Andreza era uma velha mexeriqueira
que gostava de bisbilhotar as coisas passadas na vizinhança, para depois
percorrer as casas das amigas e comadres, narrando tudo quanto via, mas exagerando
e mentindo.
As suas três filhas seguiam-lhe o
exemplo, invejando e odiando todo o mundo, por serem horrivelmente feias.
Chiquinha, a mais idosa, com perto de trinta anos, tinha três olhos alinhados,
na testa; Julinha, a do meio, nascera com os dois, mas, desde criança, ficara
vesga olhando para cada lado; e a caçula, Mariquinhas, tinha só um, logo acima
do nariz.
Perto da residência de Andreza,
vivia uma moça formosíssima, que ninguém sabia donde viera, mas a quem tenda a
gente queria bem.
Chamava-se Elvira.
Muito esmoler, muito bondosa,
jamais pobre algum batera à sua porta que não fosse logo generosamente
socorrido. O seu palacete era mobiliado com luxo e gosto, respirando conforto,
e riqueza.
Desde que Elvira, viera residir
para ali, Andreza, Chiquinha, Julinha e Mariquinhas arderam de curiosidade para
saber da sua família e modo de vida.
Nada podendo conseguir, Chiquinha
lembrou-se de um estratagema.
Fingindo que brigara com a mãe e as
irmãs, foi pedir hospitalidade e proteção à vizinha, que lha não negou,
recebendo-a com amabilidade e carinho.
Desconfiando, porém, de alguma
astúcia, Elvira deitou no chá, destinado à Chiquinha, uma in-fusão de
dormideiras, de modo que, bebendo-a, a intrigante dormiu a noite inteira.
No dia seguinte inventou que fizera
as pazes com a velha, voltou para a casa, contando que nada havia de novo.
Tempos depois, Julinha ofereceu-se
para ir espreitar o que ocorria no palacete.
Da mesma forma que procedera com a
primeira, Elvira procedeu com ela.
Tendo adormecido profundamente, com
o narcótico, Julinha não viu coisa alguma que por acaso ocorresse de noite, e
tornou para casa, desapontada.
Mariquinhas comunicou, ainda, que
iria.
— "Como queres tu ser mais
perspicaz do que nós" disseram as duas imãs. "Pois tu, com um Alho
só, queres ver melhor do que nós duas?"
A caçula não se importou com
aquelas observações, e foi bater à porta do palacete da formosa Elvira.
À hora do chá, Mariquinhas, fingiu
que engolia a beberagem, mas derramou-a no lenço.
Passado algum tempo, declarou que
estava com muito sono, mas, alegando ter medo de dormir sozinha, pediu à
vizinha que a deixasse pernoitar no mesmo quarto.
Consentiu Elvira, e a filha da
velha Andreza fez que adormecia.
Pelo meio da noite ouviu rumor nas
janelas do quarto, parecendo-lhe um rufiar de asas.
A dona da casa, erguendo-se do
leito, abriu-as de par em par. Voou para dentro um grande e lindo papagaio, com
uma coroa real na cabeça, exclamando:
— "Dá-me leite! dá-me sangue!
dá-me água! senão morro...”
A moça apresentou-lhe uma bacia de
prata cheia d'água. O papagaio começou a banhar-se, sacudindo as asas,
transformando-se cada pingo que lhe caia das penas em brilhantes, safiras,
rubis, topázios, pérolas e mil outras pedras preciosas.
Depois desencantou-se em um
elegante esbelto mancebo.
Era o príncipe real do Limo Verde,
que assim se transformara para ver a namorada.
Pela manhã, Mariquinhas regressou
radiante, e narrou o que presenciara durante a noite.
Chegou, por último a vez de Andreza
ir pedir hospedagem a Elvira.
Quando entrou para o quarto de dormir, disfarçou
e colocou navalhas afiadíssimas na janela, por onde devia entrar a formosa ave.
O papagaio, entrando cortou-se
todo, e disse para a namorada.
— "Ah! ingrata, nunca mais me
verás! Só se mandares fazer uma roupa de ferro, e andares com ela até se
acatar!...”
Bateu asas e voou.
***
Elvira, triste e desgostosa,
encomendou a toda a pressa a roupa de ferro — saia, paletó, botina e chapéu.
Vestiu-a e saiu pelo mundo em fora,
a procurar o Reino do Limo Verde.
Após longos e longos meses de
jornada foi ter ao Reino da Lua.
Ai, um velho recebeu-a muito bem, e
disse que sá sua filha poderia dar notícias de tal região, mas que ela, quando
vinha para casa, era má e zangada com todos, e por isso aconselhava à peregrina
que se escondesse.
Assim foi.
Tendo, porém, a Lua tomado banho, se
desencantou numa jovem de radiante formosura, e sentou-se à mesa para cear.
— "Minha filha", indagou
o pai, "se aqui aparecesse alguém, indagando por um lugar, que lhe farias
tu?"
— "Mandava-o entrar, e
tratá-lo-ia bem. Se essa pessoa aí está, que. apareça".
Elvira saiu do esconderijo e fez à
Lua a pergunta sobre o que pretendia.
"Não sei. Vá, entretanto, ao Império do
Sol que ele pode informar".
A peregrina despediu-se. Na saída,
a Lua presenteou-a com uma almofadinha de fazer rendas, toda de prata, com os
bilros de prata, alfinetes de prata e linha de prata.
Por nova e longa peregrinação neste
mundo de Cristo andou a pobre Elvira, até que, finalmente, morta de cansaço,
exausta, de forças, chegou ao Império do Sol.
Indagou do Astro Rei onde ficava o
Reino do Limo Verde, mas o Sol lhe não soube dizer, aconselhando-a, todavia,
que se informasse com o Presidente da República dos Ventos.
Como fizera a Lua, ofertou-lhe o
Sol um presente — uma galinha que punha ovos de ouro, com uma ninhada de pintos
de ouro, vivos e andando.
O Vento, que andava por todas as
terras correndo rapidamente o Universo, ao ouvir a pergunta, respondeu:
"Conheço muito o Reino do Limo
Verde. Ainda na semana passada lá estive, e vou hoje para lá. Dista daqui umas
cem mil léguas... É bem pertinho... Queres ir comigo?"
A bela Elvira aceitou.
O Vento arrebatou-a, e meia hora
depois deixava-a à entrada da capital do reino, em uma planície.
Já por esse tempo principiava a se
gastar a roupa de ferro que a infeliz moça vestia.
Três anos haviam passado que ela
não via o seu adorado papagaio real.
Sentada sob a copada sombra de uma
árvore, o pobre criatura cismava num meio qualquer de penetrar no palácio,
quando ouviu passos de pessoas que se aproximavam.
Eram dois soldados conversando, a
falarem sobre o príncipe, que estava muito doente, devido às feridas que
recebera na guerra, já não havia mais esperanças de o salvar.
Elvira, saindo dali, dirigiu-se
para o palácio real, situado numa vasta praça, e deixou-se cair em um dos
bancos do jardim público.
Para matar o tempo, começou a fazer
rendas com a almofada de prata que lhe dera a Lua.
Criados do palácio, vendo aquilo,
foram contá-lo à rainha-mãe, que mandou vir a peregrina à sua presença.
Perguntou-lhe quanto queria por aquela
preciosidade.
A moça declarou que a cederia de
graça, se a rainha consentisse em ela dormir uma noite no quarto do príncipe.
A soberana acedeu, e Elvira passou
aquela noite com o real enfermo, que melhorou, não a reconhecendo, porém.
No dia seguinte, a peregrina foi
novamente para o mesmo banco do passeio público, e soltou a galinha e os
pintinhos de ouro, presente do Sol.
Mais entusiasmada ainda ficou a
rainha, ao ver as lindas aves, luzindo, brilhando, enquanto cacarejavam e
mariscavam.
Quis comprá-las e Elvira
ofereceu-as, com a condição de permanecer um dia inteiro no aposento do
príncipe do Limo Verde.
Consentiu-se, mas foi preciso que
ela despisse a roupa velha, muito suja, enferrujada e gasta. Assim que a moça a
tirou, o traje desmanchou-se, caindo ao chão em pó.
Ao entrar na Câmara, o príncipe
abriu os olhos e reconheceu-a.
Estava salvo!
Meses depois, completamente
restabelecido, o príncipe herdeiro do Reino do Limo Verde casava-se com Elvira.
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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025)
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