Não
se sabe como, mas o fato é que, depois de 100 anos enterrado, viu-se em carne e
osso e de paletó e gravata bem no centro da Avenida Paulista, em São Paulo.
Morrera exatamente no dia 27 de fevereiro de 1892, às 23 horas e 12 minutos,
vítima, segundo obituário da época, do “Cholera-morbus”. Fora enterrado no
Cemitério da Consolação, em cuja lápide se via escrito:
“Aqui jaz
Sebastião Alves,
homem íntegro e temente a Deus”.
No tempo em que era vivo morava naquele mesmo local, numa belíssima mansão construída por obra de um famoso arquiteto italiano. Era homem de posse, um rico fazendeiro, dono de imensos cafezais na região de Ribeirão Preto, interior da Capital.
Estava
ali, terrivelmente confuso. Que havia ressuscitado não tinha nenhuma dúvida,
porém, sua hesitação consistia em saber se estava no céu, no purgatório ou no
inferno.
Inicialmente
acreditou que estava ali para purgar seus pecados. Quando vivo, era um homem
religioso, que frequentava regularmente à missa e que, vez ou outra, compadecia
dos necessitados com suas esmolas. É bem verdade que andou algumas vezes pelos
lupanares da cidade, mas naqueles idos tempos essa era uma prática tolerada e comum entre os homens sérios de família. Por isso, se não se achava digno
do paraíso, também não se via merecedor do inferno.
Em frente a um enorme
arranha-céu contemplava aquele vaivém de pessoas apressadas, que falavam
sozinhas, com estranhos objetos ao pé do ouvido; aquelas máquinas que
circulavam velozmente de um a outro lado com gente dentro; aquele barulho
estarrecedor que incomodava seus tímpanos, então imaginou que poderia está no
subterrâneo dos infernos. Para se certificar que estava de fato no hades, buscou enxergar algo que se
assemelhasse à figura do demônio, com chifres, rabos, olhos fumegantes e asas. Neste
instante um enorme objeto com asas cortava os céus da imensa Avenida, foi
quando aventou a ideia de que poderia está entre anjos em alguma parte do
paraíso.
Um turbilhão de
pensamentos desordenados aflorou sua mente perplexa, ficando ali quase que
imobilizado, sem saber o que fazer e para onde ir. Não podia conjecturar que
estava no lugar onde outrora vivera com a mulher e seus oito filhos, e onde
construiu um patrimônio que lhe rendeu títulos e méritos. Andou um pouco mais e
notou alguma coisa que lhe parecia ser familiar. Era o belo Parque Trianon, um
oásis verde bem no meio do caos de concreto de São Paulo. Ficou ainda mais
perplexo, e já não podia atinar se ali era o purgatório, se o céu ou o inferno.
Sem
falar com ninguém e se sentindo totalmente exposto ao abandono, andou mais um
pouco e, estupefato, leu numa placa azul: AVENIDA PAULISTA. Neste instante
presumiu a ideia de que poderia está realmente no lugar onde vivera e morrera,
e seu coração se alegrou sobremaneira. O que fazer? pensou. Estaria algum neto
ainda vivo? E seus bisnetos e herdeiros da sua linhagem, por onde andariam?
Logo, porém, estremeceu ao julgar, segundo certas probabilidades, que não
encontraria mais ninguém da sua família, e chorou copiosamente.
Seguiu
adiante e entrou na Rua da Consolação. Andou mais um pouco e parou em frente ao
cemitério, reconhecendo-o como o local onde havia sido sepultado, no dia 28 de
fevereiro de 1892, às 17 horas e 13 minutos. Entrou. Seu túmulo ainda estava
lá, mas sem o epitáfio. Com grande espanto estacionou em frente ao sepulcro.
Seu coração acelerou. Suas mãos tremeram. Seu corpo estremeceu, e tombou pela
segunda vez.
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Por: Iba Mendes (Fevereiro, 2015)
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