9/02/2016

"Os bons avozinhos" (Conto), Raul de Azevedo



Raul de Azevedo nasceu no dia 3 de fevereiro de 1875, em de São Luiz do Maranhão. Faleceu no Rio de Janeiro em 27 de abril de 1957:
"O autor pertence à categoria dos escritores que se podem chamar de construtores. A demolição e a irreverência não atraem sua inteligência. Assim, a evocação das grandes figuras da história e da literatura nacionais cerca-se de respeito e de carinho, na pena de Raul de Azevedo" (O Malho – Rio de Janeiro, 1938).
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Os bons avozinhos
Naquela noite de inverno, chuvosa, dum frio cortante, conversavam os noivos, lá num canto do velho salão, cheios de fantasias boas e suaves. Juntos, muito unidos no largo e fofo divã, falavam baixo, alegremente, rindo, rindo como estudantes em férias. Como fariam a sua casinha, o seu "ninho"? E ela continuava a imaginar, a sonhar...
O casamento estava marcado para daí a um mês, se tanto. E havia uma grande alegria nos noivos, ambos sempre contentes, crianças ainda. Não fossem noivos!... Ao meio do salão os bons avozinhos, ao redor da mesa pequena, de quando em quando, amorosamente, rostos iluminados, olhavam a neta, babados de gozo, satisfeitos e contentes por ela mostrar-se duma felicidade radiosa. A velha senhora, de cabanos todos brancos, prateados, coifa cor de neve, costurava o enxoval, com amor e carinho, sorrindo. E o velho avô, contemporâneo da guerra do Paraguai, setenta anos, pacientemente, sem pressa, lia o jornal, comentando-o baixo, voz velada.
Caíra silêncio pesado em todo o vasto salão. Os noivos, mesmo, já não faltavam, olhando um para o outro, cheios de desejos, falando pelos olhos, pela compressão demorada das mãos, eloquentemente mudos... A chuva continuava lá fora, grossa, tamborilando nas vidraças, agora acompanhada do vento que a varria, em lufadas, zunindo telhados acima. Os noivos esses muito aconchegados, mãos enlaçadas, esquecidos de tudo, dos avós, estavam para ali, num langor suavemente enervante... E os olhos, fitos uns nos outros, continuavam ardentes, cheios duma vida nova, prometedores...
...Estalara um beijo sonoro, todo ele carne e coração. O avô erguendo a cabeça branca, pasmo, revoltado, num desejo impetuoso de castigo, perguntou à companheira carinhosa:
— Ouviste?
E ela, a boa da avozinha, de cabelos prateados e coifa cor de neve, numa fisionomia aberta, calma e doce, resplandecente, cheia de alegrias suaves, lembrou-se, lembrou-se do seu tempo de moça — tão distante! — quando tinha ainda vinte anos em flor... Numa reminiscência que era um encanto, os olhos turvaram-se, caiu uma lágrima... E ao enfrentar o marido, numa última ardência de mocidade extinta, soluçou de vagar, maciamente, comovida, num suspiro cortante, e com uma larga saudade do passado maravilhoso que nunca mais voltaria:
— Ouvi, nós éramos assim...

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Adaprtação ortográfica, revisão gráfica e seleção: IBA MENDES
Revista "Apectos" - Ano I - Nº 3 - 30 de Novembro de 1937. Disponível digitalmente na Biblioteca Nacional Digital

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