A MULHER QUE ADIVINHAVA
Era
uma vez uma velha aldeã, que tinha um filho ainda pequeno demais para trabalhar
nos campos. Chegaram a ponto de não terem nada que comer; então a velha pôs-se
a pensar nos meios de arranjar pão, e disse para o filho:
—
Vai ver se alguém tem cavalos, depois amarra-os a um arbusto e dá-lhes feno, e
em seguida desamarra-os, leva-os para o campo e larga-os.
O
rapaz fez o que a mãe lhe mandou.
Ora
a respeito da velha dizia-se que adivinhava.
Os
donos dos cavalos procuraram-nos por muito tempo, mas não foram capazes de os
encontrar, e disseram:
—
Que havemos de fazer? E preciso ir à busca dum feiticeiro e dar-lhe o que nos
pedir para nos dizer onde estão os cavalos. Então lembraram-se da adivinha e
disseram:
—
E se fossemos ter com ela e lhe pedíssemos que deitasse cartas, talvez soubesse
dizer-nos alguma coisa a respeito dos cavalos. Dito e feito. Foram à casa da
velha e disseram:
—
Tiazinha, disseram-nos que vossemecê sabia deitar cartas; perdemos os nossos
cavalos, veja se sabe dizer-nos onde estão. A velha disse-lhes:
—
Não posso; não tenho forças para isso. Dizem eles:
—
Veja lá, tiazinha, se nos deita cartas; olhe que não é de graça; havemos de lhe
pagar o seu trabalho.
Então
ela deitou cartas tossindo, e disse:
—
Os vossos cavalos estão amarrados a um arbusto em tal parte. Os donos dos
cavalos ficaram muito contentes e pagaram à velha; em seguida foram em busca
dos cavalos. Quando chegaram ao tal arbusto, já não encontraram os cavalos, mas
conheceram o sítio onde tinham estado amarrados, por causa de uma corda dum
freio que encontraram no arbusto e dum montão de feno que ali tinha ficado. E
como não achassem os cavalos, resolveram ir outra vez ter com a velha, para ver
se adivinhava onde estavam os animais.
Quando
chegaram à casa da velha, esta estava deitada em cima do forno a lamentar-se e
a queixar-se, como se estivesse doente. Puseram-se a pedir-lhe que tornasse a
deitar-lhes cartas. Desta vez, ela também fingiu que não queria, para ver se
lhe davam mais dinheiro. Eles prometeram recompensá-la bem, no caso de
encontrarem os cavalos. Então a velha desceu do forno, queixando-se e tossindo
e tornou a deitar cartas; depois pensou e disse:
—
Ide procurá-los em tal e tal campo, e haveis de os encontrar. Os donos dos
cavalos pagaram-lhe generosamente o trabalho, e foram em busca dos cavalos.
Quando chegaram ao tal campo, encontraram realmente os cavalos, e levaram-nos
para casa.
Então
espalhou-se uma grande fama acerca da velha; dizia-se que adivinhava tudo. A
fama da velha chegou aos ouvidos de um fidalgo, em cuja casa tinha desaparecido
um cofre cheio de dinheiro. O fidalgo mandou dois criados com uma carruagem à
casa da velha, para a levarem sem falta à casa dele, mesmo que ela estivesse
muito doente. Um dos criados chamava-se Carneiro, e o outro, Antônio; e eram
eles que tinham roubado o dinheiro ao fidalgo. Chegaram à casa da velha, e
meteram-na na carruagem quase à força. No caminho, a velha começou a queixar-se
e a suspirar, murmurando consigo:
—
Ai de mim! se não fosse o dinheiro e o
demônio não andava eu de trem e não ia, como adivinha, à casa do fidalgo,
para me meter numa camisa de onze varas. Ai, ai, isto esta mal!
O
Carneiro escutou e disse para o Antônio:
—
Ouves, Antônio? a velha está a murmurar qualquer coisa a nosso respeito. Parece
que isto está mal. O Antônio disse-lhe:
—
Por que é que te assustaste tanto? Talvez penses assim pelo medo que tens. Mas
o Carneiro respondeu-lhe:
—
Escuta tu, olha, lá está ela outra vez a murmurar. Ora como a velha ia aflita e
também estava receosa do seu destino, tornou daí a pouco a murmurar:
—
Ai de mim! se não fosse o dinheiro e o
demônio não havia nada disto! Puseram-se ambos à escuta e ficaram muito
assustados e disseram:
—
É preciso pedir à velha que não diga nada ao patrão, pois ela está sempre a
dizer:
“Se
não fosse o Carneiro e o Antônio, não havia nado disto”. Depois começaram a
pedir à velha:
—
Ó tiazinha! não queira ser causa da nossa desgraça, que havemos de lhe
agradecer. Não ganha nada em dizer tudo ao patrão, sô nos desgraçará. Ora a
velha não era tola, e percebeu logo tudo, sentindo-se ao mesmo tempo muito
aliviada.
Depois
perguntou-lhes:
—
Onde foi que vocês puseram tudo isso?
Eles
disseram a chorar:
—
Ó tiazinha! foi o demônio que nos tentou para cometermos semelhante pecado.
A
velha tornou a perguntar:
—
Mas que é feito dele?
Eles
disseram:
—
Escondemo-lo no moinho.
Depois
combinaram como haviam de o entregar, e chegaram à casa do fidalgo.
Quando
o fidalgo viu a velha, ficou muito contente, andou com ela nos braços, e
deu-lhe de comer e beber do bom e do melhor; e quando já estava farta, ele
pediu-lhe que deitasse cartas, para ver onde estava o dinheiro, dizendo:
—
Ó tiazinha! faça de conta que está em sua casa: ponha-se à vontade, e se
descobrir quem me roubou o dinheiro, dou-lhe tudo quanto quiser. Então a velha
deitou cartas, e ficou a olhar para elas por muito tempo, murmurando;
finalmente disse:
—
Olhe, o que perdeu está no moinho.
Assim
que o fidalgo ouviu isto, mandou logo o Carneiro e o Antônio buscar o dinheiro,
pois não sabia que eles o tinham roubado. Foram buscar o dinheiro e
trouxeram-no ao fidalgo. Quando este viu o seu dinheiro, ficou tão contente que
nem sequer o contou, e deu logo à velha cem rublos e mais coisas,
prometendo-lhe nunca a abandonar pelo serviço que ela lhe tinha prestado;
depois deu-lhe do bom e do melhor, e mandou-a de carruagem para casa. No caminho,
o Carneiro e o Antônio agradeceram à velha não ter dito nada ao patrão, embora
soubesse tudo, e também lhe deram dinheiro.
Desde
então, a velha ainda ficou mais conhecida, e não lhe falou nada, pois viveu
feliz em companhia do seu filho.
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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2006.
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