Num pequeno, lugarejo dos sertões,
habitava uma família composta de pai, mãe e filha.
Esse povoado era tão
insignificante, tão pobre, tão diminuto, que toda gente se conhecia pelos nomes
e apelidos, como se fossem membros da mesma família.
Muito longe da capital e das
cidades principais, a povoação metida entre montanhas, cercada de florestas,
contava apenas umas quinhentas casas, ou menos.
A família Anastácio era a mais
importante e considerada do lugar. O pai havia ido em criança para a cidade e
enriquecera, voltando finalmente para a sua terra.
Enriquecera, é um modo dizer. O Sr.
Anastácio tinha apenas com que viver, sem precisar trabalhar, como o resto dos
seus conterrâneos, que se viam forçados a cultivar os campos por suas próprias
mãos, e entregarem-se a outras ocupações, a fim de se sustentarem.
Por isso, D. Florisbela, sua
esposa, e Laudelina, sua filha, julgavam-se as mais importantes personagens do
povoado, as mais ricas e as mais fidalgas.
Laudelina tinha treze para quatorze
anos, e conquanto não fosse nenhuma beleza, era simpática e agradável.
Ela, porém, pensava que era uma
beleza, um primor caído do céu por descuido; e porque muitas pessoas aduladoras
lho diziam, convenceu-se daquilo, como se fosse sem contestação.
O pai, estimando-a imensamente,
começou a chamá-la de Rainha de Golconda. A princípio a coisa foi mera brincadeira,
em casa. Mais tarde a alcunha estendeu-se e por último ninguém a conhecia
doutra forma.
Laudelina, crente e vaidosa, como a
maior parte das meninas da sua idade, enfatuou-se com a antonomásia, e quando
aparecia nos lugares públicos tomava os ares soberbos de uma verdadeira soberana
no meio dos seus vassalos.
Por ocasião das festas de Santo
Antônio, São João e São Pedro, apareceu na povoação uma pequena companhia de
cavalinhos, trazendo meia dúzia de artistas, palhaços, cavalos amestrados e
animais.
Anunciaram-se os espetáculos, e
como os divertimentos eram raríssimos, ali, excetuando-se as festas de igreja,
o circo encheu-se de povo.
Entre as coisas curiosas que se
exibiam nas funções, notava-se um cavalo sábio, ainda piquira, pequenino, todo
branco com longas crinas frisadas, que fazia mil habilidades.
O mestre do circo era um
espertalhão de marca maior, um verdadeiro vagabundo, que não tendo aptidão para
o trabalho, andava de vila em vila, de cidade em cidade, explorando aqueles
desgraçados.
No pouco tempo em que ali
permaneceu, o finório travou relações com todos os habitantes, principalmente
com a família Anastácio, a quem adulava, usufruindo e explorando o mais que
podia.
Fazia sobretudo inúmeros agrados a
Laudelina, elogiando-lhe a beleza, gabando-lhe as roupas, tratando-a com
especial atenção.
Numa noite de espetáculo, depois de
mandar o cavalo fazer as habilidades do costume, ordenou-lhe:
"Agora de três voltas em roda
do circo, pare em frente à pessoa mais bonita que encontrar". Estalou o
chicote, e o piquira, dando as três voltas, veio estacar em frente à mocinha.
Laudelina quase morreu de alegria,
cheia de vaidade.
— "Bem, disse o dono dos cavalinhos,
"quero que, de olhos vendados vás cumprimentar a pessoa mais ilustre que
aqui houver".
Tapou-lhe os olhos com um lenço, e
o pequirinha, percorrendo o circo parou outra vez em frente à rapariga, a quem
saudou com a cabeça.
Os espectadores estavam pasmos com
a inteligência do lindo animal e Laudelina quase rebentava de alegria.
Então, o intrujão começou a
conversar, contando as maravilhas que tinha visto pelo mundo inteiro,
especialmente em Golconda, de onde Laudelina era rainha.
No dia da partida da companhia, a
mocinha estava tão entusiasmada, que fugiu de casa e agregando-se à tropa, quis
acompanhá-la.
Chegando fora do povoado, o mestre
do circo, que até então se mostrara respeitoso para com ela, gritou:
— "Vamos, menina, basta de
comédia! Você era rainha lá na sua terra, onde seu pai é rico; aqui é outro
cantar. Dispa, portanto, a roupa que traz e vista um traje de artista para
aprender a trabalhar.
Ela admirada, perguntou:
— "Então, nós não vamos a
Golconda, esse país tão belo e tão rico, de que o senhor me falou?"
— "Qual Golconda, nem qual
nada! Você vai mas é trabalhar como os outros, para me sustentar".
— "Isso não quero. Leve-me,
então, para a casa de papai".
E como o tratante se recusasse,
Laudelina começou a chorar desesperadamente sem fazer caso de ameaças.
Vendo que nada conseguia, o
espertalhão resolveu abandoná-la na estrada. Roubou-lhe os belos vestidos,
enfeites, e jóias, e deixando-a apenas em camisa, amarrou-a a uma árvore.
A companhia seguiu caminho.
Só muitas horas mais tarde,
passando por ali alguns trabalhadores, reconheceram-na e levaram-na para a
casa.
O Sr. Anastácio e D. Florisbela
andavam como loucos à procura da filha. Toda a gente já sabia da fuga.
Laudelina teve que entrar na aldeia
no meio de gerais zombarias e caçoadas que lhe faziam.
Mas a lição não foi má, porque se
emendou do seu tolo orgulho e fofa vaidade, vindo a ser uma moça modesta e
simples.
É por isso que hoje, em muitos
lugares quando se vê uma rapariga soberba e enfatuada, muita gente costuma
dizer:
— "Lá vai a rainha de
Golconda!
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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025)
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