3/19/2025

A camisa do homem feliz ("Histórias da Baratinha"), por Figueiredo Pimentel


A CAMISA DO HOMEM FELIZ

Gravemente enfermo, caíra prostrado numa cama o poderoso sultão Abou-Malek.

De todas as partes vieram remédios, sábios e curandeiros; fizeram-se preces públicas; prometeram-se honras e fortunas a quem o salvasse.

Apareceu um dia em palácio uma velhinha, declarando que o sultão só se restabeleceria,, ficando radicalmente curado, se vestisse a camisa de um homem feliz.

Imediatamente partiram mensageiros a procurar esse homem feliz, com ordem de lhe comprar a camisa por qualquer preço, ou arrancá-la à força, se ele a não quisesse ceder.

Principiando pela capital do reino, os emissários foram bater nos palácios dos ricos; depois dirigiram-se aos remediados; falaram por último com os pobres.

Seguiram, então, pelas pequenas cidades e aldeias, conversando com os camponeses. Passaram por todas as vilas, esquadrinharam todos os lugares. Em parte alguma encontraram um só homem feliz.

Os ricos queriam ser mais ricos ainda; os pobres desejavam fortuna; os doentes queriam saúde; soldados, oficiais, padres, operários, lavradores todos tinham ambições e desejos.

Os mensageiros, inteiramente desanimados, regressaram para a capital.

Uma tarde, passando por uma vasta campina, encontraram um pastor sentado à sombra de uma copada árvore, tocando flauta. Ao longe, o rebanho pastava tranquilamente.

A fisionomia do pastorzinho respirava honestidade, calma e contentamento.

Um deles lembrou-se de lhe dirigir a palavra:

— "Vejo-o sentado aí, tão a seu gosto, que sou capaz de apostar que você nada mais deseja, camarada".

— "E se o senhor apostasse, ganharia pela certa", respondeu o pastor.

— "Como?" tornou o outro admirado. "Então, você nada ambiciona? nada quer?"

— "Nada".

— "Não desejaria ser rico? ser nobre? viver num palácio? morar na corte?"

— "Nada disso dá a felicidade que gozo".

— "Mas você é verdadeiramente feliz?" insistiu o mensageiro.

— "Já lhe disse: sou feliz e nada quero".

— "Então há de me fazer um favor: preciso muito da sua camisa".

— "Minha camisa?" perguntou o pastorzinho, admirado.

—  "Sim, sua camisa".

— "Ah! isso é coisa que lhe não posso dar". "Pois compro-a".

— "Também não posso vender".

— "Faça preço; e, por mais absurda que seja a quantia, nós lha pagaremos".

— "Mas se eu já lhe disse que não posso dar nem vender a minha camisa!..." falou o pastorzinho.

— "Será, então, à força...", disse o mensageiro.

E ele e os outros, atiraram-se sobre o pastor e arrancaram-lhe o paletó.

— Ah!... O homem feliz não tinha camisa, e por isso não podia vendê-la nem dá-la!...


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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025) 

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