8/22/2023

O adivinhão (Conto), de Alfredo Appel

 

O ADIVINHÃO

Era uma vez um campônio, pobre e manhoso, chamado Besouro. Um dia, roubou a uma velha uma peça de pano e escondeu-a num montão de palha; depois começou a gabar-se que sabia adivinhar. A velha foi ter com ele e pediu-lhe que adivinhasse onde estava a peça de pano.

O campônio perguntou-lhe:

— O que é que me dá pelo meu trabalho.

A velha disse:

— Dou-lhe um pud (moeda russa) de farinha e um arrátel de manteiga.

O campônio disse:

— Está bem.

Depois pôs-se a adivinhar e disse-lhe onde o pano estava escondido.

Daí a dias, roubaram um cavalo a um fidalgo.

Foi ainda o campônio que o roubou e levou para uma floresta, amarrando-o a uma árvore. O fidalgo mandou chamar o campônio, que se pôs a adivinhar e disse:

— Ide depressa, que o cavalo está na floresta amarrado a uma árvore.

Trouxeram o cavalo da floresta. O fidalgo deu cem rublos ao adivinhão, e a fama deste espalhou-se por todo o reino.

Nisto desapareceu um precioso anel do rei; fartaram-se de o procurar, mas não o encontraram. Ora o rei mandou chamar o adivinhão a toda a pressa.

Pegaram nele, meteram-no numa carroça e levaram-no à presença do rei. O rei disse:

— Bom dia, tiozinho; ora deite-me cartas; se adivinhar, dou-lhe dinheiro, e, se não adivinhar, corto-lhe a cabeça.

O rei mandou imediatamente o adivinhão para um quarto especial, dizendo:

— Deixo-o deitar cartas toda a noite, para a resposta estar pronta pela manhã.

O adivinhão estava sentado naquele quarto a pensar: “Mas que resposta hei de eu dar ao rei? Deixo-me estar aqui até meia-noite, e depois safo-me; e há de ser quando o terceiro galo cantar”.

Ora o anel do rei tinha sido roubado por três homens da corte: o lacaio, o cocheiro e o cozinheiro. Estando estes três a conversar, disseram entre si:

— Se este adivinhão nos descobre, temos a morte certa. Vamos escutar aporta: se ele não disser nada, também nos havemos de calar; mas se souber que fomos nós, não temos mais remédio senão pedir-lhe que não diga nada ao rei.

O lacaio foi pôr-se à escuta; de repente cantou o galo, e o campônio disse:

— Graças a Deus, um já canta; agora espero mais dois.

O lacaio ficou muito assustado; foi ter com os companheiros e disse-lhes:

— Ai, amigos, ele conheceu-me; mal cheguei à porta, gritou logo: “Um já canta; agora espero mais dois”.

O cocheiro disse:

— Agora vou eu.

Pôs-se à escuta. Cantou o segundo galo, e o campônio disse:

— Já canta o segundo; agora espero mais um.

O cocheiro disse para os companheiros:

— Isto vai mal, pois também me conheceu a mim.

Diz o cozinheiro:

— Se também me conhecer a mim, não temos outro remédio senão irmos ter com ele e pedirmos-lhe que não diga nada ao rei.

O cozinheiro foi pôr-se à escuta; nisto cantou o terceiro galo, e o campônio benzeu-se, dizendo:

— Graças a Deus, já canta o terceiro.

Ao proferir estas palavras, correu à porta para se safar, mas os ladrões foram-lhe ao encontro, caíram-lhe aos pés e pediram-lhe muito dizendo:

— Não diga nada ao rei, tiozinho; tome lá o anel!

O adivinhão disse:

— Está bem, estão perdoados.

O adivinhão levantou uma tábua do sobrado, e deitou o anel por baixo.

No dia seguinte, o rei perguntou ao campônio:

— Que tal, tiozinho?

O camponês respondeu:

— Já sei, o anel de vossa majestade caiu no chão e ficou debaixo desta tábua.

Levantaram a tábua, e encontraram o anel. O rei recompensou generosamente o adivinhão, dando-lhe dinheiro, e mandou dar-lhe de comer e beber até mais não; em seguida foi passear no jardim; apanhou um besouro e voltou ao adivinhão, dizendo:

— Ora se é adivinhão, adivinhe lá o que tenho fechado nesta mão?

O campônio assustou-se e pôs-se a dizer consigo:

— Ai! Besouro, agora é que o rei te tem nas mãos!

O rei disse:

— Isso mesmo, adivinhaste!

E deu-lhe mais dinheiro, deixando-o voltar para casa com todas as honras.


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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2006.

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