8/14/2016

Israel e a minoria árabe

Israel e a minoria árabe

Por: Iba Mendes (2005)


O Estado de Israel é um caso específico na história da formação das nações. A transformação radical da sociedade israelense em seus 57 anos, dificilmente pode ser comparada com a evolução de qualquer outra nação organizada nos tempos modernos. Israel nasceu e se desenvolveu sob a égide de uma meta: o Sionismo, que tinha como objetivo transformar as condições de vida da comunidade judaica dispersa pelo mundo; pretendia estabelecer um Estado moderno, independente, povoado por uma maioria judia. Tal fato concretizou-se em 14 de maio de 1948, no entanto, o objetivo foi por água abaixo em consequência das mudanças políticas, sociais, culturais e demográficas que o seguiram.

O Estado de Israel é formado por uma população multiétnica, multicultural e multirreligiosa, que tem em comum, em termos gerais, a sensação de pertencer a uma só nação, e de ter uma história cultural e religiosa de certa forma homogênea. Entretanto, existe uma minoria de origem nacional que se considera diferente em termos étnicos, religiosos, culturais e linguísticos, e por isso, sente-se discriminada, quanto à distribuição dos recursos financeiros e poder. Esta situação torna-se ainda mais complexa pelo fato da maioria da população viver fisicamente ameaçada e condenada a um estado de guerra constante. Os laços étnicos, religiosos e culturais entre a minoria - os árabes - e os poderosos países vizinhos, perturbam ainda mais a relação maioria-minoria.

Os objetivos do movimento sionista e do Estado de Israel estão expressos na Declaração de Independência do Estado de Israel, divulgada em Tel Aviv, em 1948. Este documento é de particular importância, pelo fato de que até os nossos dias, ainda que norteado por princípios, Israel não tem propriamente uma Constituição escrita. Devido à impossibilidade de lograr um acordo a esse respeito, o Knesset (Parlamento Israelense), renunciou a ideia de adotar uma constituição e resolveu promulgar uma série de Leis Básicas que haveria de se transformar em núcleos de uma futura lei fundamental. Desta forma, em consequência disto, o Parlamento detém a supremacia do sistema legal da nação.

A Declaração da Independência não significou uma lei positiva. No entanto, desfruta de um “status especial” no que diz respeito aos direitos básicos dos cidadãos israelenses. É empregada como uma espécie de guia para a interpretação das leis do Estado. A declaração proclama, de forma inequívoca, o caráter judaico do Estado. O “Estado Judaico em Eretz Israel permanecerá aberto para a imigração dos judeus e para a reunião dos exilados”. As portas da nação não estão fechadas para os não-judeus, todavia, os imigrantes judeus gozam de um privilégio todo especial, que logo foi articulado pela Lei do Retorno e outras leis de cunho sionista, em matéria de absorção dos imigrantes, o que incluía a cidadania automática, algo que não podia ser oferecido aos outros povos. A mesma declaração sintetiza, em um único parágrafo, o que se pode denominar como a filosofia política do Estado:

"O Estado de Israel promoverá o desenvolvimento do país para o bem de todos seus habitantes. Estará baseado em princípios de liberdade, justiça e paz, à luz dos ensinamentos dos profetas de Israel. Manterá uma completa igualdade de direitos sociais e políticos para todos seus cidadãos, sem distinção de credo, raça e sexo. Garantirá a liberdade de culto, consciência, idioma, educação e cultura. Salvaguardará os lugares santos de todas as religiões e será fiel aos princípios das Nações Unidas”.

É visível aqui o trato dado à minoria, principalmente no que concerne aos direitos de igualdade nos diversos setores da população. O Estado de Israel, afirma a Declaração: “por ser uma democracia, garante direitos iguais a todos seus cidadãos sem distinção de sexo, raça e credo. Assegura o gozo e o exercício, em condições semelhantes, os direitos humanos e liberdades fundamentais no campo político, civil, econômico, social e cultural, conforme a Declaração Universal dos Direitos Humanos, com exceção das restrições impostas para a manutenção da ordem política e moral”. Porém, será que Israel tem cumprido todos os ditames dessa Declaração?

Sabe-se que Israel tem confirmado a Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, e a Corte Suprema do país tem invocado “a doutrina fundamental dos direitos humanos, tal como foi formulada pela Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 aos Pactos sobre Direitos Civis e Políticos de 1966".

A igualdade ante a lei e a proibição da discriminação são princípios contidos em várias leis. Por exemplo, o Artigo 42, da lei do trabalho de 1959, proíbe a discriminação “contra toda pessoa por razões de idade, sexo, religião, grupo étnico, país de origem, ponto de vista e afiliação partidária, e quem precisa de um trabalhador, não negará a vaga a uma pessoa por nenhum desses motivos”. Desde 1951, rege uma Lei de Direitos Iguais para a Mulher, e de tal forma que se criou, em 1981, a Lei de Iguais Oportunidades no Emprego. No artigo 9 da lei sobre o Conselho de Educação Superior, de 1958, foi promulgada uma regra que proibia a discriminação na matrícula de alunos e na escolha do professor no que dizia respeito ao sexo, cor, raça, religião, origem nacional e posição social. Mesmo porque o sistema educacional, pelo menos teoricamente, almeja a “integração total sócio-nacional de diferentes comunidades étnicas” e “tem por objetivo servir de veículo para beneficiar a grupos menos favorecido socialmente e melhor desempenho acadêmico de estudantes de situação financeira escassa”. Mas como isso se dá minoria árabe?

Embora a minoria árabe esteja separada dos israelenses, sabe-se que ela não é homogênea na sociedade em Israel. Trata-se de uma minoria propositadamente não-assimilada com uma permanente diferença cultural e separação social, determinadas por numerosos ajustes institucionais, tais como a lei de comunidades religiosas autônomas, concentração contínua de árabes em poucas regiões geo-culturais, localidades e bairros separados, e os Departamentos de Assunto Árabes especiais. Há quem afirme que os árabes em Israel gozam de um “status” de “separados porém iguais” e que o objetivo da política israelense é “controlar” a minoria, não os eliminando, mas absorvendo-os.

Teoricamente diz-se que os direitos civis e políticos do indivíduo e os direitos culturais dos árabes em Israel estão assegurados. Seus direitos e sua própria identidade estão preservados. Entretanto, estão excluídos do serviço militar obrigatório, não participam da estrutura de poder nacional, não há, por exemplo, um ministro árabe, etc.

Não obstante a comunidade árabe, e mesmo alguns meios de comunicação criticar o modo como Israel trata a minoria árabe lá estabelecida, sabe-se que o nível de vida dos árabes tem aumentado consideravelmente nos últimos tempos: tem surgido uma importante classe média e uma nova elite. Ademais, com a ascensão do nacionalismo palestino, os árabes de Israel tornaram-se mais ativos e militantes, o que tem gerado nos últimos tempos uma enorme tensão entre judeus e árabes, tensão essa cuja origem diz respeito tanto a situação política externa como as limitações institucionais e sociais das condições prevalecentes.

As aspirações árabes de minoria não estão claramente definidas. Obviamente, uma parte aspira a condição de minoria nacional reconhecida, capaz de desempenhar um papel na elaboração da política nacional e de ter voz ativa nas decisões concernentes a seus próprios assuntos, e mais, obter uma igualdade absoluta em tudo que se relaciona com a modernização e distribuição de recursos. Outros, entretanto, desejam maior integração social, mesmo não pretendendo a assimilação. Em outro extremo da gama política, há aqueles que visivelmente se opõem ao que se denomina de “órgão sionista” e defendem a destruição do Estado de Israel.

Os árabes não desfrutam dos projetos organizados mediante a Agência Judaica e outros organismos sionistas; muito menos podem obter os benefícios reservados para ex-membros das forças armadas. Várias comissões incumbidas de buscar meios para melhorar as condições da minoria árabe têm sido estabelecidas pelos Ministérios do Interior, Educação e Cultura, o Departamento do Primeiro Ministro e o Knesset. A política no tocante aos árabes liberalizou-se e as situações tidas como discriminatórias tem sido reavaliadas.

Em geral, até o momento não se fez programas específicos em favor da minoria árabe. Porém, a política de Israel em face dessa minoria está baseada em ideias democráticas (Democracia Étnica). Por exemplo, desenvolveu-se uma rede de educação completamente independente para a população árabe e os serviços educacionais estão concentrados em escolas separadas, na quais professores árabes ensinam às suas crianças em sua própria língua materna. É o mesmo plano que norteia as escolas judaicas.

Em relação ao ensino universitário, uma Associação para o Desenvolvimento da Educação e Cultura Árabe, apoiada por grupos de amigos no exterior, apresentou uma solicitação ao Conselho Superior de Educação para que permita estabelecer uma Universidade Árabe. A solicitação, contudo, foi rejeitada em virtude de que muito em breve não haveria de faltar universidades no país. Porém, o Conselho tomou nota das dificuldades existentes para estudantes árabes na transferência do colégio secundário para a Universidade e recomendou a revisão das condições de admissão desses estudantes. O Conselho também determinou que o número de estudantes árabes nos programas preparatórios pré-universitários fosse consideravelmente aumentado e que a possibilidade desses estudantes frequentarem outras instituições de educação superior, seja devidamente examinada.

Em suma, o tratamento dado à minoria árabe por Israel, embora criticada, e às vezes tachada de discriminatória, não é uma questão tão simples assim. Em consequência dos constantes conflitos com os países árabes, principalmente com os povos palestinos, torna-se, se não impossível, pelo menos improvável uma radical mudança nas leis referentes a essa minoria. Por exemplo, os árabes exigem maior participação no mercado de trabalho, porém, ocorre que a maior parte das indústrias israelenses está de algum modo ligada ao exército, de maneira que, a depender de determinado cargo que um árabe venha ocupar nesta indústria, haveria possibilidade de se descobrir “segredos” os quais, em posse de fundamentalistas islâmicos, poderiam ser fatais para a nação de Israel.


CONCLUSÃO

A criação do Estado de Israel foi o resultado de uma ação política baseada nos ideais do Sionismo, mediante a Organização Sionista Mundial, movimento voluntário de alcance universal. A formação de Estado Judeu reconhecido internacionalmente foi a principal pretensão dos sionistas, porém, não foi a única. O programa sionista, que Theodor Herzl delineara em seu livro O Estado Judeu, incluía, além dos elementos sociais e demográficos, um componente preponderante: a união étnica, cultural e religiosa do povo judeu.

Em suma, ao que parece, a única aspiração sionista verdadeiramente concretizada foi a construção de um Estado Judeu. No mais, não há unidade religiosa absoluta, e os que não são religiosos vivem sob a égide dos ditames de pequenos partidos ortodoxos, que a cada dia tem seu pode aumentado; não houve a grande reunião do exílio, pois a maioria dos judeus ainda vive dispersa, e o próprio Estado depende deles financeiramente; também não há unidade étnica, sendo a minoria árabe uma prova cabal dessa realidade, e o maior sonho dos sionistas, a paz, parece cada vez mais distante, devido, principalmente, a existência daqueles que, para os sionistas, eram ignorados, ou seja, a minoria árabe. A paz, a liberdade e a unidade em Israel existem, portanto, apenas em sonho... O sonho de Herzl continua sendo apenas um sonho: “Creio que os judeus sempre terão inimigos, como qualquer outra nação. Mas, quando estiverem radicados em sua própria terra, jamais poderão ser dispersos pelo mundo inteiro... O mundo se libertará com nossa liberdade, se enriquecerá com nossa riqueza e se engrandecerá com nossa grandeza. E aquilo que ensaiamos em benefício próprio terá efeitos poderosos e felizes em prol de toda a Humanidade”.

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Referências Bibliográficas:
1. Revista Rumbos - Nª 11 - Deciembre de 1984. Organização Sionista Mundial, Jerusalém;

2.Theodor Herzl. O Estado Judeu. Consulado Geral de Israel em São Paulo, 49ª Edição, 1997.

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