só conheço dores!

 

NOITES AMADAS

Ó noites claras de lua cheia!
Em vosso seio, noites chorosas,
Minh’alma canta como a sereia,
Vive cantando num mar de rosas;

Noites queridas que Deus prateia
Com a luz dos sonhos das nebulosas,
Ó noites claras de lua cheia,
Como eu vos amo, noites formosas!

Vós sois um rio de luz sagrada
Onde, sonhando, passa embalada
Minha Esperança de mágoas nua...

Ó noites claras de lua plena
Que encheis a terra de paz serena,
Como eu vos amo, noites de lua!

 

OSWALDO

Oswaldo é um lírio. Nos olhitos francos
Conserva um mundo precioso e lindo;
Quando ele ri, os seus dentinhos brancos
Lembram à gente um bogari abrindo.

É um pequeno querubim risonho;
E se bem longe meu olhar o avista,
Não sei por que só me recordo, em sonho,
Do cordeirinho de São João Batista.

Às vezes beijo-o delicadamente.
E o beijo canta sobre os olhos seus,
Enquanto eu cismo carinhosamente
Que beijo os olhos do menino Deus.

 

OBRIGADA!

...E tu rezas por mim! Como agradeço
Essa esmola gentil de teu carinho...
Como as torturas de minh’alma esqueço
Nessa tua oração, floco de arminho!

Eu te bendigo, ó santa que estremeço,
Alma tão pura como a flor do linho.
É tua prece à mágoa que padeço
Asa de pomba defendendo um ninho!

Reza, criança! Junta as mãos nevadas
E cerra as níveas pálpebras amadas
Sobre os teus olhos como um lindo véu...

Depois, nas asas de uma prece ardente,
Deixa cantar minh’alma docemente,
Deixa subir meu coração ao céu!

 

OLHOS AZUIS

O teu olhar azul claro
Reflete não sei que luz,
O brilho fulgente e raro
Do meigo olhar de Jesus.

Eu cuido ver todo o encanto,
Toda a beleza do céu,
Nestes teus olhos sem pranto,
Nestes teus olhos sem véu.

Sinto uma doce ventura,
Uma alegria sem fim,
Se deles a chama pura
Às vezes cai sobre mim.

São flores azuis boiando
À tona d’água, de leve,
Esses dois olhos beijando
O teu semblante de neve!

 

OS CANÁRIOS

Queriam-se na paz indefinida
Das almas que são puras,
Cheios de amor, de luz e de carinhos,
Eles passavam docemente a vida,
Isentos de amarguras.
Então sorriam, sem pensar que a morte
Inda podia lhes mudar a sorte.
E sempre eles cantavam
Se no espaço adejavam!

Ao despontar da aurora
Chalreavam, procurando, estrada a fora,
O alimento do dia.
Saltando de alegria
Assim voltavam conversando a medo
E pousavam, alegremente, rindo,
Nos ramos do arvoredo.

Eu quisera saber o seu segredo:
Devia ser tão lindo!
Depois, ruflando as asas amarelas,
Iam embora... E eu, triste e sozinha,
Olhava para as belas
Ramagens, onde eles mansamente
Pousavam à tardinha.

A viração, gemendo docemente,
Vinha beijar as avezinhas puras.

Terminaram, porém, tantas venturas:
Morreu um passarinho
Ficou deserto o ninho!

O outro partiu... Não sei onde foi ter;
Talvez bem longe, para, então, morrer,
Em triste soledade.
E o meu olhar dorido
Seguiu a ave, pelo pavor ferido.
Ficava uma saudade!

E murmurei comigo entristecida:
Ó asa aventureira!
Levas toda a paixão de minha vida,
Levas minh’alma inteira!

Desde então vivo triste. Às vezes penso
Neste sofrer indefinido, imenso
Dum pobre coração
Que nas asas do tempo vê voar,
A chorar,
A última ilusão...

 

ORAÇÃO DA NOITE

Ajoelhada, ó meu Deus, e as duas mãos unidas,
Olhos fitos na Cruz, imploro a tua graça...
Esconde-me, Jesus! da treva que esvoaça
Na tristeza e no horror das noites mal dormidas,

Maria! Virgem mãe das almas compungidas,
Sorriso no prazer, conforto na desgraça...
Recolhe essa oração que nos meus lábios passa
Em palavras de fé no teu amor ungidas.

Anjo de minha guarda, ó doce companheiro!
Tu que levas do berço ao porto derradeiro
O lúrido batel de meu sonhar sem fim,

Dá-me o sono que traz o bálsamo ao tormento,
Afoga o coração no mar do esquecimento...
Abre as asas, meu anjo, e estende-as sobre mim.

 

O BEIJA-FLOR

Acostumei-me a vê-lo todo o dia
De manhãzinha, alegre e prazenteiro,
Beijando as brancas flores de um canteiro
No meu jardim — a pátria da ambrosia.

Pequeno e lindo, só me parecia
Que era da noite o sonho derradeiro...
Vinha trazer às rosas o primeiro
Beijo do Sol, nessa manhã tão fria!

Um dia, foi-se e não voltou... Mas, quando
A suspirar, me ponho contemplando,
Sombria e triste, o meu jardim risonho...

Digo, a pensar no tempo já passado;
Talvez, ó coração amargurado,
Aquele beija-flor fosse o teu sonho! 



O CORAÇÃO E O BEIJO

Meu coração chorava e eu lhe dizia:
Por que choras assim, pobre criança?
E o triste, a soluçar, me respondia:
Ninguém pode viver sem Esperança.

Tu tens a Fé. — A Fé? Mas, o que é dela
Sem da Esperança as ilusões serenas?
Um céu à noite sem nenhuma estrela,
Um’alma em flor sem um sorriso apenas...

— Mas tens a Caridade. — A Caridade?
Ah, sim! o vinho que embriaga a dor.
Mas eu não amo... Pois, não é verdade
Que a Caridade é o que se chama — amor?

Nisto passava uma criança linda,
Botão de lírio, imaculado e santo.
Meu coração que soluçava ainda
Sorriu ao ver o melindroso encanto.

E foi beijar-lhe os pequeninos lábios,
Folhas de rosa abrindo de manhã,
Onde adejavam místicos ressabios
Dos beijos de uma mãe e de uma irmã...

Compreendeu, então, o desolado
A linguagem sublime desse harpejo:
Neste mundo de lágrimas povoado,
A Caridade pode estar num beijo! 



O QUE SÃO ESTRELAS

Ai! Quantas vezes eu cismo,
À noite, olhando as estrelas.
Como quem sonda um abismo:
Meu Deus! O que serão elas?

E julgo que são pequenas
Almas gentis de crianças,
Voando as plagas serenas
Como um bando de esperanças.

Caçoulas brancas, sagradas,
Cheias de amor e de encantos,
Hóstias formosas, nevadas,
Eucaristia dos santos.

Sonhos de moça partidos,
Desilusões de poetas,
Raios de luz desprendidos
Das asas das borboletas.

Doces lírios transportados
Para uma encantada horta.
Sorrisos tristes, magoados,
De uns lábios de noiva morta.

Mimosos, lindos novelos,
Formados da luz serena,
Que aureolava os cabelos
Tão louros de Magdalena.

Cada estrela, penso, encerra
Uma alma branca de rosa,
Que os anjos levam da terra
Para a Santa mais formosa.

Deve ser o azul brilhante.
O manto azul de Maria,
E cada estrela um diamante
Que neste manto irradia.

Ou, talvez, penas dispersas
De um’asa nívea de arcanjo...
Pupilas em luz imersas
Dos olhos castos de um anjo...

Parecem círios divinos
No azul imenso e sem véu...
Ninhos de ouro pequeninos
Dos beija-flores do céu...

E enquanto cismo, respondem
Os astros, brancos arminhos:
Nós somos berços que escondem
As almas dos passarinhos.

 

PRECE

Ó Santa estremecida,
Formosa e Imaculada!
Estrela abençoada
Do céu de minha vida!

Rainha casta e Santa
Das virgens do Senhor,
Eterno resplendor
Que o mundo inteiro encanta.

Tu és minha alegria.
Meu único sorriso,
Ó flor do Paraíso,
Angélica Maria!

Ai! quantas vezes, quantas!
A minha fronte inclina
Orando a ti divina,
Ó Santa entre as mais santas!

Ó virgem tão serena!
Tu és meu sonho doce,
Perfume que evolou-se
De um seio de Açucena!

Amada criatura,
Lança-me estremecido
O teu olhar ungido
De imaculada doçura!

Ó Arco da Aliança,
Celeste e branco lírio,
Salva-me do martírio,
Senhora da bonança!

Envolve no teu véu
A minha triste sorte,
E mostra-me na morte
A porta de teu Céu!

 

PÁGINA AZUL

No país de minh’alma há um rio sem mágoas,
Um rio cheio de ouro e de tanta harmonia,
Que se cuida escutar no marulhar das águas
Do sussurro de um beijo a doce melodia.

Este rio é o meu sonho, um sonho azul e puro,
Como um canto do céu, como um braço do mar;
Loura réstia de sol a rebrilhar no escuro,
Casta luz que cintila em torno de um altar.

De um altar que palpita e que sofre e que sonha,
Soletrando a cantar a linguagem do amor...
Do altar do Coração, a paisagem risonha
Onde brotam sorrindo as ilusões em flor.

Vem beber, meu amor, neste rio que é fonte,
É fonte de esperanças e lago de quimera...
Vem morar num país que não tem horizonte,
Onde não chora o Inverno e só há Primavera.

 

PÁGINA TRISTE

Há muita dor por este mundo a fora
Muita lágrima à toa derramada;
Muito pranto de mãe angustiada
Que vem saudar o despontar da aurora!

Alma inocente só de amor cercada
A criancinha a soluçar descora,
Talvez no berço onde o menino chora
Também, oh dor, tu queiras, desolada.

Erguer um trono, procurar guarida...
Foge do berço! Não magoes a vida
Desta ave implume, lirial botão...

Queres um ninho, um carinhoso abrigo?
Pois bem! Procura-o neste seio amigo,
Dentro em minh’alma, aqui no coração!

 

PELO PASSADO

Era um dia de maio... Encheu-se o Templo
De grande multidão;
Só rezavam aquelas que queriam
A paz do coração.

Eu era desse número: ajoelhei-me,
Fiz o sinal da Cruz...
Estava muito triste e desejava
Conversar com Jesus.

Ao pé de seu santo Tabernáculo
Comecei a chorar...
Lembrava-me da infância que fugira
Para nunca voltar.

E repassei na mente atribulada,
Assim, nessa atitude,
Os sonhos liriais e perfumosos
De minha juventude.

Porém, se o triste lábio murmurava
Sentidas orações,
Eu ouvia o soluço angustiado
De minhas ilusões.

De minhas ilusões que se partiam,
Dolentes e chorosas,
Como os anjos voando deste mundo
Às plagas luminosas.

E enquanto assim aos pés do Redentor
Choviam meus lamentos...
Já no Templo de todo se extinguia
A luz dos círios bentos.

 

POBRE FLOR!

Deu-ma um dia antiga companheira
De tempinho feliz de adolescente;
E os meus lábios roçaram docemente
Pelas folhas da nívea feiticeira.

Como se apaga uma ilusão primeira,
Um sonho estremecido e resplendente,
Eu beijei-lhe a corola, rescendente
Inda mais que a da flor da laranjeira.

E como amava o seu formoso brilho!
Tinha-lhe quase essa afeição sagrada
Da jovem mãe ao seu primeiro filho.

Dei-lhe no seio uma pousada franca...
Mas, ai! depressa ela murchou, coitada!
Doce e mísera flor, cheirosa e branca!

 

PALAVRAS TRISTES

Quando eu deixar a terra, anjo inocente,
Ó meu formoso lírio perfumado!
Reza por mim, de joelhos, docemente,
Postas as mãos no seio imaculado,
Quando eu deixar a terra, anjo inocente!

És a estrela gentil das minhas noites,
Noites que mudas no mais claro dia.
Não tenho medo aos gélidos açoites
Da escuridão se a tua luz me guia,
Ó estrela gentil das minhas noites!

Quando eu deixar a terra, dá-me flores
Boiando à tona de um sorriso teu;
Que os risos das crianças são andores
Onde os anjos nos levam para o céu...
Quando eu deixar a terra, quero flores!

Flores e risos me tecendo o manto,
Manto celeste feito de esperanças...
Quando eu daqui me for, não quero pranto,
Só quero riso, preces de criança:
Flores e risos me tecendo um manto!

Anjo moreno de alma cor de lírio,
Mais branca do que a estrela da Alvorada...
Meu coração na hora do martírio
Pede o consolo de uma prece amada,
Anjo moreno de asas cor do lírio!

Quando eu deixar a terra, anjo inocente,
Ó meu formoso lírio perfumado!
Reza por mim, de joelhos, docemente,
Postas as mãos no seio imaculado,
Quando eu deixar a terra, anjo inocente!

 

PENAS DE GARÇA

I
Responde-me, ó juriti,
Ao que te vou perguntar:
Por que é que o Dia sorri
E a Noite vive a chorar?

II
Não sabes? Num sonho brando,
O Dia ri quando quer,
E a Noite vive chorando,
Somente porque é mulher.

III
Quando eu nasci, no telhado,
Uma coruja cantou...
Dizia a chorar: coitado!
Um anjo do céu voou.

IV
Das noites de minha terra
Douradas pelo luar,
Nenhuma delas encerra
A graça de teu olhar.

V
Meus sonhos andam no mundo
Em cantos negros dispersos...
São ondas de um mar profundo...
Ai! triste de quem faz versos!

VI
Nas noites de lua, eu canto
Para esquecer-me de ti.
Minh’alma soluçou tanto
Que o pranto já aborreci.

VII
Fazem dois dias que penso
Nuns olhos que vi chorar...
Quem me dera ver meu lenço
Aquele pranto enxugar!

VIII
Ó moça dos olhos puros,
Tão tristes que causam dor...
Teus olhos são mais escuros
Que os olhos do meu amor.

IX
Meu peito é triste, isolado,
Vazio, nu de esperanças,
Como um ninho abandonado,
Uma casa sem crianças.

X
Se eu fosse rapaz, pequena,
E me casasse algum dia,
Só amava uma morena
Que se chamasse Maria.

XI
O nome traz alegrias
Sem uma gota de fel,
O coração das Marias
É todo cheio de mel.

XII
“Mentira” — alguém me dizia —
O nome engana também;
Eu conheço uma Maria
Que não quer bem a ninguém.

XIII
Entanto, ela é linda e boa,
A dona dos sonhos meus...
“Mas deixa-me ir só, à toa,
Por este mundo de Deus.”

XIV
Mulher é coisa ruim,
Dizias esta manhã...
Só pode falar assim
Quem não tem mãe nem irmã.

XV
De que me serve falar
Dos homens como ditos vãos,
Se eu vivo para adorar
Os olhos de meus irmãos?

XVI
Lá vai uma mãe em prantos
Atrás da filha querida...
Ah! ela não sabe quantos
Desgostos lhe guarda a vida!

XVII
Morrer pequenina ainda,
Levando as asas de um véu,
Não vale mais que ser linda
Como as estrelas do céu?

XVIII
Brancos estão meus cabelos...
Ó dor, onde é que me levas?
Ai! noites de pesadelos,
Ai! dias cheios de trevas!

XIX
Nas noites de lua cheia,
O Céu parece sonhar...
A lua é como a sereia
Boiando dentro do mar.

XX
Eu quero bem às crianças
Porque não sabem mentir;
São pombas lindas e mansas,
Passam na vida a sorrir.

XXI
Quando eu morrer, quero um manto
Como o de Nossa Senhora,
Que seja feito do pranto
Do céu quando nasce a aurora.

XXII
Eu só adoro na terra
Da criancinha o sorriso,
Uma casinha na Serra
E um ninho no Paraíso.

XXIII
Repousa lá minha fronte
Despindo da Mágoa o véu;
Quem mora em cima do monte
Está mais perto do céu.

XXIV
Quem dera que eu fosse lírio,
Ó minha Virgem Maria!
Ao menos, este martírio
Durava somente um dia.

XXV
Quando eu morrer, vou assim:
Sustendo meu coração...
Saudade da terra? Sim!
Saudade da vida? Não! 



POMBOS MENSAGEIROS

Transformados em pombos cor de neve,
Entraram-me a cantar pela janela,
A tua carta delicada e leve
E o beijo amigo que envolveste nela.

Ó que alegria para o coração
Onde a Saudade, sempre em flor, renasce!
A carta leve me pousou na mão
E o beijo amigo acarinhou-me a face.

E então, a rir, ó pomba idolatrada!
Eu transformei meu coração em ninho:
Nele repousa a tua carta amada
E canta o beijo a ária do carinho.

 

QUANDO EU MORRER

Quando eu morrer... (Quem me dera
que fosse num dia assim,
num dia de primavera
cheirando cravo e jasmim!)

... transformem meu coração
— sacrário azul de esperanças —
num pequenino caixão
para enterrar as crianças.

De meus olhos façam círios,
de meu sorriso um altar
— cheio de rosas e lírios,
tão doce como o luar —,

e guardem nele, entre flores,
longe, bem longe da terra,
a Virgem santa das dores
lá da Igrejinha da Serra.

Daquele sonho formoso
que minh’alma tanto adora,
façam o turíbulo piedoso
que incense os pés da Senhora...

E as saudades orvalhadas
— de meu amor triste enleio —
transformem nas sete espadas
de dor que Ela tem no seio!...

Se deste repouso santo
em que meu corpo adormece
vier perturbar o encanto
o choro de quem padece:
eu quero as gotas de pranto
todas mudadas em prece...

Prece que leve, cantando,
minh’alma ao celeste ninho,
como um pássaro ruflando
as asas brancas de arminho.

 

REGINA COELI

Teu nome santo, ó Maria,
Tem a doçura inocente
De uma carícia macia,
De uma quimera dolente.

Nele se embala a Esperança
Numa meiguice dileta,
Como no berço a criança,
Como no verso o poeta.

Do céu teu nome nos desce
Numa harmonia divina,
Como um cicio de prece
Nos lábios de uma menina.

Teu nome é setíneo laço
Prendido em formoso véu,
Qual branca nuvem no espaço,
Qual uma estrela no céu.

Teu nome reflete a imagem
Da melodia serena
Que passa rindo n’aragem
E no voejar da falena.

Uma blandícia suave
Nele cantando divaga,
Como no azul uma ave,
Como no mar uma vaga.

Teu nome, cheiroso lírio,
No níveo cálice encerra
Todo o mistério do Empíreo,
Toda a alegria da Terra.

Como um contraste do encanto,
Neste teu nome diviso
Toda a saudade do pranto
E todo o afago do riso...

Ah! todo o perfume amado,
Toda a fragrância mimosa
Que o colibri namorado
Bebe no seio da rosa;

Toda a pureza do amor,
Todo o feitiço do olhar,
Orvalho a cair na flor,
Sereno a cair no mar...

Tudo em teu nome palpita,
Tudo embriaga e seduz,
Como a delícia infinita
De um paraíso de luz.

E num canto repassado
De lirismo que extasia,
Teu nome vive embalado,
Teu nome santo, ó Maria!

 

RENASCIMENTO

Manhã de rosas. Lá no etéreo manto,
O sol derrama lúcidos fulgores,
E eu vou cantando pela estrada, enquanto
Riem crianças e desabrocham flores.

Quero viver! Há quanto tempo, quanto!
Não venho ouvir na selva os trovadores!
Quero sentir este consolo santo
De quem, voltando à vida, esquece as dores.

Ouves, minh’alma? Que prazer no ninhos!
Como é suave a voz dos passarinhos
Neste tranquilo e plácido deserto!

Ah! entre os risos da Natura em festa,
Entoa o hino da alegria honesta,
Canta o Te Deum, meu coração liberto.

 

RECUERDO

Findava o mês de maio envolto e preces,
O doce mês da orações formosas...
Iam com ele as encantadas messes
Dos perfumes, dos sonhos e das rosas.

Era muito à tardinha; as aves mansas
Voavam todas, em formosos pares,
Como se fossem garrulas crianças
Que andassem, rindo, a percorrer os ares!

E eu murmurei ao ver assim voando
Aquelas aves para os brandos ninhos:
"Ah! Quem me dera só andar cantando,
Sempre crianças, como os passarinhos!"

 

RENATO

Um menino interessante
É o Renato de Carminha...
Um querubim tão galante
Cuidei que à terra não vinha.

E como lhe assenta bem
A roupinha azul que veste...
Dá-lhe os ares de quem vem
De uma paragem celeste.

Quando ele passa, tão lindo!
À tardinha, a passear,
Todos lhe falam sorrindo
Com vontade de o beijar.

As mães o chamam: filhinho!
As moças dizem: meu bem!
Mas o capeta do anjinho
Não olha para ninguém.

Como ele fica engraçado
— O pequenino taful —
Com o boné, posto ao lado,
Todo de veludo azul.

O seu cabelito louro
A se escapar do chapéu,
Parece uma nuvem de ouro
Querendo cair do céu.

 

REZANDO
Róseo menino
Feito de luz,
Lírio divino,
Santo Jesus!

Meu cravo olente,
Cor de marfim,
Pobre inocente,
Branco jasmim!

Entre as palhinhas,
Pequeno amor,
Das criancinhas
Tu és a flor.

Cabelo louro,
Olhos azuis...
És meu tesouro,
Manso Jesus!

Estrela pura,
Santo farol,
Flor de candura,
Raio de sol...

Dá-me a esperança
Num teu olhar:
Loura criança,
Me ensina a amar.

Sonho formoso
Cheio de luz,
Jesus piedoso,
Meu bom Jesus...

Como eu te adoro,
Pequeno assim!
Jesus, eu choro,
Tem dó de mim.

No doce encanto
De um riso teu,
Jesus tão santo,
Leva-me ao céu!

Em ti espero,
Mostra-me a luz...
Leva-me, eu quero
Ver-te Jesus!
 

RIMAS

Queres meus versos? São tristes,
Talvez te façam chorar...
Ó santa, tu não resistes
Às nuvens de meu penar.

Foge do frio da dor,
Procura o sol do conforto,
Ajoelha sobre o Tabor,
Não venhas rezar no Horto.

Teus olhos são lindos, lindos,
Como noites de verão;
Guardam sorrisos infindos:
Não quero vê-los, ai! não...

Cheios de pranto, pousando
Sobre o meu verso dolente...
Tem pena do fulgor brando
De teu olhar Inocente!

O pranto é que apaga o brilho
Dos olhos de quem padece:
À mãe, quando perde um filho,
No olhar o brilho fenece.

E tu, mimosa criança,
Pomba adorada e franzina,
Em cujo seio a Esperança
Canta a canção mais divina;

Por que procuras o espinho
Da dor que fere, atormenta,
Se o teu sorriso é um ninho
Que a graça eterna acalenta?

Da mágoa o triste segredo
Vens penetrar sem rebuço...
Ah! queres saber bem cedo
Quanto nos custa um soluço!

Ó anjo! foge da dor,
Procura o sol do conforto...
Ajoelha sobre o Tabor,
Não venhas rezar no Horto.

 

REGINA MARTYRUM

Lírio do céu, sagrada criatura,
Mãe das crianças e dos pecadores,
Alma divina como a luz e as flores
Das virgens castas a mais casta e pura;

Do azul imenso, dessa imensa altura
Para onde voam nossas grandes dores,
Desce os teus olhos cheios de fulgores
Sobre os meus olhos cheios de amargura!

Na dor sem termo pela negra estrada
Vou caminhando a sós, desatinada,
— Ai! pobre cega sem amparo ou guia! 

Sê tu a mão que me conduza ao porto...
Ó doce mãe da luz e do conforto,
Ilumina o terror desta agonia! 



SAUDADE

Ah! se soubesse quanto sofro e quanto
Longe de ti meu coração padece!
Ah! se soubesses como dói o pranto
Que eternamente de meus olhos desce!

Ah! se soubesses!... Não perguntarias
De onde é que vem esta sombria mágoa
Que traz-me o peito cheio de agonias
E os tristes olhos arrasados d’água!

Querem que a lira de meus versos cante
Mais esperança e menos amargura,
Que fale em noites de luar errante
E não invoque a pobre noite escura.

Mas... como posso eu levar sonhando
A vida inteira num anseio infindo,
Se choro mesmo quando estou cantando
Se choro mesmo quando estou sorrindo!

Ouve, ó formosa e doce e imaculada,
Visão gentil de eterna fantasia:
Minh’alma é uma saudade desfolhada
De mãe querida sobre a cova fria.

Ah! minha mãe! Pois tu não sabes, santa,
Que Ela partiu e me deixou no berço?
Desde esse dia a minha lira canta
Toda a saudade que lhe inspira o verso!

Depois que Ela se foi a Mágoa veio
Encher-me o coração de luto e abrolhos.
Eu sofro tanto longe de seu seio,
Eu sofro tanto longe de seus olhos!

Ó minha Eugênia! estrela abençoada
Que iluminas o horror deste deserto...
De teu afeto a chama consagrada
Lança à minh’alma como um pálio aberto.

Quando beijares teus filhinhos, pensa
O que seria deles sem teus beijos;
E, então, compreenderás a dor imensa,
A amargura cruel destes arpejos!

Junta as mãozinhas dos pequenos lírios,
Das criancinhas que tu’alma adora,
E ensina-os a rezar sobre os martírios
E a saudade infinita de quem chora.

 

SIMPLES

Eu amo as minhas lembranças,
Minhas saudades e dores,
Assim como amo as crianças,
Os passarinhos e as flores.

A criancinha que chora
É como o lírio ao nascer:
Um raio de sol implora
Para que chegue a viver.

E o raio de sol que damos
À pobre criança é o beijo...
O lábio que nós beijamos
Ressoa como um harpejo.

O pequeno passarinho
Esmola também o amparo:
Ai! guardemos o seu ninho
Como o tesouro mais caro.

As flores — no vil degredo
Da terra — vivem um dia!
Vamos levá-las bem cedo
À doce Virgem Maria.

Terão assim melhor sorte
Quando forem a murchar...
As rosas querem a morte
Que as desfolha ao pé do altar.

Ai! tudo que é fraco e triste
Precisa de amparo e luz...
E nada no mundo existe
Tão triste como uma Cruz.

Por isso, adoro as lembranças,
As amarguras e as dores,
Assim como amo as crianças,
As andorinhas e as flores.

 

SÚPLICA

Se tudo foge e tudo desaparece,
Se tudo cai ao vento da Desgraça,
Se a vida é o sopro que nos lábios passa
Gelando o ardor da derradeira prece;

Se o sonho chora e geme e desfalece
Dentro do coração que o amor enlaça,
Se a rosa murcha inda em botão, e a graça
Da moça foge quando a idade cresce;

Se Deus transforma em sua lei tão pura
A dor das almas que o ideal tortura
Na demência feliz de pobres loucos...

Se a água do rio para o oceano corre,
Se tudo cai, Senhor! por que não morre
A dor sem fim que me devora aos poucos?

 

SOLEDADE

Ó doce morenita
De olhar magoado e triste,
Onde a Saudade existe
E o Desconsolo habita...

Faz pena ver-te assim
À hora do sol posto,
Anuviado o rosto,
Ó meigo serafim!

Às vezes penso e cismo
No que te faz sofrer.
E sinto que o meu ser
Quer desvendar um abismo.

Por que soluça tanto
Um coração de pomba,
Se a noite amena tomba
Cheia de paz e encanto?

Por que teu cílio treme
Interrogando a lua?
Que grande dor é a tua?
Por que teu seio geme?

Acaso esta saudade
Que o teu olhar encerra
Será por que na terra
Chamam-te Soledade?

Será? Mas que lembrança
Foi essa, meu jasmim,
De dar um nome assim
A um’alma que é um sonho.

A um’alma que é um sonho
Mais branco do que um véu,
Caído lá do céu
Neste paul medonho!

 

SANCTA VIRGO VIRGINUM

Ó Santa estremecida,
Formosa e Imaculada!
Estrela abençoada
Do céu de minha vida!

Rainha casta e Santa
Das virgens do Senhor,
Eterno resplendor
Que o mundo inteiro encanta.

Tu és minha alegria.
Meu único sorriso,
Ó flor do Paraíso,
Angélica Maria!

Ai! quantas vezes, quantas!
A minha fronte inclina
Orando a ti divina,
Ó Santa entre as mais santas!

Ó virgem tão serena!
Tu és meu sonho doce,
Perfume que evolou-se
De um seio de Açucena!

Amada criatura,
Lança-me estremecido
O teu olhar ungido
De imaculada doçura!

Ó Arco da Aliança,
Celeste e branco lírio,
Salva-me do martírio,
Senhora da bonança!

Envolve no teu véu
A minha triste sorte,
E mostra-me na morte
A porta de teu Céu!

 

SÍLVIO

Sílvio morreu. Docemente.
Su’alma se foi, voando
Como uma pomba dolente
Que deixa a terra cantando.

“Não murches, olha de rosa!
Espera que chegue o inverno...
Cansaste, rola formosa?
Pousa no seio materno.”

Mas Sílvio voou sorrindo
À pátria que a glória encerra...
Era um anjo meigo e lindo,
E os anjos não são da terra.

Nossa Senhora é que os leva
Aqui do mundo mesquinho;
Quer vê-los, longe da treva,
Brincando com o seu filhinho.

Quando se vai num sorriso
Uma criança adorada,
Ao chegar ao Paraíso,
Diz uma lenda encantada.

Jesus lhe entrega, risonho,
Para a salvar do martírio,
Duas asas da cor do Sonho
E um pequenino círio.

Mas, se a mãe padece tanto
Na terra, sempre chorando,
Molham-se as asas de pranto
E o círio vai-se apagando.

Então o pobre do anjinho
Já não procura brincar,
Soluça a um canto sozinho
Porque não pode voar.

E, se o círio, doce e puro,
Pouco a pouco perde a luz,
Como pode ele no escuro
Ver o menino Jesus?

Pobre mãe! não chores tanto
O filho do coração...
Vais apagar com teu pranto
A vela que tem na mão.

Depois ouvirás clamar,
Do céu entre as níveas gazas:
Ó mãe, não posso voar
Teu pranto molha-me as asas!

 

TRANÇA LOURA

A linda trança dourada
Que eu vi domingo à noitinha,
Guardava a maciez amada
Das penas de uma andorinha.

Recordava uma esperança
Bordada com fios d’ouro...
Ó doce e mimosa trança,
Meu raio de sol tão louro!

Ventura, sonho, alegria,
Tudo se resume ali...
Para tecer serviria
O ninho de um colibri.

Era já noite, e, no entanto,
A loura madeixa olhando,
Cuidei que, cheio de encanto,
O dia vinha raiando.

Deus fez-la numa redoma
De beijos, de luz, de amor,
E deu-lhe o sagrado aroma
Das madressilvas em flor.

Ah! sobre aqueles risonhos,
Dourados, macios folhos,
Quem dera embalar meus sonhos,
Quem dera cerrar meus olhos!

 

TEUS ANOS

Teus anos amanhã. Fui ver, contente,
(E como procurei por toda parte!)
Um mimo que te desse... e achei, somente,
Meu triste coração, mimo sem arte.

Mas... o que dirás tu quando, de leve,
Bem cedinho batendo à tua porta,
Vires meu coração frio, de neve,
Pobre flor sem perfume e quase morta?

Manda-o entrar... E diz, ó doce amada!
Que ele se aqueça desse olhar no brilho...
Vai de tão longe te pedir pousada:
Deixa-o ficar no berço de teu filho...

 

TUDO PASSA

I
Aquela moça graciosa e bela
Que passa sempre de vestido escuro
E traz nos lábios um sorriso puro,
Triste e formoso como os olhos dela...

Diz que su’alma tímida e singela
Já não tem coração: que o mundo impuro
Para sempre o matou... e o seu futuro
Foi-se num sonho, desmaiada estrela.

Ela não sabe que o desgosto passa
Nem que do orvalho a abençoada graça
Faz reviver a planta que emurchece.

Flávia! nas almas juvenis, formosas,
Berço sagrado de jasmins e rosas,
O coração não morre: ele adormece...

II
O coração não morre: ele adormece...
E antes morresse o coração traído,
Mulher que choras teu amor perdido,
Amor primeiro que não mais se esquece!

Quando tu vais rezar, quando anoitece,
Beijas as contas do colar partido;
E o coração num trêmulo gemido
Vem perturbar a paz de tua prece.

Reza baixinho, ó noiva desolada!
E quando, à tarde, pela mesma estrada
Chorando fores esse imenso amor...

Geme de manso, juriti dolente!
Vais acordar o coração doente...

 

UM SONHO

Tudo era calmo... Junto, ao pé do altar,
Meu coração rezava docemente;
E um círio branco, triste, a soluçar,
Dizia à flor num murmurar dolente:

“Vê, minha irmã, aqui na solidão
Dorme Jesus, sozinho, abandonado...
Não sente palpitar um coração
Que lhe traga um sorriso abençoado.

Ele diz: Vinde a mim, vós que chorais,
E o vosso pranto mudarei em flores;
Eu quero recolher os vossos ais
No cofre onde descansam minhas dores.

Fala Jesus, e o mundo não responde.
Os homens folgam nos salões ruidosos,
E aqui, dorida, nossa voz esconde
A mágoa funda dos que vão chorosos.”

Calou-se o círio, e a rosa entristecida,
Entreabrindo o cálice perfumado,
Murmurou, numa prece indefinida
De mãe que pede pelo filho amado:

“Quero o meu leito, aqui junto ao Sacrário,
Minha tumba nos braços desta Cruz;
É tão doce subir para o Calvário
Beijando a terra onde pisou Jesus!

E depois... Quando a luz te consumir,
Cairão minhas folhas ressequidas,
Outros círios e rosas hão de vir
Redizer nossas queixas doloridas.”

Assim falou a rosa e, desfolhada,
Tombou, chorando, sobre a pedra fria,
Da pobre vela reduzida ao nada
O pranto apenas sobre o altar se via.
......................................................
Eu acordei... Uma tristeza infinda
Lembrou do sonho a imaginária dor,
E, de meu leito, eu escutava ainda
Gemer o círio e soluçar a flor.

 

VERSOS A INÁ

Passaste rindo... E o teu perfil modesto,
Cheio de graça e cheio de inocência,
À doce luz daquele riso honesto,
Tinha de um sonho a doce transparência.

Teus lindos olhos castos e sagrados,
Ingênuos como os olhos das crianças,
Pareciam dois céus imaculados,
Tão azuis como as minhas esperanças.

Desmanchou-se-te a trança cor de ouro
Enquanto assim passavas rindo, rindo...
E eu murmurei, ó meu gentil tesouro,
Fitando os olhos nesse olhar tão lindo:

Ó tranças cor da alegria,
Olhar que um sorriso fez:
Olhos de Santa Luzia,
Cabelos de Santa Ignez!

Dourai, dourai meus abrolhos,
Ó tranças que o vento leva...
Olhos, ficai nos meus olhos,
Que eles são feitos de treva.

Cabelos cheios de luz,
Não fujam, que eu vou chorar...
Ai! lindos olhos azuis,
Descansem no meu olhar.

Mas teus cabelos voaram
Teus olhos...não mais os vi:
Os olhos que me fitaram,
As tranças por que morri...

Ó tranças cor da alegria,
Dourai, dourai meus abrolhos...
Olhos que a graça alumia,
Vinde morar nos meus olhos...

 

VERSOS LIGEIROS

Eu acho tão feiticeira
A Noemita da esquina,
Com o seu recato de freira,
Muito morena e franzina;

Que fico toda encantada
Quando na Igreja a contemplo,
Pois cuido ver uma fada
Ajoelhada no Templo.

Doce nuvem cor de rosa
Parece que a Deus se eleva.
Daquela boca mimosa,
Daquele olhar cor de treva.

É sua prece que voa,
Indefinida e tão mansa,
Como um hino que ressoa,
Como uma voz de criança

A trança de seu cabelo,
(Como ela é negra, Jesus!)
Semelha um lindo novelo
Tão preto que já reluz.

Tem a boquinha vermelha
Como uma rosa entreabrindo...
É um favo de mel de abelha
Aquela boca sorrindo!

Minh’alma nunca se cansa
De vê-la assim, tão divina,
Sempre formosa e criança
Com seu perfil de menina.

Às vezes, eu olho-a tanto,
Com tanta veneração,
Que fico muda de espanto,
Depois da contemplação.

É verdade que não faz
Mal nenhum fitá-la assim...
Meu Deus! se eu fosse rapaz
O que diriam de mim?!
 


ZIRMA

Foi em dezembro, no mês bendito,
No mês de festa, que ela partiu...
Desde esse tempo, do seu seio aflito
Minh’alma louca, também fugiu.

E foi tão grande minha agonia
Que quase morro de soluçar,
Quando beijei-a na boca fria
Como uma concha que sai do mar!

Passava a noite...( lembro-me tanto!)
Noite de lua, misteriosa...
Choravam astros no etéreo manto...
Meu Deus, que noite silenciosa!

A lua mansa no céu vogava,
Como um barquinho n’agua do rio,
E parecia que murmurava:
“No céu formoso faz tanto frio!”

No esquife azúleo, feito a capricho,
Por entre rosas de alvura tanta,
Deitaram Zirma como no nicho
Guarda-se a imagem de alguma Santa.
 
O rosto branco da cor de gelo
Um doce lírio trazia à mente...
Na noite escura de seu cabelo,
Nem um só astro resplandecente!
 
Ninguém diria que estava morta
O lábio aberto por um sorriso,
Na terra triste, — que desconforto!
Quanta alegria — No Paraíso!
 
Qual uma virgem, pura e singela,
Que deixa o mundo para ser freira,
Toda de branco, tinha a capela
Feita de flores de laranjeira.
 
Por sobre o manto, formosa e leve,
Muito estrelado, de azul cetim,
Das mãos pequenas da cor da neve
Pendia o terço cor de marfim.
 
Subiu-me aos olhos, em doido assomo,
O amargo pranto do coração,
Vendo-a tão linda, vestida como
Nossa Senhora da Conceição.
 
Os olhos negros eram dois círios
Que se extinguiram no pé do altar...
Aqueles olhos, meus dois martírios,
Quem contemplava sem soluçar!
 
Ó pobre Zirma, nívea açucena,
Camélia branca murchada na haste:
Por que fugiste da vida amena?
Por que tão cedo me abandonaste?
 
Eu precisava de teu carinho
Como de orvalho precisa a flor,
E embalde busco no meu caminho
O amparo doce de teu amor.
 
Anjo da guarda, formoso e santo,
Que me escondias nas tuas asas,
Quem é que agora me enxuga o pranto,
Cilício eterno na face em brasas!
 
Sem estes olhos que a morte cerra,
Sem o consolo de teu sorriso,
Como é que posso viver na terra,
Ó minha santa do Paraíso!


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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2023.

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