3/18/2025

Santa resignação ("Histórias da Baratinha"), por Figueiredo Pimentel



SANTA RESIGNAÇÃO

Levi, o piedoso rabino, homem mais puro, o homem mais virtuoso, o mais justo, mais santo e sábio de toda a Judéia, doutrinava, num sábado, à porta do templo.

Enquanto ele ensinava a prática do bem e da virtude em casa, os seus dois filhos — rapazes fortes e vigorosos — atacados de um mal desconhecido, morriam repentinamente.

A mãe carregou os dois cadáveres deitou-os sobre a cama e cobriu-os com um lençol.

A tarde, Levi regressou a casa.

— "Mulher onde estão os nossos dois filhos que quero abençoá-los?"

— "Saíram a passeio, e não devem tardar".

Sara apresentou-lhe uma taça.

O rabino rendeu graças a Deus pelo fim do dia, bebeu, e tornou a indagar.

— "Mulher, onde estão os nossos dois filhos que quero abençoá-los?"

Sara de novo respondeu:

— "Saíram a passeio, e não devem tardar". A mulher pôs a comida na mesa, e depois que o esposo comeu, falou:

— "Mestre, desejo pedir-te um conselho. Há dias confiaram-me umas jóias em depósito, que hoje reclamam. Devo restituí-las?"

— "Como é que tu. Sara, minha esposa fazes semelhante pergunta. Como querias estar autorizada a não restituir os bens que pertencem a outrem?"

— "Não é isso, mestre, quis apenas prevenir-te, antes de restituir o depósito".

* * *

Passado algum tempo ela chamou-o ao quarto, e erguendo o sudário mostrou-lhe os filhos mortos.

— "Meus pobres filhos!... meus pobres filhos!..." exclamou Levi, soluçando.

Desviando os olhos cheios d’água, Sara, tomando a mão, disse:

— "Não me ensinaste mestre que era preciso restituir, sem murmurar, o depósito que nos foi confiado? Deus no-lo deu, Deus no-los tirou: bendito seja o nome de Deus!"

— "Bendito seja o nome de Deus!" — repetiu o rabino.


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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025)

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