Raul e Olavo, dois amigos,
passeavam uma tarde à beira-mar.
Ambos eram moços e ricos, e viviam
satisfeitos. Conversando sobre a sorte dos desgraçados, e no meio de ser feliz,
falou Raul:
— "O que dá a felicidade, e o
que faz a fortuna. é o dinheiro".
— "Não concordo contigo"
disse Olavo: "Às vezes, a felicidade consiste na primeira insignificância".
Discutiram durante muito tempo, mas
não houve meio de chegarem a um acordo.
— "Pois bem", rematou
Raul, para acabar com aquela fastidiosa discussão, "nada custa experimentar.
Verás".
Perto da praia achava-se um pobre
pescador remendando as suas redes. O moço chamou-o:
— "Como te chamas?"
— "Chamo-me Segismundo".
— "Em que te ocupas?"
— "Sou pescador.
— "Estás contente com a tua
sorte?"
— "Ah! não, senhor! A pesca
nem sempre rende, e dias há que me vejo sem pão para mim, minha mulher e meus
dois pobres filhinhos".
— "E que precisavas tu para
ser feliz?"
— "Muito pouco, senhor. Se eu dispusesse
de mil cruzeiros, montaria um negociozinho qualquer e arranjaria a minha
vida".
— "Bem, Segismundo, aqui tens
mil cruzeiros", disse Raul, tirando o dinheiro da carteira. “Emprega-o
como quiser e sê feliz".
O pescador agradeceu muitíssimo aquela esmola, e partiu contente para casa.
Passaram-se tempos, e um dia Olavo e Raul, passeando por acaso pela praia,
lembraram-se da conversa, e tiveram curiosidade de saber da sorte do pescador.
Chamaram um pobre homem que
consertava uma velha canoazinha, para indagar dele. E, quando o homem voltou-se
reconheceram Segismundo.
— "Então, que é isso? Foste
infeliz nos teus negócios?"
— "Ai meu bom senhor!"
gemeu o pescador. "Nem o senhor imagina o que me sucedeu! Vendo-me com os
mil cruzeiros, nunca havendo possuído tamanha quantia, fiquei sem saber o que
fazer. Resolvi comprar uma lojinha, mas enquanto esperava ocasião favorável,
escondi o dinheiro no forro do meu boné. Um dia em que saíra de casa, de repente
senti que mo arrebatavam da cabeça, e tive tempo de ver um gavião que voava,
levando no bico o boné com dinheiro e tudo".
Raul nada disse e deu-lhe mais mil
cruzeiros.
— "Aqui tens igual soma,
Segismundo. Veremos se desta vez serás mais feliz".
Um ano inteiro decorreu depois
disto.
Raul e Olavo, que continuavam
sempre amigos, tornaram a passar pela praia, e a primeira pessoa que viram foi
Segismundo com a mesma roupa, a cuidar da sua embarcação.
O pescador, reconhecendo-os
atirou-se-lhes aos pés, chorando:
— "Que desgraça, meu jovem
protetor. Aquele dinheiro teve a mesma sorte..."
— "Como??... pois caíste na
tolice de guardá-lo novamente no boné??"
— "Não, senhor, mas escondi-o
dentro de um caixão de flores, que havia lá; em casa.
Não tendo conversado com minha
mulher coisa alguma a respeito, ela vendeu o caixão com as flores e com o
dinheiro".
— "É muito caiporismo!"
disse Raul.
— "E hoje vejo-me na mais
completa miséria", prosseguiu Segismundo. "Queria ir pescar, e não tenho
nem dois vinténs que preciso para comprar chumbo, de modo a fazer peso na rede".
— "Não seja esta a
dúvida", falou Olavo. "Toma este pedaço de chumbo que encontrei há
pouco".
Quatro anos mais tarde, Olavo e
Raul entraram num grande e importante estabelecimento de fazendas, o mais rico,
maior e mais afreguesado da cidade.
Estavam escolhendo gravatas, quando
o dono da casa passou por êles, e dando um grito, abraçou-os.
Os dois amigos reconheceram
Segismundo, que se apressou em levá-los para o escritório.
Aí narrou o que lhe sucedera.
Tendo lançado as redes ao mar,
naquele mesmo dia em que Olavo lhe dera o pedaço de chumbo, só conseguiu
apanhar uma tainha.
Como nem ele nem a mulher haviam
ainda comido, mandou cozinhar o peixe, e quando ela o abriu para limpá-lo,
encontrou dentro uma pérola de inestimável valor.
Segismundo vendeu-a por duzentos
mil cruzeiros a três joalheiros, que se associaram para esse fim.
Tendo montado uma loja de fazendas,
os seus negócios prosperaram extraordinàriamente, tornando-se ele riquíssimo, o
primeiro negociante da cidade.
Os dois moços separaram-se de
Segismundo prometendo ir jantar com ele no domingo seguinte.
* * *
A hora marcada, os dois amigos
chegaram. O comerciante morava numa esplêndida chácara, rodeada de árvores
frutíferas e pomares e mobiliada com luxo e gosto.
Raul não acreditava que a origem da
fortuna do pescador fosse o pedaço de chumbo convencido que ele havia empregado
bem os dois mil cruzeiros. Mas Olavo estava persuadido do contrário.
Segismundo e a mulher receberam-nos
admiravelmente, franqueando-lhes toda a casa, oferecendo-lhes bebidas,
refrescos, doces e frutas.
Estavam a passear no pomar, quando
as crianças, que corriam alegremente, vieram pedir ao pai que lhes tirasse um
ninho pousado num galho de árvore.
O negociante chamou jardineiro, que
apanhou um pedaço de bambu e puxou o ninho.
— "Parece milagre! Veja, Sr.
Raul: eis o meu boné transformado em ninho de pássaros! Vamos ver se ainda terá
o dinheiro".
Rasgou o forro e, efetivamente,
acharam dentro o maço de notas.
Saindo, do pomar, as visitas
percorriam o jardim, quando o chacareiro mostrou uns pés de cravo
formosíssimos, que havia comprado naquele dia.
O próprio dono ainda os não havia
visto, e mal olhou, reconheceu o caixão, onde guardara o dinheiro.
Revolvida a terra, encontraram as
cédulas enroladas no jornal, muito estragadas difíceis de serem reconhecidas.
— "Tens razão", disse
então Raul! para Olavo, "o que faz a fortuna não é o dinheiro: é a
felicidade e o trabalho".
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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025)
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