3/16/2025

O Papagaio Real ("Histórias da Baratinha"), por Figueiredo Pimentel


O PAPAGAIO REAL

Andreza era uma velha mexeriqueira que gostava de bisbilhotar as coisas passadas na vizinhança, para depois percorrer as casas das amigas e comadres, narrando tudo quanto via, mas exagerando e mentindo.

As suas três filhas seguiam-lhe o exemplo, invejando e odiando todo o mundo, por serem horrivelmente feias. Chiquinha, a mais idosa, com perto de trinta anos, tinha três olhos alinhados, na testa; Julinha, a do meio, nascera com os dois, mas, desde criança, ficara vesga olhando para cada lado; e a caçula, Mariquinhas, tinha só um, logo acima do nariz.

Perto da residência de Andreza, vivia uma moça formosíssima, que ninguém sabia donde viera, mas a quem tenda a gente queria bem.

Chamava-se Elvira.

Muito esmoler, muito bondosa, jamais pobre algum batera à sua porta que não fosse logo generosamente socorrido. O seu palacete era mobiliado com luxo e gosto, respirando conforto, e riqueza.

Desde que Elvira, viera residir para ali, Andreza, Chiquinha, Julinha e Mariquinhas arderam de curiosidade para saber da sua família e modo de vida.

Nada podendo conseguir, Chiquinha lembrou-se de um estratagema.

Fingindo que brigara com a mãe e as irmãs, foi pedir hospitalidade e proteção à vizinha, que lha não negou, recebendo-a com amabilidade e carinho.

Desconfiando, porém, de alguma astúcia, Elvira deitou no chá, destinado à Chiquinha, uma in-fusão de dormideiras, de modo que, bebendo-a, a intrigante dormiu a noite inteira.

No dia seguinte inventou que fizera as pazes com a velha, voltou para a casa, contando que nada havia de novo.

Tempos depois, Julinha ofereceu-se para ir espreitar o que ocorria no palacete.

Da mesma forma que procedera com a primeira, Elvira procedeu com ela.

Tendo adormecido profundamente, com o narcótico, Julinha não viu coisa alguma que por acaso ocorresse de noite, e tornou para casa, desapontada.

Mariquinhas comunicou, ainda, que iria.

— "Como queres tu ser mais perspicaz do que nós" disseram as duas imãs. "Pois tu, com um Alho só, queres ver melhor do que nós duas?"

A caçula não se importou com aquelas observações, e foi bater à porta do palacete da formosa Elvira.

À hora do chá, Mariquinhas, fingiu que engolia a beberagem, mas derramou-a no lenço.

Passado algum tempo, declarou que estava com muito sono, mas, alegando ter medo de dormir sozinha, pediu à vizinha que a deixasse pernoitar no mesmo quarto.

Consentiu Elvira, e a filha da velha Andreza fez que adormecia.

Pelo meio da noite ouviu rumor nas janelas do quarto, parecendo-lhe um rufiar de asas.

A dona da casa, erguendo-se do leito, abriu-as de par em par. Voou para dentro um grande e lindo papagaio, com uma coroa real na cabeça, exclamando:

— "Dá-me leite! dá-me sangue! dá-me água! senão morro...”

A moça apresentou-lhe uma bacia de prata cheia d'água. O papagaio começou a banhar-se, sacudindo as asas, transformando-se cada pingo que lhe caia das penas em brilhantes, safiras, rubis, topázios, pérolas e mil outras pedras preciosas.

Depois desencantou-se em um elegante esbelto mancebo.

Era o príncipe real do Limo Verde, que assim se transformara para ver a namorada.

Pela manhã, Mariquinhas regressou radiante, e narrou o que presenciara durante a noite.

Chegou, por último a vez de Andreza ir pedir hospedagem a Elvira.

 Quando entrou para o quarto de dormir, disfarçou e colocou navalhas afiadíssimas na janela, por onde devia entrar a formosa ave.

O papagaio, entrando cortou-se todo, e disse para a namorada.

— "Ah! ingrata, nunca mais me verás! Só se mandares fazer uma roupa de ferro, e andares com ela até se acatar!...”

Bateu asas e voou.

***

Elvira, triste e desgostosa, encomendou a toda a pressa a roupa de ferro — saia, paletó, botina e chapéu.

Vestiu-a e saiu pelo mundo em fora, a procurar o Reino do Limo Verde.

Após longos e longos meses de jornada foi ter ao Reino da Lua.

Ai, um velho recebeu-a muito bem, e disse que sá sua filha poderia dar notícias de tal região, mas que ela, quando vinha para casa, era má e zangada com todos, e por isso aconselhava à peregrina que se escondesse.

Assim foi.

Tendo, porém, a Lua tomado banho, se desencantou numa jovem de radiante formosura, e sentou-se à mesa para cear.

— "Minha filha", indagou o pai, "se aqui aparecesse alguém, indagando por um lugar, que lhe farias tu?"

— "Mandava-o entrar, e tratá-lo-ia bem. Se essa pessoa aí está, que. apareça".

Elvira saiu do esconderijo e fez à Lua a pergunta sobre o que pretendia.

 "Não sei. Vá, entretanto, ao Império do Sol que ele pode informar".

A peregrina despediu-se. Na saída, a Lua presenteou-a com uma almofadinha de fazer rendas, toda de prata, com os bilros de prata, alfinetes de prata e linha de prata.

Por nova e longa peregrinação neste mundo de Cristo andou a pobre Elvira, até que, finalmente, morta de cansaço, exausta, de forças, chegou ao Império do Sol.

Indagou do Astro Rei onde ficava o Reino do Limo Verde, mas o Sol lhe não soube dizer, aconselhando-a, todavia, que se informasse com o Presidente da República dos Ventos.

Como fizera a Lua, ofertou-lhe o Sol um presente — uma galinha que punha ovos de ouro, com uma ninhada de pintos de ouro, vivos e andando.

O Vento, que andava por todas as terras correndo rapidamente o Universo, ao ouvir a pergunta, respondeu:

"Conheço muito o Reino do Limo Verde. Ainda na semana passada lá estive, e vou hoje para lá. Dista daqui umas cem mil léguas... É bem pertinho... Queres ir comigo?"

A bela Elvira aceitou.

O Vento arrebatou-a, e meia hora depois deixava-a à entrada da capital do reino, em uma planície.

Já por esse tempo principiava a se gastar a roupa de ferro que a infeliz moça vestia.

Três anos haviam passado que ela não via o seu adorado papagaio real.

Sentada sob a copada sombra de uma árvore, o pobre criatura cismava num meio qualquer de penetrar no palácio, quando ouviu passos de pessoas que se aproximavam.

Eram dois soldados conversando, a falarem sobre o príncipe, que estava muito doente, devido às feridas que recebera na guerra, já não havia mais esperanças de o salvar.

Elvira, saindo dali, dirigiu-se para o palácio real, situado numa vasta praça, e deixou-se cair em um dos bancos do jardim público.

Para matar o tempo, começou a fazer rendas com a almofada de prata que lhe dera a Lua.

Criados do palácio, vendo aquilo, foram contá-lo à rainha-mãe, que mandou vir a peregrina à sua presença.

Perguntou-lhe quanto queria por aquela preciosidade.

A moça declarou que a cederia de graça, se a rainha consentisse em ela dormir uma noite no quarto do príncipe.

A soberana acedeu, e Elvira passou aquela noite com o real enfermo, que melhorou, não a reconhecendo, porém.

No dia seguinte, a peregrina foi novamente para o mesmo banco do passeio público, e soltou a galinha e os pintinhos de ouro, presente do Sol.

Mais entusiasmada ainda ficou a rainha, ao ver as lindas aves, luzindo, brilhando, enquanto cacarejavam e mariscavam.

Quis comprá-las e Elvira ofereceu-as, com a condição de permanecer um dia inteiro no aposento do príncipe do Limo Verde.

Consentiu-se, mas foi preciso que ela despisse a roupa velha, muito suja, enferrujada e gasta. Assim que a moça a tirou, o traje desmanchou-se, caindo ao chão em pó.

Ao entrar na Câmara, o príncipe abriu os olhos e reconheceu-a.

Estava salvo!

Meses depois, completamente restabelecido, o príncipe herdeiro do Reino do Limo Verde casava-se com Elvira.


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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025)

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