3/18/2025

Os morangos ("Histórias da Baratinha"), por Figueiredo Pimentel



OS MORANGOS

Maria era filha de um jardineiro.

Teria seus oito anos e passava o dia a ouvir repreensão porque o pai não lhe permitia tocar nos canteiros, vedando-lhe as plantas todas: e ela, como criança, coitadinha, sentia tentações gulosas ao ver os pessegueiros vergados ao peso da fruta, já amarela, apetitosa; ao ver os cachos de uvas negras pendentes entre a folhagem de um verde claro e macio da pequena parreira, e os grupos dourados das ameixas, e as maçãs vermelhas e lustrosas.

E tinha de olhar de longe para tudo aquilo, que lhe fazia crescer água na boca, porque o pomar não era grande e o patrão conforme assegurava o jardineiro, contava até as amoras!

Assim ia vivendo Maria, resignando-se a comer unicamente a fruta abandonada por incapaz de aparecer na mesa do dono; ou por ter dado abrigo a algum bichinho, importuno; ou por ter caído ao chão, batida pelo vento, ou pela chuva, durante a noite o que fazia com que Maria não temesse e até desejasse tempestade.

* * *

Aí! foi uma manhã que Maria se ia perdendo levada pelo pecado da gula!

Andava ela pelo pomar vendo o pai colher morangos a mandado do patrão, que ali estava de pé como um polícia.

Depois ele sentara-se perto mandara vir um prato e entretinha-se a armá-los em pirâmides. Momentos após estava sozinha naquele lugar.

O amo enviara o prato para dentro; o pai fora regar umas roseiras do lado oposto.

Maria caminhou. Subiu, audaz, os dois degraus do terraço, e penetrou numa bela sala de jantar.

Ela entrara atrás dos morangos que ali estavam sobre a mesa ao alcance da mão, que lhe sorriam e que a tentavam.

Maria olhou à roda: a casa estava silenciosa. Estendeu o braço com precaução, e, delicadamente pôs a mão sobre o prato. Tirou um morango: comeu-o todo de uma vez...

Que delícia!

De novo estendeu a mão, mas sentindo um leve rumor retirou-se com precipitação.

Os morangos então, desabaram espalharam-se pela mesa e pelo chão.

Maria, trêmula, olhou para trás e viu a filha mais velha do amo. Lúcia, menina franzina, delicada como um botão de rosa.

A infeliz Maria viu-se perdida, sentiu-se corada de vergonha.

Lúcia ia falar quando entrou sua mãe, uma senhora severa.

— "Que é isso?" inquiriu ela franzindo as sobrancelhas e fixando Maria "Quem ousou tocar nos meus morangos? Tu...!"

— "Fui eu minha mãe", respondeu a vozinha doce de Lúcia. "Perdoa-me, sim?"

E fazendo uma momice graciosa, deu-lhe dois beijos nas mãos.

— "Perdoo-te mas olhas que o que fizeste não é bonito".

* * *

Por muito tempo Lúcia repartiu com Maria o seu quinhão de frutas.

Mas, agora, que ela não tem pomar nem jardim, pois que seu pai faliu e tudo entregou aos credores, é Maria quem lhe leva na estação das frutas hoje, que o velho jardineiro é possuidor de uma pequena propriedade —lindas pirâmides de morangos vermelhos como os seus lábios.


---
Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sugestão, críticas e outras coisas...