3/18/2025

A Rainha de Golconda ("Histórias da Baratinha"), por Figueiredo Pimentel


A RAINHA DE GOLCONDA

Num pequeno, lugarejo dos sertões, habitava uma família composta de pai, mãe e filha.

Esse povoado era tão insignificante, tão pobre, tão diminuto, que toda gente se conhecia pelos nomes e apelidos, como se fossem membros da mesma família.

Muito longe da capital e das cidades principais, a povoação metida entre montanhas, cercada de florestas, contava apenas umas quinhentas casas, ou menos.

A família Anastácio era a mais importante e considerada do lugar. O pai havia ido em criança para a cidade e enriquecera, voltando finalmente para a sua terra.

Enriquecera, é um modo dizer. O Sr. Anastácio tinha apenas com que viver, sem precisar trabalhar, como o resto dos seus conterrâneos, que se viam forçados a cultivar os campos por suas próprias mãos, e entregarem-se a outras ocupações, a fim de se sustentarem.

Por isso, D. Florisbela, sua esposa, e Laudelina, sua filha, julgavam-se as mais importantes personagens do povoado, as mais ricas e as mais fidalgas.

Laudelina tinha treze para quatorze anos, e conquanto não fosse nenhuma beleza, era simpática e agradável.

Ela, porém, pensava que era uma beleza, um primor caído do céu por descuido; e porque muitas pessoas aduladoras lho diziam, convenceu-se daquilo, como se fosse sem contestação.

O pai, estimando-a imensamente, começou a chamá-la de Rainha de Golconda. A princípio a coisa foi mera brincadeira, em casa. Mais tarde a alcunha estendeu-se e por último ninguém a conhecia doutra forma.

Laudelina, crente e vaidosa, como a maior parte das meninas da sua idade, enfatuou-se com a antonomásia, e quando aparecia nos lugares públicos tomava os ares soberbos de uma verdadeira soberana no meio dos seus vassalos.

Por ocasião das festas de Santo Antônio, São João e São Pedro, apareceu na povoação uma pequena companhia de cavalinhos, trazendo meia dúzia de artistas, palhaços, cavalos amestrados e animais.

Anunciaram-se os espetáculos, e como os divertimentos eram raríssimos, ali, excetuando-se as festas de igreja, o circo encheu-se de povo.

Entre as coisas curiosas que se exibiam nas funções, notava-se um cavalo sábio, ainda piquira, pequenino, todo branco com longas crinas frisadas, que fazia mil habilidades.

O mestre do circo era um espertalhão de marca maior, um verdadeiro vagabundo, que não tendo aptidão para o trabalho, andava de vila em vila, de cidade em cidade, explorando aqueles desgraçados.

No pouco tempo em que ali permaneceu, o finório travou relações com todos os habitantes, principalmente com a família Anastácio, a quem adulava, usufruindo e explorando o mais que podia.

Fazia sobretudo inúmeros agrados a Laudelina, elogiando-lhe a beleza, gabando-lhe as roupas, tratando-a com especial atenção.

Numa noite de espetáculo, depois de mandar o cavalo fazer as habilidades do costume, ordenou-lhe:

"Agora de três voltas em roda do circo, pare em frente à pessoa mais bonita que encontrar". Estalou o chicote, e o piquira, dando as três voltas, veio estacar em frente à mocinha.

Laudelina quase morreu de alegria, cheia de vaidade.

— "Bem, disse o dono dos cavalinhos, "quero que, de olhos vendados vás cumprimentar a pessoa mais ilustre que aqui houver".

Tapou-lhe os olhos com um lenço, e o pequirinha, percorrendo o circo parou outra vez em frente à rapariga, a quem saudou com a cabeça.

Os espectadores estavam pasmos com a inteligência do lindo animal e Laudelina quase rebentava de alegria.

Então, o intrujão começou a conversar, contando as maravilhas que tinha visto pelo mundo inteiro, especialmente em Golconda, de onde Laudelina era rainha.

No dia da partida da companhia, a mocinha estava tão entusiasmada, que fugiu de casa e agregando-se à tropa, quis acompanhá-la.

Chegando fora do povoado, o mestre do circo, que até então se mostrara respeitoso para com ela, gritou:

— "Vamos, menina, basta de comédia! Você era rainha lá na sua terra, onde seu pai é rico; aqui é outro cantar. Dispa, portanto, a roupa que traz e vista um traje de artista para aprender a trabalhar.

Ela admirada, perguntou:

— "Então, nós não vamos a Golconda, esse país tão belo e tão rico, de que o senhor me falou?"

— "Qual Golconda, nem qual nada! Você vai mas é trabalhar como os outros, para me sustentar".

— "Isso não quero. Leve-me, então, para a casa de papai".

E como o tratante se recusasse, Laudelina começou a chorar desesperadamente sem fazer caso de ameaças.

Vendo que nada conseguia, o espertalhão resolveu abandoná-la na estrada. Roubou-lhe os belos vestidos, enfeites, e jóias, e deixando-a apenas em camisa, amarrou-a a uma árvore.

A companhia seguiu caminho.

Só muitas horas mais tarde, passando por ali alguns trabalhadores, reconheceram-na e levaram-na para a casa.

O Sr. Anastácio e D. Florisbela andavam como loucos à procura da filha. Toda a gente já sabia da fuga.

Laudelina teve que entrar na aldeia no meio de gerais zombarias e caçoadas que lhe faziam.

Mas a lição não foi má, porque se emendou do seu tolo orgulho e fofa vaidade, vindo a ser uma moça modesta e simples.

É por isso que hoje, em muitos lugares quando se vê uma rapariga soberba e enfatuada, muita gente costuma dizer:

— "Lá vai a rainha de Golconda!


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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025)

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