Israel e a minoria árabe
Por: Iba Mendes (2005)
O Estado de Israel é um caso específico na história da formação das nações. A transformação radical da sociedade israelense em seus 57 anos, dificilmente pode ser comparada com a evolução de qualquer outra nação organizada nos tempos modernos. Israel nasceu e se desenvolveu sob a égide de uma meta: o Sionismo, que tinha como objetivo transformar as condições de vida da comunidade judaica dispersa pelo mundo; pretendia estabelecer um Estado moderno, independente, povoado por uma maioria judia. Tal fato concretizou-se em 14 de maio de 1948, no entanto, o objetivo foi por água abaixo em consequência das mudanças políticas, sociais, culturais e demográficas que o seguiram.
O Estado de Israel é formado por
uma população multiétnica, multicultural e multirreligiosa, que tem em comum,
em termos gerais, a sensação de pertencer a uma só nação, e de ter uma história
cultural e religiosa de certa forma homogênea. Entretanto, existe uma minoria
de origem nacional que se considera diferente em termos étnicos, religiosos,
culturais e linguísticos, e por isso, sente-se discriminada, quanto à
distribuição dos recursos financeiros e poder. Esta situação torna-se ainda
mais complexa pelo fato da maioria da população viver fisicamente ameaçada e
condenada a um estado de guerra constante. Os laços étnicos, religiosos e
culturais entre a minoria - os árabes - e os poderosos países vizinhos,
perturbam ainda mais a relação maioria-minoria.
Os objetivos do movimento
sionista e do Estado de Israel estão expressos na Declaração de Independência do
Estado de Israel, divulgada em Tel Aviv, em 1948. Este documento é de
particular importância, pelo fato de que até os nossos dias, ainda que norteado
por princípios, Israel não tem propriamente uma Constituição escrita. Devido à
impossibilidade de lograr um acordo a esse respeito, o Knesset (Parlamento Israelense), renunciou a ideia de adotar uma
constituição e resolveu promulgar uma série de Leis Básicas que haveria de se
transformar em núcleos de uma futura lei fundamental. Desta forma, em consequência
disto, o Parlamento detém a supremacia do sistema legal da nação.
A Declaração da Independência não
significou uma lei positiva. No entanto, desfruta de um “status especial” no
que diz respeito aos direitos básicos dos cidadãos israelenses. É empregada
como uma espécie de guia para a interpretação das leis do Estado. A declaração
proclama, de forma inequívoca, o caráter judaico do Estado. O “Estado Judaico em Eretz Israel permanecerá
aberto para a imigração dos judeus e para a reunião dos exilados”. As
portas da nação não estão fechadas para os não-judeus, todavia, os imigrantes
judeus gozam de um privilégio todo especial, que logo foi articulado pela Lei
do Retorno e outras leis de cunho sionista, em matéria de absorção dos
imigrantes, o que incluía a cidadania automática, algo que não podia ser
oferecido aos outros povos. A mesma declaração sintetiza, em um único
parágrafo, o que se pode denominar como a filosofia política do Estado:
"O Estado de Israel promoverá o desenvolvimento do país para o bem de
todos seus habitantes. Estará baseado em princípios de liberdade, justiça e
paz, à luz dos ensinamentos dos profetas de Israel. Manterá uma completa
igualdade de direitos sociais e políticos para todos seus cidadãos, sem
distinção de credo, raça e sexo. Garantirá a liberdade de culto, consciência,
idioma, educação e cultura. Salvaguardará os lugares santos de todas as
religiões e será fiel aos princípios das Nações Unidas”.
É visível aqui o trato dado à
minoria, principalmente no que concerne aos direitos de igualdade nos diversos
setores da população. O Estado de Israel, afirma a Declaração: “por ser uma democracia, garante direitos
iguais a todos seus cidadãos sem distinção de sexo, raça e credo. Assegura o
gozo e o exercício, em condições semelhantes, os direitos humanos e liberdades
fundamentais no campo político, civil, econômico, social e cultural, conforme a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, com exceção das restrições impostas
para a manutenção da ordem política e moral”. Porém, será que Israel tem
cumprido todos os ditames dessa Declaração?
Sabe-se que Israel tem confirmado
a Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de todas as Formas de
Discriminação Racial, e a Corte Suprema do país tem invocado “a doutrina fundamental dos direitos humanos,
tal como foi formulada pela Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948
aos Pactos sobre Direitos Civis e Políticos de 1966".
A igualdade ante a lei e a
proibição da discriminação são princípios contidos em várias leis. Por exemplo,
o Artigo 42, da lei do trabalho de 1959, proíbe a discriminação “contra toda pessoa por razões de idade,
sexo, religião, grupo étnico, país de origem, ponto de vista e afiliação
partidária, e quem precisa de um trabalhador, não negará a vaga a uma pessoa
por nenhum desses motivos”. Desde 1951, rege uma Lei de Direitos Iguais
para a Mulher, e de tal forma que se criou, em 1981, a Lei de Iguais
Oportunidades no Emprego. No artigo 9 da lei sobre o Conselho de Educação
Superior, de 1958, foi promulgada uma regra que proibia a discriminação na
matrícula de alunos e na escolha do professor no que dizia respeito ao sexo,
cor, raça, religião, origem nacional e posição social. Mesmo porque o sistema
educacional, pelo menos teoricamente, almeja a “integração total sócio-nacional de diferentes comunidades étnicas”
e “tem por objetivo servir de veículo
para beneficiar a grupos menos favorecido socialmente e melhor desempenho
acadêmico de estudantes de situação financeira escassa”. Mas como isso se
dá minoria árabe?
Embora a minoria árabe esteja
separada dos israelenses, sabe-se que ela não é homogênea na sociedade em
Israel. Trata-se de uma minoria propositadamente não-assimilada com uma
permanente diferença cultural e separação social, determinadas por numerosos
ajustes institucionais, tais como a lei de comunidades religiosas autônomas,
concentração contínua de árabes em poucas regiões geo-culturais, localidades e
bairros separados, e os Departamentos de Assunto Árabes especiais. Há quem
afirme que os árabes em Israel gozam de um “status” de “separados porém iguais”
e que o objetivo da política israelense é “controlar” a minoria, não os
eliminando, mas absorvendo-os.
Teoricamente diz-se que os
direitos civis e políticos do indivíduo e os direitos culturais dos árabes em
Israel estão assegurados. Seus direitos e sua própria identidade estão
preservados. Entretanto, estão excluídos do serviço militar obrigatório, não
participam da estrutura de poder nacional, não há, por exemplo, um ministro
árabe, etc.
Não obstante a comunidade árabe,
e mesmo alguns meios de comunicação criticar o modo como Israel trata a minoria
árabe lá estabelecida, sabe-se que o nível de vida dos árabes tem aumentado
consideravelmente nos últimos tempos: tem surgido uma importante classe média e
uma nova elite. Ademais, com a ascensão do nacionalismo palestino, os árabes de
Israel tornaram-se mais ativos e militantes, o que tem gerado nos últimos tempos
uma enorme tensão entre judeus e árabes, tensão essa cuja origem diz respeito
tanto a situação política externa como as limitações institucionais e sociais
das condições prevalecentes.
As aspirações árabes de minoria
não estão claramente definidas. Obviamente, uma parte aspira a condição de
minoria nacional reconhecida, capaz de desempenhar um papel na elaboração da
política nacional e de ter voz ativa nas decisões concernentes a seus próprios
assuntos, e mais, obter uma igualdade absoluta em tudo que se relaciona com a
modernização e distribuição de recursos. Outros, entretanto, desejam maior
integração social, mesmo não pretendendo a assimilação. Em outro extremo da
gama política, há aqueles que visivelmente se opõem ao que se denomina de
“órgão sionista” e defendem a destruição do Estado de Israel.
Os árabes não desfrutam dos
projetos organizados mediante a Agência Judaica e outros organismos sionistas;
muito menos podem obter os benefícios reservados para ex-membros das forças
armadas. Várias comissões incumbidas de buscar meios para melhorar as condições
da minoria árabe têm sido estabelecidas pelos Ministérios do Interior, Educação
e Cultura, o Departamento do Primeiro Ministro e o Knesset. A política no tocante aos árabes liberalizou-se e as
situações tidas como discriminatórias tem sido reavaliadas.
Em geral, até o momento não se
fez programas específicos em favor da minoria árabe. Porém, a política de
Israel em face dessa minoria está baseada em ideias democráticas (Democracia
Étnica). Por exemplo, desenvolveu-se uma rede de educação completamente
independente para a população árabe e os serviços educacionais estão
concentrados em escolas separadas, na quais professores árabes ensinam às suas
crianças em sua própria língua materna. É o mesmo plano que norteia as escolas
judaicas.
Em relação ao ensino
universitário, uma Associação para o Desenvolvimento da Educação e Cultura Árabe,
apoiada por grupos de amigos no exterior, apresentou uma solicitação ao
Conselho Superior de Educação para que permita estabelecer uma Universidade
Árabe. A solicitação, contudo, foi rejeitada em virtude de que muito em breve
não haveria de faltar universidades no país. Porém, o Conselho tomou nota das
dificuldades existentes para estudantes árabes na transferência do colégio
secundário para a Universidade e recomendou a revisão das condições de admissão
desses estudantes. O Conselho também determinou que o número de estudantes
árabes nos programas preparatórios pré-universitários fosse consideravelmente
aumentado e que a possibilidade desses estudantes frequentarem outras
instituições de educação superior, seja devidamente examinada.
Em suma, o tratamento dado à
minoria árabe por Israel, embora criticada, e às vezes tachada de
discriminatória, não é uma questão tão simples assim. Em consequência dos
constantes conflitos com os países árabes, principalmente com os povos
palestinos, torna-se, se não impossível, pelo menos improvável uma radical
mudança nas leis referentes a essa minoria. Por exemplo, os árabes exigem maior
participação no mercado de trabalho, porém, ocorre que a maior parte das
indústrias israelenses está de algum modo ligada ao exército, de maneira que, a
depender de determinado cargo que um árabe venha ocupar nesta indústria,
haveria possibilidade de se descobrir “segredos” os quais, em posse de
fundamentalistas islâmicos, poderiam ser fatais para a nação de Israel.
CONCLUSÃO
A criação do Estado de Israel foi
o resultado de uma ação política baseada nos ideais do Sionismo, mediante a
Organização Sionista Mundial, movimento voluntário de alcance universal. A
formação de Estado Judeu reconhecido internacionalmente foi a principal
pretensão dos sionistas, porém, não foi a única. O programa sionista, que
Theodor Herzl delineara em seu livro O
Estado Judeu, incluía, além dos elementos sociais e demográficos, um
componente preponderante: a união étnica, cultural e religiosa do povo judeu.
Em suma, ao que parece, a única
aspiração sionista verdadeiramente concretizada foi a construção de um Estado
Judeu. No mais, não há unidade religiosa absoluta, e os que não são religiosos vivem sob
a égide dos ditames de pequenos partidos ortodoxos, que a cada dia tem seu pode
aumentado; não houve a grande reunião do exílio, pois a maioria dos judeus
ainda vive dispersa, e o próprio Estado depende deles financeiramente; também
não há unidade étnica, sendo a minoria árabe uma prova cabal dessa realidade, e
o maior sonho dos sionistas, a paz, parece cada vez mais distante, devido,
principalmente, a existência daqueles que, para os sionistas, eram ignorados,
ou seja, a minoria árabe. A paz, a liberdade e a unidade em Israel existem,
portanto, apenas em sonho... O sonho de Herzl continua sendo apenas um sonho: “Creio que os judeus sempre terão inimigos,
como qualquer outra nação. Mas, quando estiverem radicados em sua própria
terra, jamais poderão ser dispersos pelo mundo inteiro... O mundo se libertará
com nossa liberdade, se enriquecerá com nossa riqueza e se engrandecerá com
nossa grandeza. E aquilo que ensaiamos em benefício próprio terá efeitos
poderosos e felizes em prol de toda a Humanidade”.
---
Referências Bibliográficas:
1. Revista Rumbos - Nª 11 - Deciembre de 1984. Organização Sionista
Mundial, Jerusalém;
2.Theodor Herzl. O Estado Judeu. Consulado Geral de
Israel em São Paulo, 49ª Edição, 1997.
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