3/19/2025

A corda do Diabo ("Histórias da Baratinha"), por Figueiredo Pimentel


A CORDA DO DIABO

Sinfrônio era um homem riquíssimo, dono de inúmeras propriedades e dispondo de fabulosos somas em ouro.

Metendo-se, porém, em maus negócios, empobreceu de repente.

Vendo-se na mais completa miséria, resolveu sair do seu país, procurar uma terra onde não fosse conhecido, e ver se conseguia recuperar a fortuna perdida.

Um dia, atravessando uma planície, encontrou o Diabo, a quem não reconheceu, todavia.

— "Que tens?", perguntou-lhe Satanás, conquanto soubesse perfeitamente bem a causa da tristeza de Sinfrônio.

— "Para que dizer-te?", respondeu este. "Não me poderás dar remédio..."

— "Isso é que não sabes; e, desde já, obrigo-me a tirar-te do embaraço, se te obrigares a fazer tudo quanto eu disser".

Em seguida, vendo que Sinfrônio estava espantado com aquela proposta, deu-se a conhecer.

O pobre homem não sabia que fazer, mas como se achava desesperado da vida, completamente pobre, resolveu aceitar a proteção de Satanás.

Prometeu ficar-lhe pertencendo, com a condição de enriquecer de novo.

— "Pois bem", disso o Demônio, concluindo o pacto, "de hoje em diante, sair-te-ás bem de todos os negócios em que te envolveres. Se, entretanto, te achares alguma vez em perigo, bastará dizer "Dom Martinho, socorre-me!" e eu te aparecerei".

O capataz do inferno sumiu-se.

Sinfrônio, continuando viagem, chegou pelo meio da noite, a uma cidade.

Aí, certo de que triunfaria, resolveu roubar. Em todas as casas que pretendia entrar mal chegava, as portas abriam-se de par em par, encontrava os moradores profundamente adormecidos, e via à mão objetos preciosos.

Então meteu-se em altas empresas, e tornou-se um bandido célebre, terror de toda a região, saqueando viajantes.

Um dia foi preso.

Mal se viu na prisão, lembrou-se do seu protetor e exclamou:

— "Dom Martinho, socorre-me!"

O Diabo apareceu logo e libertou-o.

Vendo-se livre, Sinfrônio recomeçou na sua antiga existência, cometendo toda a sorte de rapinagens.

Novamente foi preso, mas, como da primeira vez, invocou Satanás.

— "Dom Martinho, socorre-me!"

O Demônio veio, mas Sinfrônio reparou que se demorara um pouco.

— "Por que não vieste mais depressa?"

— "Estava ocupado", limitou-se o Diabo a dizer laconicamente.

Mais tarde, depois de novos crimes e terríveis façanhas, o nosso herói caiu nas mãos da justiça.

Do fundo da sua prisão chamou Satanás que não veio.

Passaram-se dias, o processo já estava muito adiantado, e só faltava a sentença, quando finalmente Mestre Lúcifer veio libertar o amigo.

Posto em liberdade, o bandido continuou ainda na sua horrível existência de rapinagem, com mais afã que nunca, em vez de se emendar.

Pela quarta vez foi preso, encerrado numa masmorra forte, e guardado por sentinelas.

Sem se inquietar muito, Sinfrônio gritou pelo Demônio, segundo haviam combinado.

— "Dom Martinho, socorre-me!"

Decorreram semanas e semanas, até que, enfim, o juiz pronunciou a sentença, condenando-o à morte.

Marcou-se a data para a execução da sentença. Satanás, faltando à palavra, não acudiu à chamada.

Sinfrônio,escoltado pelo carrasco, e por soldados, caminhou para a praça e subiu à forca.

Foi só então que o capataz do inferno apareceu.

— "Toma esta bolsa", disse-lhe ele. "Ai, dentro estão vinte mil cruzeiros. Dá-os ao juiz que ele te libertará".

O condenado, chamando o juiz, como que para lhe dizer as suas últimas vontades e confissões, fez-lhe a proposta.

O juiz, magistrado desonesto e avarento, escondeu a corda e disse para o povo:

— "Cidadãos: acaba de suceder um fato extraordinário, que pela primeira vez acontece: esquecemos de trazer a corda para enforcar o condenado. A execução fica pois, suspensa. Quem sabe se Deus não quis, por esse modo, mostrar a inocência do réu?! Vai rever-se a sentença, mas a justiça será feita".

Prepararam-se os executores para reenviar Sinfrônio para a cadeia.

Nesse intervalo o magistrado abriu a bolsa, mas só encontrou uma corda nova, em lugar dos vinte mil cruzeiros.

Voltou-se indignado, exclamando:

— "Cidadãos: acaba de aparecer uma. Foi Deus quem a enviou. Este homem é na verdade um bandido. Enforquem-no!"

Passaram o laço no pescoço de Sinfrônio, que vendo-se estrangulado, bradou:

— "Dom Marinho, socorre-me!"

— "Ah!" disse o Demônio aparecendo, "eu não posso fazer nada, quando os meus amigos já estão com a corda no pescoço".

É assim que o Diabo, fingindo querer salvar-nos, acaba sempre por trazer a corda para nos enforcar.


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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025)
 

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