OS MORANGOS

Maria era filha de um jardineiro.
Teria seus oito anos e passava o
dia a ouvir repreensão porque o pai não lhe permitia tocar nos canteiros,
vedando-lhe as plantas todas: e ela, como criança, coitadinha, sentia tentações
gulosas ao ver os pessegueiros vergados ao peso da fruta, já amarela,
apetitosa; ao ver os cachos de uvas negras pendentes entre a folhagem de um
verde claro e macio da pequena parreira, e os grupos dourados das ameixas, e as
maçãs vermelhas e lustrosas.
E tinha de olhar de longe para tudo
aquilo, que lhe fazia crescer água na boca, porque o pomar não era grande e o
patrão conforme assegurava o jardineiro, contava até as amoras!
Assim ia vivendo Maria,
resignando-se a comer unicamente a fruta abandonada por incapaz de aparecer na
mesa do dono; ou por ter dado abrigo a algum bichinho, importuno; ou por ter
caído ao chão, batida pelo vento, ou pela chuva, durante a noite o que fazia
com que Maria não temesse e até desejasse tempestade.
* * *
Aí! foi uma manhã que Maria se ia
perdendo levada pelo pecado da gula!
Andava ela pelo pomar vendo o pai
colher morangos a mandado do patrão, que ali estava de pé como um polícia.
Depois ele sentara-se perto mandara
vir um prato e entretinha-se a armá-los em pirâmides. Momentos após estava
sozinha naquele lugar.
O amo enviara o prato para dentro;
o pai fora regar umas roseiras do lado oposto.
Maria caminhou. Subiu, audaz, os
dois degraus do terraço, e penetrou numa bela sala de jantar.
Ela entrara atrás dos morangos que
ali estavam sobre a mesa ao alcance da mão, que lhe sorriam e que a tentavam.
Maria olhou à roda: a casa estava
silenciosa. Estendeu o braço com precaução, e, delicadamente pôs a mão sobre o
prato. Tirou um morango: comeu-o todo de uma vez...
Que delícia!
De novo estendeu a mão, mas
sentindo um leve rumor retirou-se com precipitação.
Os morangos então, desabaram
espalharam-se pela mesa e pelo chão.
Maria, trêmula, olhou para trás e
viu a filha mais velha do amo. Lúcia, menina franzina, delicada como um botão
de rosa.
A infeliz Maria viu-se perdida,
sentiu-se corada de vergonha.
Lúcia ia falar quando entrou sua
mãe, uma senhora severa.
— "Que é isso?" inquiriu
ela franzindo as sobrancelhas e fixando Maria "Quem ousou tocar nos meus
morangos? Tu...!"
— "Fui eu minha mãe",
respondeu a vozinha doce de Lúcia. "Perdoa-me, sim?"
E fazendo uma momice graciosa,
deu-lhe dois beijos nas mãos.
— "Perdoo-te mas olhas que o
que fizeste não é bonito".
* * *
Por muito tempo Lúcia repartiu com
Maria o seu quinhão de frutas.
Mas, agora, que ela não tem pomar
nem jardim, pois que seu pai faliu e tudo entregou aos credores, é Maria quem
lhe leva na estação das frutas hoje, que o velho jardineiro é possuidor de uma
pequena propriedade —lindas pirâmides de morangos vermelhos como os seus
lábios.
---
Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...