Tradução publicada na revista
"Fon-Fon", no ano de 1942. A pesquisa, transcrição e adaptação
ortográfica é de Iba Mendes (2016)
Tchonang-Tsen, nascido em Sung, era letrado que levava sua sabedoria ao desprendimento mesmo de todas as coisas terrenas.
Uma manha,
quando errava, à aventura, pela encosta florida da montanha, viu-se, com
surpresa no meio de um cemitério, onde, segundo os costumes do país, os mortos
repousavam sob montículos de terra revolvida. O sábio meditou sobre o destino
dos homens.
— Ah! —
exclamou. — Eis aqui a encruzilhada onde terminam todos os caminhos da vida.
Quando, uma vez, se tomou lugar na morada dos mortos, já não se pode volver à
luz.
Enquanto
assim divagava seu pensamento através das tumbas, ele, de repente, se achou ao
lado de uma jovem senhora vestida de luto, quer dizer — trajando um amplo
vestido branco de fazenda ordinária e sem costura. Sentada próximo a um túmulo,
ela agitava um leque branco sobre a terra fresca de um montículo funerário.
Curioso por
conhecer os motivos de um ato tão original, Tchomang-Tsen saudou-a amavelmente
e perguntou-lhe:
—
Permite-me, senhora, perguntar-lhe que pessoa repousa tumba e por que se dá ao
exaustivo trabalho de abanar a terra que a cobre?
A dama
continuou a agitar o leque. Ruborizou-se, baixou a cabeça e murmurou algumas
palavras que o sábio não pôde ouvir. E repetiu a pergunta por várias, mas em
vão.
***
Tchonang-Tsen
afastou-se com sentimento. Achava-se inclinado a sondar móveis das ações
humanas e particularmente as das mulheres. Estas lhe inspiravam uma curiosidade
brincalhona, mas muito viva e sagaz... Prosseguiu lentamente no seu passeio,
voltando a cabeça para ver ainda o leque que agitava o ar como a asa de uma e
mariposa, quando, de súbito, uma velha a que não tinha visto, até então, lhe
fez sinal para a seguisse.
— Escutei-o
fazer uma pergunta à minha ama e à qual ela não respondeu. Mas eu satisfarei a
sua curiosidade.
Tchonang-Tsen
tirou uma moeda da carteira e a velha falou assim:
— Esta
senhora, é a senhora Lu, viúva de um letrado chamado Tao, que morreu ha quinze
dias, depois de longa enfermidade, e aquela tumba é de seu marido. Ambos
amavam-se carinhosamente. O senhor Tão não podia conformar-se em deixá-la só no
mundo na flor da idade e em pleno esplendor de beleza. Essa ideia era-lhe
intolerável. A senhora Lu chorava, à cabeceira da cama. Tomava os deuses como
testemunha para assegurar-lhe que não lhe sobreviveria.
Mas o sr.
Tão lhe disse:
— Senhora,
não faça esse juramento.
— Ao menos —
replicou ela — se estou condenada pelos gênios a continuar a viver, saiba que
não consentirei jamais em ser a mulher de qualquer outro homem e que não terei
mais que um esposo como não tenho mais que uma alma.
Mas o senhor
Tão lhe disse:
— Senhora,
não faça esse juramento.
— Oh, senhor
Tão, senhor Tão! Deixe-me ao menos jurar que durante cinco anos completos não
tornarei a casar-me.
— Senhora,
não faça esse juramento — disse o moribundo. — Jure somente que guardara fidelidade
à minha memória apenas enquanto a terra não tiver secado sobre o meu túmulo.
A senhora Lu
jurou solenemente e o bom do senhor Tão cerrou os olhos para não mais os abrir.
O desespero da senhora Lu foi superior a quanto se possa imaginar. Lágrimas
ardentes devoravam seus olhos. Com suas unhas pontiagudas lacerava suas faces
de porcelana. Mas, tudo logo estancou. Três dias depois a tristeza da senhora
Lu tornava se mais humana. Soube que um jovem discípulo do senhor Tão desejava
apresentar-lhe seus sentimentos de pesar. Julgou, com razão, que não poderia escusar-se
de recebê-lo. E recebeu-o suspirando. Esse moço era muito elegante e tinha bela
figura. Falou-lhe um pouco do senhor Tao e muito dela. Disse-lhe que era
encantadora e que muito a amava. Prometeu voltar. Esperando-o, a senhora Lu,
sentada à beira da tumba de seu marido, onde o senhor a viu, passa todo o dia a
fazer secar a terra do sepulcro com o vento de seu leque.
Quando a
velha terminou seu relato, o sábio Tchonang-Tsen pensou:
— A mocidade
é curta. Alem do mais a senhora Lu e uma pessoa honesta que não quer trair seu
juramento. É um exemplo para multas mulheres...
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