3/19/2025

O que faz a fortuna ("Histórias da Baratinha"), por Figueiredo Pimentel


O QUE FAZ A FORTUNA

Raul e Olavo, dois amigos, passeavam uma tarde à beira-mar.

Ambos eram moços e ricos, e viviam satisfeitos. Conversando sobre a sorte dos desgraçados, e no meio de ser feliz, falou Raul:

— "O que dá a felicidade, e o que faz a fortuna. é o dinheiro".

— "Não concordo contigo" disse Olavo: "Às vezes, a felicidade consiste na primeira insignificância".

Discutiram durante muito tempo, mas não houve meio de chegarem a um acordo.

— "Pois bem", rematou Raul, para acabar com aquela fastidiosa discussão, "nada custa experimentar. Verás".

Perto da praia achava-se um pobre pescador remendando as suas redes. O moço chamou-o:

— "Como te chamas?"

— "Chamo-me Segismundo".

— "Em que te ocupas?"

— "Sou pescador.

— "Estás contente com a tua sorte?"

— "Ah! não, senhor! A pesca nem sempre rende, e dias há que me vejo sem pão para mim, minha mulher e meus dois pobres filhinhos".

— "E que precisavas tu para ser feliz?"

— "Muito pouco, senhor. Se eu dispusesse de mil cruzeiros, montaria um negociozinho qualquer e arranjaria a minha vida".

— "Bem, Segismundo, aqui tens mil cruzeiros", disse Raul, tirando o dinheiro da carteira. “Emprega-o como quiser e sê feliz".

O pescador agradeceu muitíssimo aquela esmola, e partiu contente para casa.

Passaram-se tempos, e um dia Olavo e Raul, passeando por acaso pela praia, lembraram-se da conversa, e tiveram curiosidade de saber da sorte do pescador.

Chamaram um pobre homem que consertava uma velha canoazinha, para indagar dele. E, quando o homem voltou-se reconheceram Segismundo.

— "Então, que é isso? Foste infeliz nos teus negócios?"

— "Ai meu bom senhor!" gemeu o pescador. "Nem o senhor imagina o que me sucedeu! Vendo-me com os mil cruzeiros, nunca havendo possuído tamanha quantia, fiquei sem saber o que fazer. Resolvi comprar uma lojinha, mas enquanto esperava ocasião favorável, escondi o dinheiro no forro do meu boné. Um dia em que saíra de casa, de repente senti que mo arrebatavam da cabeça, e tive tempo de ver um gavião que voava, levando no bico o boné com dinheiro e tudo".

Raul nada disse e deu-lhe mais mil cruzeiros.

— "Aqui tens igual soma, Segismundo. Veremos se desta vez serás mais feliz".

Um ano inteiro decorreu depois disto.

Raul e Olavo, que continuavam sempre amigos, tornaram a passar pela praia, e a primeira pessoa que viram foi Segismundo com a mesma roupa, a cuidar da sua embarcação.

O pescador, reconhecendo-os atirou-se-lhes aos pés, chorando:

— "Que desgraça, meu jovem protetor. Aquele dinheiro teve a mesma sorte..."

— "Como??... pois caíste na tolice de guardá-lo novamente no boné??"

— "Não, senhor, mas escondi-o dentro de um caixão de flores, que havia lá; em casa.

Não tendo conversado com minha mulher coisa alguma a respeito, ela vendeu o caixão com as flores e com o dinheiro".

— "É muito caiporismo!" disse Raul.

— "E hoje vejo-me na mais completa miséria", prosseguiu Segismundo. "Queria ir pescar, e não tenho nem dois vinténs que preciso para comprar chumbo, de modo a fazer peso na rede".

— "Não seja esta a dúvida", falou Olavo. "Toma este pedaço de chumbo que encontrei há pouco".

Quatro anos mais tarde, Olavo e Raul entraram num grande e importante estabelecimento de fazendas, o mais rico, maior e mais afreguesado da cidade.

Estavam escolhendo gravatas, quando o dono da casa passou por êles, e dando um grito, abraçou-os.

Os dois amigos reconheceram Segismundo, que se apressou em levá-los para o escritório.

Aí narrou o que lhe sucedera.

Tendo lançado as redes ao mar, naquele mesmo dia em que Olavo lhe dera o pedaço de chumbo, só conseguiu apanhar uma tainha.

Como nem ele nem a mulher haviam ainda comido, mandou cozinhar o peixe, e quando ela o abriu para limpá-lo, encontrou dentro uma pérola de inestimável valor.

Segismundo vendeu-a por duzentos mil cruzeiros a três joalheiros, que se associaram para esse fim.

Tendo montado uma loja de fazendas, os seus negócios prosperaram extraordinàriamente, tornando-se ele riquíssimo, o primeiro negociante da cidade.

Os dois moços separaram-se de Segismundo prometendo ir jantar com ele no domingo seguinte.

* * *

A hora marcada, os dois amigos chegaram. O comerciante morava numa esplêndida chácara, rodeada de árvores frutíferas e pomares e mobiliada com luxo e gosto.

Raul não acreditava que a origem da fortuna do pescador fosse o pedaço de chumbo convencido que ele havia empregado bem os dois mil cruzeiros. Mas Olavo estava persuadido do contrário.

Segismundo e a mulher receberam-nos admiravelmente, franqueando-lhes toda a casa, oferecendo-lhes bebidas, refrescos, doces e frutas.

Estavam a passear no pomar, quando as crianças, que corriam alegremente, vieram pedir ao pai que lhes tirasse um ninho pousado num galho de árvore.

O negociante chamou jardineiro, que apanhou um pedaço de bambu e puxou o ninho.

— "Parece milagre! Veja, Sr. Raul: eis o meu boné transformado em ninho de pássaros! Vamos ver se ainda terá o dinheiro".

Rasgou o forro e, efetivamente, acharam dentro o maço de notas.

Saindo, do pomar, as visitas percorriam o jardim, quando o chacareiro mostrou uns pés de cravo formosíssimos, que havia comprado naquele dia.

O próprio dono ainda os não havia visto, e mal olhou, reconheceu o caixão, onde guardara o dinheiro.

Revolvida a terra, encontraram as cédulas enroladas no jornal, muito estragadas difíceis de serem reconhecidas.

— "Tens razão", disse então Raul! para Olavo, "o que faz a fortuna não é o dinheiro: é a felicidade e o trabalho".


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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025)
 

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