PROFESSORES IMPROVISADOS
Conheci um
sujeito que dispunha de vasto palavreado e ensinava gramática. Ensinava por um
processo engenhoso. Reunida a classe, punha os óculos, abria um livro,
percorria a página de alto a baixo com o índice, gargarejava umas coisas que
ninguém compreendia e terminava:
— Isso não tem
importância. Vamos para diante. Tragam-me o adjetivo amanhã.
No outro dia
cena igual: os mesmos óculos, o mesmo livro aberto, o mesmo gesto com o
fura-bolos amarelo de cigarro, o mesmo gargarejo, a mesma conclusão:
— Adjetivo é
isso que vocês sabem. Não interessa. Para a frente! Decorem o pronome.
A propósito de
análise dissertava com vigor sobre a dinastia dos Sugs: falavam-lhe em
concordância e ele explicava metafísica. Ao cabo de alguns anos, excetuando
gramática, os alunos sabiam tudo. Houve entre eles, com o correr do tempo,
agricultores, jornalistas, padres, advogados, funileiros e poetas. Sempre
ignoraram a disciplina que o homem professava.
Esta história
pode ser exagero ou mentira. Mas ninguém a desmancha, sustento-a — e ela
permanece. Há muitas verdades assim, inconcussas por falta de quem as
desmantele.
O meu conto
será aceito sem dificuldade, porque, se não é rigorosamente verdadeiro, é pelo
menos verossímil. Realmente esse professor, que, para livrar-se dum obstáculo,
mistura alhos com bugalhos, mete os pés pelas mãos, deixa os rapazes em jejum,
não é daqui nem dali: é de quase todas as cidades do interior. Músico de sete
instrumentos, criatura fatigada, depois de exercer dez ofícios sem se fixar em
nenhum, esbarra com um dilema temeroso — queimar os miolos ou abrir uma escola.
Se estira a
canela, o prejuízo é pequeno: se se agarra à segunda hipótese, vem a lume,
passados meses, um jornalzinho cheio de sonetos.
Não pretende
consertar nada. O que Deus Nosso Senhor fez, ou alguém por ele, deve estar
certo. Limito-me a expor um fato. E para que me acreditem, confesso, com
vergonha, que sou suspeito.
Por motivo de
ordem econômica, resolvi um dia, a exemplo de toda gente, ministrar aos outros
alguns conhecimentos proveitosos a mim. Não me arrisquei a preparar oleiros ou
sapateiros pois ninguém tomaria a sério sapato ou panela que eu fizesse.
Procurei matéria exótica, de verificação difícil. Imaginando, sem grande
esforço, que na Itália existia uma língua, pedi catálogos ao Garnier e dispus-me
resolutamente a estropiar o italiano com a ajuda de Deus. Anunciei: “Italiano
rápido e barato a cinco mil-réis por cabeça, mensalmente. Aproveitem. Lições em
todos os dias úteis e inúteis. Tempo é dinheiro, como diz o gringo.”
— Isto deve
ser fácil, pensei. É só arrumar no fim das palavras one ou sine. De
estrangeiro cá na terra ninguém entende. E se aparecer por aí um carcamano,
adoeço e perco a fala.
Pois,
senhores, não me dei mal. Matricularam-se cerca de trinta idiotas: comecei a
trabalhar com energia e confiança. Ainda estaria trabalhando, se dois alunos,
finda a primeira quinzena, não entrassem em concorrência comigo, deslealmente,
fundando escolas que italianizaram toda a localidade.
Creio que os
professores sertanejos são, com diferenças pouco sensíveis, indivíduos como eu.
Ensinam antes de aprenderem. Talvez fosse mais razoável aprender para ensinar.
Mas poderei eu censurá-los? Não, decerto. Todos precisamos viver. E desejamos,
naturalmente, aparentar o que não somos. Por que é que estou a redigir estas
niquices? Por que m’as pediram? Ora essa! Não seria melhor declarar francamente
e honestamente que não sei escrever?
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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2024.
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