3/02/2025

O rapaz e o passarão (Lenda indígena), por D. Mauro Wirth


 

O RAPAZ E O PASSARÃO

Um rapaz e seu irmão foram tirar penas de um filhote de passarão para emplumar flechas. Chegaram ao pé da rocha Téu-téu e derrubaram uma árvore, para servir de escada. Emendaram o pau e os dois subiram.

Um queria arrancar penas de filhote de passarão mas o outro se recusou, pois preferia penas grandes e compridas. Ficou com raiva do irmão e deixou-o a depenar o filhote de passarão. Desceu, embaixo derrubou a escada e abandonou o mano lá em cima.

O coitado chorou, mas o irmão não podia levantar a escada, pois a mesma pesava muito. Então o pobre ficou lá no alto da pedra, até que chegou a mãe do filhote.

— Que estás fazendo aqui?

— Vim tirar penas do filhote de passarão.

— Por que maltratas meu filho?

O índio ficou morando com o passarão. Passou lá cerca de um ano, casou com sua filha. Depois, tirou xiririca, mastigou-a e esfregou-a nos braços, o que fez nascerem penas. O passarão começou a ensiná-lo a voar até que ele voou, chegando à beira de uma lagoa.

O passarão, que era sogro do rapaz, pois a mulher dele era sua filha, determinou:

— Leva a tarrafa de cipó que está debaixo do cajueiro bravo e enfia a mão na boca da jiboia.

Foi ao pé do cajueiro bravo e encontrou a jibóia. Esta mostrou a língua e sibilou. O rapaz ficou com medo mas, assim mesmo, enfiou-lhe a mão na boca. Então ela virou tarrafa, ele apanhou-a para pescar.

Depois da pesca, deixou a tarrafa no seu lugar, como o sogro havia aconselhado. Assim que a tarrafa foi largada, virou cobra e o rapaz tomou o caminho da casa.

Lá chegando, o sogro mandou-o buscar água na lagoa dos mururus. Ele obedeceu e de volta comeu peixe cru. Mais tarde, o sogro mandou-o buscar beijus de farinha e beijus de tapioca em sua casa.

Quando o índio voltou à sua aldeia, todos ficaram pasmos.

— Venho aqui buscar beijus de tapioca para fumar; para o passarão, fumo é beiju...

A mãe do rapaz perguntou:

— Onde ficaste tanto tempo, meu filho? Chorei tanto por tua causa!

Ele respondeu:

— Na casa de meu sogro, o passarão.

— Não é teu sogro, pois passarão não é gente.

— Pois eu fiquei lá de verdade. Não quero beiju, quero tabaco para êle pitar.

Quando o rapaz chegou à rocha Téu-téu, o sogro foi perguntando:

— Trouxeste tabaco, beiju de tapioca, para eu pitar bastante?

Ele entregou o que trazia. Então o sogro fumou e tornou a mandá-lo à casa do pai, dizendo:

— Queres levar um anzol para pescar na volta?

A mulher dele assanhou:

— Eu quero ir também, atrás de ti!

— Ora essa! Pois vamos! Partiram e chegaram à casa da mãe dele.

Pôs-se a gritar:

— Acorda logo, mãe!

— Eu já acordei. Tu por aqui? Voltaste?

— Vim passear de novo.

— Então, entra.

— Com quem foi que vieste?

— Vim com minha mulher.

— Onde está tua mulher?

— Vai espiar a fala com ela. A mãe saiu para o terreiro.

— É esta a tua mulher? Só vejo um passarão!

Diante disso, a mulher zangou-se e voou para a casa do pai. Este ao vê-la, perguntou:

— Por quê voltaste tão cedo? Deixaste lá o marido?

Ela respondeu:

— A mãe dele insultou-me. Meu marido está chegando, a pé. O sogro esbravejou:

— Pois há de voltar, também a pé!

Dali a pouco, o índio apareceu na rocha Téu-téu e quis subir, mas não pôde. O passarão gritou-lhe lá de cima:

— Não gosto mais de ti, genro. Tu és feio. Tua mãe zangou-se com minha filha. Chamou-a de passarão... Volta já para tua casa!

Ele obedeceu, chegou à casa da mãe, pendurou a patrona no poste. Dali a pouco o irmão chegou, bêbedo, pois tinha estado em outra casa. Tirou do poste a patrona pintada e atirou-a no meio da sala, remexendo nos guardados. E riu:

— Que anzol é este? Quem pode pescar com um anzol assim?

O irmão respondeu:

— Experimenta na tua boca.

O bêbedo botou o anzol na boca e sentiu uma grande dor. Quis tirar o anzol mas não pôde, pois estava enganchado.

Então o outro, que fora abandonado na rocha Téu-téu, disse:

— Isso é para pagar o que me fizeste!

E o outro chorou por causa do anzol. Então o irmão tirou-lhe o anzol da boca, porque doía muito.

Diante disso, fizeram as pazes e o marido do passarão ficou morando na casa da mãe.

 

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Fonte:
“Lendas dos Índios Vapidiana”, por D. Mauro Wirth (1950).
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025)

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