10/08/2016

O Leproso da cidade de Aosta (Conto), de Xavier de Maistre


O Leproso da cidade de Aosta, de Xavier de Maistre

Tradução de Frederico dos Reys Coutinho, publicada originalmente no ano de 
1944,  pela antiga e extinta Editora Vecchi. A pesquisa, digitalização e atualização ortográfica é de  Iba Mendes (2016)

Ah! little think the gay licentious proud,
Whom pleasure, power, and affluence surround...
Ah! little think they, while they dance along...
How many pine?... how many drink the cup...
Of baleful grief!... how many shake
With all the fiercer tortures of the mind!

A parte meridional da cidade de Aosta é quase deserta e parece nunca ter sido muito habitada. Veem-se ali campos lavrados o campinas que de um lado terminam em antigos baluartes que os romanos ergueram para defendê-la e de outro pelas muralhas de alguns jardins. Esse sítio solitário pode, contudo, interessar os viajantes. Junto à porta da cidade veem-se as ruínas de antigo castelo, no qual, segundo a tradição popular, o conde Renato de Chalans, levado pela fúria do ciúme, deixou perecer de fome, no século XV, a princesa Maria de Bragança, sua esposa; donde o nome de Bramafan (que significa grito da fome), que os moradores da região dão a esse castelo. Essa lenda, cuja autenticidade se poderia contestar, torna tais ruínas interessantes para as pessoas sensíveis que a julgam verdadeira.
Mais adiante, a algumas centenas de passos, fica uma torre quadrada, encostada ao paredão antigo e construída com o mármore que outrora o revestia; chamam-lhe Torre do Pavor, porque durante muito tempo o povo acreditou que fosse habitada por fantasmas. As velhas mulheres da cidade de Aosta lembram-se muito bem de ter visto sair da torre, em noites escuras, uma grande mulher alva, levando na mão uma candeia.
Há cerca de quinze anos, essa torre foi consertada por ordem do governo e cercada por um muro, a fim de servir de residência a um leproso e segregá-lo assim da sociedade, proporcionando-lhe todo o conforto possível em sua triste situação. O hospital de São Maurício foi incumbido de prover sua subsistência e fornecer-lhe alguns móveis, bem como os utensílios necessários ao cultivo de um jardim. Era aí que ele vivia fazia muito tempo, entregue a si mesmo, sem ver ninguém, com exceção do sacerdote que, de vez em quando, ia levar-lhe os socorros da religião e o homem que todas as semanas lhe levava do hospital os mantimentos.
— Durante a guerra dos Alpes, no ano de 1797, um militar, encontrando-se na cidade de Aosta, passou um dia, por acaso, junto ao jardim do leproso, cuja porta estava entreaberta, e teve a curiosidade de aí penetrar. Deparou com um homem simplesmente trajado, apoiado a uma árvore e imerso em profunda meditação. Ao ruído que o oficial fez ao entrar, o solitário, sem se voltar e sem olhar, exclamou com voz triste:
— Quem está aí, e que querem comigo?
— Desculpe um estrangeiro, — respondeu o militar, — a quem o agradável aspecto de seu jardim talvez tenha feito cometer uma indiscrição, mas que não deseja absolutamente incomodá-lo.
— Não se aproxime — respondeu o habitante da torre acenando-lhe com a mão — Não se aproxime; o senhor está junto a um desgraçado vítima da lepra.
— Seja qual for sua desdita, — replicou o viajante — não me afastarei; jamais evitei os infelizes; contudo, se minha presença o importuna, estou pronto a me retirar.
— Seja bem vindo, — disse então o leproso voltando-se de repente, — e fique, caso se atreva, após me haver visto.
O militar ficou algum tempo imóvel de pasmo e de horror ao aspecto do desditoso, que a lepra desfigurara totalmente.
— De boa vontade ficarei, — disse-lhe — se aceitar a visita de um homem que o acaso conduziu aqui, mas a quem prende um forte interesse.
O LEPROSO
Interesse!... Nunca provoquei outra coisa que a piedade,

O MILITAR
 Julgar-me-ia feliz se lhe pudesse proporcionar algum conforto.

O LEPROSO
Grande conforto para mim é ver os homens, ouvir o som da voa humana, que parece evitar-me.

O MILITAR
Permita-me, então, conversar alguns momentos e percorrer sua residência.

O LEPROSO
Gostosamente, se isso lhe agradar. (Ao pronunciar essas palavras, o leproso cobriu-se com largo chapéu de feltro cujas abas caídas lhe escondiam o rosto.) Venha — acrescentou — aqui, do lado sul. Cultivo um pequeno tabuleiro de flores que lhe poderão agradar; algumas são bastante raras. Arranjei sementes de todas aquelas que crescem espontaneamente nos Alpes e procurei duplicá-las e embelezá-las pelo cultivo.

O MILITAR
De fato, aqui estão flores cujo aspecto é inteiramente novo para mim.

O LEPROSO
Repare nessa pequena touceira de rosas; é a roseira sem espinhos que medra apenas nos altos Alpes; mas já está perdendo sua peculiaridade, e os espinhos vão despontando à medida que ela é cultivada e que se reproduz.

O MILITAR
Devia ser o emblema da ingratidão.

O LEPROSO
Se achar bonitas algumas dessas flores, pode apanhá-las sem receio, porque não correrá risco algum levando-as. Semeei-as, tenho prazer de regá-las e vê-las, mas jamais as toco.

O MILITAR
Por quê?

O LEPROSO
Temeria maculá-las e não ousaria mais a oferecê-las.

O MILITAR
Para quem as reserva?

O LEPROSO
Às pessoas que me trazem mantimentos do hospital não receiam colhê-las às braçadas. Também, às vezes, as crianças da cidade apresentam-se à porta de meu jardim. Subo logo para a torre, com medo de assustá-las ou de lhes ser nocivo. Da janela vejo-as traquinar e furtar-me algumas flores. Quando se retiram, erguem os olhos para mim: "Bom dia, leproso", dizem-me rindo, e isso me alegra um pouco.

O MILITAR
O senhor soube reunir aqui muitas plantas variadas: aqui há videiras e árvores frutíferas de inúmeras espécies.

O LEPROSO
As árvores ainda são jovens: plantei-as eu próprio, bem como esta videira, que fiz subir até acima do paredão antigo que aqui está, e cuja largura representa para mim uma pequena plataforma; é meu lugar predileto... Suba ao longo dessas pedras; são uma escada cujo arquiteto fui eu. Segure-se ao paredão.

O MILITAR
Que retiro encantador! E como é adequado às meditações de um solitário.

O LEPROSO
Por isso mesmo gosto muito dele; daí avisto a campanha é os agricultores nos campos; vejo tudo o que se passa nos prados, e ninguém me vê.

O MILITAR
Admiro a extrema tranquilidade e solidão deste retiro. Estamos numa cidade, e é como se estivéssemos num deserto.

O LEPROSO
Nem sempre a solidão reside em meio às florestas e aos rochedos. O infortúnio está sozinho, seja onde for.

O MILITAR
Qual a sequência de acontecimentos que o trouxe para este sítio? É filho desta região?

O LEPROSO
Nasci à beira-mar, no principado de Oneille, e moro aqui faz apenas quinze anos. Quanto a minha história, não passa de uma longa e uniforme calamidade.

O MILITAR
Sempre viveu sozinho!

O LEPROSO
Perdi meus pais quando criança e nunca os conheci; uma irmã que me restava morreu há dois anos. Nunca possuí amigos.

O MILITAR
Desditoso!

O LEPROSO
Tais são os desígnios de Deus.

O MILITAR
Qual o seu nome, rogo-lhe?

O LEPROSO
Ah! Meu nome é terrível! Chamam-me o Leproso! O mundo ignora aquele que provém, de minha família e aquele que a religião me deu no dia de meu nascimento. Sou o Leproso, eis o único título que possuo à benevolência dos homens. Possam eles ignorar eternamente quem eu sou í

O MILITAR
Essa irmã que perdeu vivia com o senhor?

O LEPROSO
Esteve cinco anos comigo nesta mesma habitação onde me vê. Tão infeliz quanto eu, partilhava meus sofrimentos e eu procurava minorar os dela.

O MILITAR
Quais podem ser agora suas ocupações, em solidão tão profunda?

O LEPROSO
O relato das ocupações de um solitário igual a mim não poria deixar de ser muito monótono para um homem de sociedade que encontra sua ventura na atividade da vida social.

O MILITAR
Ai! O senhor pouco conhece essa sociedade que nunca me proporcionou ventura. Fico muitas vezes solitário espontaneamente, e talvez haja mais analogia entre nossas ideias do que o senhor pensa; confesso, entretanto, que uma eterna solidão me apavora; custa-me imaginá-la.

O LEPROSO
Aquele que ama sua cela aí encontrará a paz. Ensina-nos a imitação de Jesus Cristo. Começo a sentir a verdade dessas palavras confortadoras. O sentimento da solidão também se suaviza com o trabalho. O homem que trabalha nunca é inteiramente infeliz, e a prova disso sou eu. Durante o verão vivo bastante ocupado com o cultivo de meu jardim e de meu tabuleiro; durante o inverno faço cestas e esteiras; trabalho em minhas próprias roupas: todos os dias preparo eu próprio meu alimento com as provisões que me trazem do hospital, e a oração enche as horas que o trabalho me deixa. Afinal o ano passa e, depois que passa, parece-me até ter sido muito curto.

O MILITAR
Deveria parecer-me um século.

O LEPROSO
Os males e os pesares fazem as horas parecerem longas, mas os anos escoam-se sempre com a mesma rapidez. Aliás ainda existe, na extremidade derradeira do infortúnio, uma alegria que o comum dos homens não pode conhecer e que lhe parecerá muito singular: a alegria de existir e de respirar. Quando faz bom tempo, passo dias inteiros imóvel sobre este paredão, a desfrutar do ar e do esplendor da natureza; todas as minhas ideias se tornam então vagas, indecisas. A tristeza descansa em meu coração sem afligi-lo; meus olhos vagueiam pela campina e pelos rochedos que me cercam; esses diferentes aspectos estão de tal forma gravados em minha memória que fazem, para falarmos assim, parte de mim mesmo, e cada um desses sítios é um ai que revejo prazerosamente todos os dias.

O MILITAR
Muitas vezes senti qualquer coisa semelhante a isso. Quando a tristeza me acabrunha e eu não encontro no coração dos homens aquilo que o meu deseja, o espetáculo da natureza e das coisas inanimadas me conforta; afeiçoo-me aos rochedos e às árvores e parece-me que todos os seres da criação são amigos que Deus me deu.

O LEPROSO
O senhor me anima a explicar-lhe por minha vez o que se passa em mim. Amo verdadeiramente os objetos que são, para falarmos assim, meus companheiros de existência e que todos os dias revejo; por isso, todas as tardes antes de recolher-me à torre, venho saudar as geleiras de Ruitorts, os bosques escuros do monte de São Bernardo e os píncaros estranhos que dominam o vale de Rheme. Embora o poder de Deus seja tão visível na criação de uma formiga quanto na do universo inteiro, o grande espetáculo das montanhas impressiona todavia, superiormente, meus sentidos: não posso ver essas massas imensas recobertas de gelos eternos, sem sentir um assombro religioso; mas, no vasto quadro que me rodeia, tenho recantos favoritos a que dedico mais amor; entre eles está o eremitério que o senhor vê lá em cima, no alto da montanha de Charvensod. Solitário entre os bosques, junto a um campo deserto, ele recolhe os últimos raios do sol poente. Embora nunca haja estado lá, sinto um prazer singular ao vê-lo. Quando o sol descamba, sentado em meu jardim, fixo os olhos naquele eremitério solitário e minha imaginação nele descansa. Tornou-se para mim uma espécie de propriedade. Parece-me que uma reminiscência confusa diz-me que aí vivi outrora, era tempos mais felizes, cuja lembrança se apagou em mim. Gosto, principalmente, de contemplar as montanhas longínquas que se confundem no horizonte com o céu. A exemplo do futuro, a distância suscita em mim o sentimento da esperança, meu coração opresso crê existir talvez uma terra muito remota em que, numa época futura, talvez eu possa desfrutar enfim a felicidade pela qual suspiro, e que um instinto secreto incessantemente me apresenta como possível.

O MILITAR
Com uma alma ardente igual à sua, sem dúvida o senhor precisou de esforçar-se muito para conformar-se com o seu destino e para não se entregar ao desespero.

O LEPROSO
Eu o enganaria se o fizesse julgar que sempre me resignei com a minha sorte; não alcancei absolutamente a abnegação de si próprio que alguns anacoretas atingiram. Tal sacrifício completo de todos os afetos humanos ainda não se consumou; minha vida decorre em combates contínuos, e o auxílio poderoso da própria religião nem sempre é capaz de reprimir os impulsos de minha fantasia. Ela muitas vezes me arrebata involuntariamente num oceano de desejos quiméricos, que me levam todos eles para esse mundo de que não faço a menor ideia e cuja imagem caprichosa está sempre presente para me atormentar.

O MILITAR
Se eu o pudesse fazer ler em minha alma, e dar-lhe a ideia que faço do mundo, todos os seus desejos e suas penas imediatamente desapareceriam.

O LEPROSO
Em vão alguns livros me instruíram sobre a perversidade dos homens e as desgraças inseparáveis da humanidade; meu coração recusasse a acreditar neles. Imagino sempre a companhia de amigos sinceros e virtuosos; esposos que combinam, e que a saúde, a mocidade e a fortuna reunidas, cumulam de venturas. Parece-me vê-los vagando juntos entre arvoredos mais viridentes e mais frescos do que estes a cuja sombra me acolho, iluminados por um sol mais radioso do que este que me ilumina, e sua sorte parece-me tanto mais digna de inveja, quanto mais miserável a minha se vai tornando. No começo da primavera, quando o vento do Piemonte sopra em nosso vale, sinto-me penetrado por seu calor vivificante e estremeço involuntariamente. Assalta-me um desejo inexplicável e o sentimento confuso de uma felicidade imensa que eu poderia desfrutar e que me é recusada. Fujo então de minha cela, vagueio pela campina para respirar mais livremente. Procuro não ser visto por esses mesmos homens que meu coração anseia encontrar; do alto da colina, oculto entre as urzes como um animal feroz, meus olhares convergem para a cidade de Aosta. Vejo de longe, com olhos de inveja, seus felizes habitantes que mal me conhecem; estendo-lhes as mãos gemendo e peço-lhes meu quinhão de felicidade. Confessarei ao senhor que em meu arrebatamento às vezes estreito em meus braços as árvores da floresta, pedindo a Deus que as anime para mim e me dê um amigo? Mas as árvores são mudas; sua fria casca repele-me; nada possuem de comum com meu coração que palpita e se abrasa. Prostrado pela fadiga, cansado de viver, arrasto-me de volta a meu refúgio, exponho a Deus meus tormentos e a oração faz retornar um pouco de calma a minha alma.

O MILITAR
Então, pobre infeliz, sofre simultaneamente todos os males da alma e do corpo?

O LEPROSO
 Os últimos não são os mais cruéis!

O MILITAR
Então eles lhe concedem, às vezes, tréguas?

O LEPROSO
Todos os meses eles aumentam e diminuem com as fases da lua. Meus sofrimentos costumam aumentar quando ela começa a surgir; a enfermidade diminui depois e parece mudar de natureza: minha pele resseca e alveja e quase deixo de sentir meu mal; mas ele seria sempre suportável sem as insônias horrorosas que ocasiona.

O MILITAR
Como! o próprio sono o abandona!

O LEPROSO
Ah! senhor, às insônias! as insônias! não pode imaginar como é longa e triste a noite que um desgraçado passa inteiramente sem cerrar os olhos, com o espírito fixado numa situação horrorosa e num futuro sem esperança. Não! ninguém o pode compreender. Minha aflição aumenta com a noite, e quando ela está próxima de terminar, tamanha é minha agitação, que não sei mais o que acontecerá comigo: meus pensamentos embaralham-se, assalta-me um sentimento extraordinário que só encontro em mim nesses tristes momentos. Ora me parece que uma força irresistível me arrasta para um abismo sem fundo, ora vejo manchas negras diante de meus olhos; mas enquanto as examino, elas cruzam-se com a rapidez do relâmpago, aumentam aproximando-se de mim, como ondas que se intumescem e se amontoam, ameaçando devorar-me; e quando quero erguer-me para afastar essas ideias, é como se laços invisíveis prendessem-me, roubando-me as forças. O senhor achará, talvez, que são sonhos, mas não, estou bem acordado. Revejo sem cessar os mesmos objetos e isso produz uma sensação de horror que ultrapassa todos os meus outros sofrimentos.

O MILITAR     
É possível que a febre o acometa durante essas cruéis insônias e sem dúvida é ela que lhe causa essa espécie de delírio.

O LEPROSO
Acha que a febre possa ser a causadora disso? Ah! muito gostaria que assim fosse. Até agora eu receava que essas visões fossem um sintoma de loucura e confesso que muito me inquietava com isso. Queira Deus que sejam efeito da febre!

O MILITAR
O senhor me interessa muito. Confesso que nunca poderia imaginar uma situação igual à sua. Penso, entretanto, que ela devia ser menos triste quando sua irmã era viva.

O LEPROSO
Só Deus sabe o que perdi com a morte de minha irmã. — Mas não receia estar tão perto de mim? Sente-se aqui, nesta pedra; colocar-me-ei atrás da folhagem e conversaremos sem nos vermos.

O MILITAR
Mas por quê? Não, não se afastará; sente-se a meu lado. (Ao proferir essas palavras o viajante fez um movimento involuntário para segurar a mão do leproso, que a retirou com vivacidade).

O LEPROSO
Imprudente! Ia segurar minha mão!

O MILITAR
Pois eu a teria apertado de boa vontade!

O LEPROSO
Seria a primeira vez que tal felicidade me seria concedida: minha mão nunca foi apertada por ninguém.

O MILITAR
Como? A não ser essa irmã a que se referiu, o senhor nunca teve relações, nunca foi estimado por nenhum de seus semelhantes?

O LEPROSO
Felizmente para a humanidade, não tenho mais semelhantes sobre a terra.

O MILITAR
Faz-me estremecer.

O LEPROSO
Perdoe, misericordioso estrangeiro! Sabe que os infelizes gostam de falar de seus infortúnios.

O MILITAR
Fale, fale, homem interessante! Disse-me que uma irmã vivia outrora com o senhor e que o ajudava a suportar seus sofrimentos.

O LEPROSO
Era o único laço que ainda me prendia ao restante dos humanos! Aprouve a Deus parti-lo e deixar-me solitário e sozinho no mundo. Sua alma era digna do céu que a possui e seu exemplo amparava-me contra o desânimo que depois de sua morte muitas vezes me prostrara. Não vivíamos entretanto nessa intimidade deliciosa, que imagina e que deveria unir amigos desditosos. A natureza de nossa enfermidade privava-nos desse conforto. Mesmo quando nos aproximávamos para rogar a Deus, evitávamos reciprocamente fitar-nos, temerosos de que o espetáculo de nossos males perturbasse nossas meditações, e nossos olhares somente se atreviam a reunir-se no céu. Feitas, nossas orações, minha irmã retirava-se habitualmente para sua cela ou para debaixo das aveleiras que terminam o jardim, e vivíamos quase sempre separados.

O MILITAR
Mas por que impor-te tão penoso constrangimento?

O LEPROSO
Até minha irmã ser acometida pela moléstia contagiosa que vitimou toda a minha família, e vir partilhar minha solidão, nunca nos havíamos visto: seu pavor foi extremo ao ver-me pela primeira vez. O receio de afligi-la, o receio ainda maior de aumentar seu mal aproximando-me dela, forçara-me a adotar este triste gênero de vida. A lepra atacara apenas seu peito e eu ainda conservava alguma esperança de vê-la curada. O senhor está vendo esses restos de caniçada que abandonei. Isso constituía então uma cerca de lúpulo de que eu cuidava zelosamente e que dividia o jardim em duas partes. Eu fizera em ambos os lados uma pequena passagem pela qual podíamos passear e conversar juntos sem nos vermos nem nos aproximarmos de mais.

O MILITAR
Dir-se-ia que o céu se deleitava em envenenar as tristes alegrias que lhe concedia.

O LEPROSO
Mas pelo menos eu não estava sozinho; então a presença de minha irmã dava vida a este refúgio. Eu ouvia o ruído de seus passos em minha solidão. Quando eu vinha, ao alvorecer, orar a Deus debaixo destas árvores, abria-se mansamente a porta da torre, e a voz de minha irmã mesclava-se insensivelmente à minha. À tarde, quando eu regava o jardim, ela às vezes passeava ao sol poente, aqui, no lugar mesmo onde lhe falo, e eu via sua sombra passar e repassar sobre minhas flores. Mesmo quando não a via, por toda parte encontrava vestígios de sua presença. Agora não me acontece mais encontrar em meu caminho uma flor despetalada ou alguns ramos de arbustos que ela deixava cair ao passar; estou sozinho: não há mais movimento nem vida à minha volta, e a passagem que conduzia a seu bosquezinho predileto já está desaparecendo sob a relva. Sem parecer ocupar-se comigo, ela cuidava sem cessar daquilo que podia dar-me prazer. Quando eu voltava a meu quarto, surpreendia-me às vezes ao encontrar, aí vasos com flores novas, ou alguma bela fruta de que ela mesma cuidara. Não durava a prestar-lhe idênticos serviços e rogara-lhe mesmo nunca penetrar em meu quarto. Mas quem pode pôr limites ao afeto de uma irmã? Bastará um fato para dar-lhe uma ideia de sua ternura por mim. Uma noite eu andava em grandes passadas em minha cela, atormentado por dores atrozes. Havendo-me sentado um instante para descansar, ouvi um leve rumor à entrada de meu quarto. Chego-me, aguço o ouvido: avalie minha, surpresa! Era minha irmã que orava a Deus, do lado de fora, na soleira de minha porta. Ouvira meus queixumes. Sua ternura receou perturbar-me; mas acudia para estar pronta a socorrer-me, caso fosse preciso. Ouvi-a recitar em voz baixa o Miserere. Ajoelhei-me junto à porta e, sem interrompê-la, acompanhei mentalmente suas palavras, Meus olhos estavam cheios de lágrimas: quem não se comoveria com uma, afeição assim! Quando julguei terminada sua oração, disse-lhe em voz baixa: "Adeus; irmã, adeus, retira-te, sinto-me um pouco melhor. Que Deus te abençoe e te recompense por tua piedade!" Ela retirou-se em silêncio e, sem dúvida, seus rogos foram ouvidos porque dormi algumas horas de sono tranquilo.

O MILITAR
Como devem ter-lhe parecido tristes os primeiros dias que seguiram à morte dessa irmã querida!

O LEPROSO    .
Fiquei muito tempo numa espécie de estupor que me privava da faculdade de sentir toda a extensão de meu infortúnio; quando, finalmente, tornei a mim, e fiquei em condições de avaliar minha situação, quase enlouqueci. Essa época será sempre, duplamente triste para mim: faz-me lembrar o maior de meus infortúnios e o crime que quase foi sua consequência.

O MILITAR
Um crime! Não posso julgá-lo capaz disso.

O LEPROSO
É a simples verdade, e sinto perfeitamente que muito perderei de sua estima ao narrar-lhe essa época de minha vida; mas não quero fazer-me melhor do que sou e talvez o senhor me lastime ao condenar-me. Já, em alguns acessos de melancolia, se me havia apresentado a ideia de abandonar voluntariamente a vida, contudo, o temor de Deus, sempre fizera com que eu a repelisse, quando a circunstância mais singela e menos própria na aparência para me perturbar quase me perdeu eternamente. Eu acabava de passar por um novo desgosto. Havia alguns anos que um cãozinho se dedicara a nós; minha irmã o amara e confesso-lhe que depois de sua morte o pobre animal era um verdadeiro conforto para mim.

Devíamos sem dúvida à sua fealdade a escolha que ele fizera de nossa habitação para seu refúgio. Fora escorraçado por todos, mas era ainda um tesouro para a casa do Leproso. Em reconhecimento à graça que Deus nos concedera ao nos dar esse amigo, minha irmã chamara-o de Milagre; e seu nome, que contrastava com sua fealdade, bem como sua alegria contínua, muitas vezes distraíra-nos de nossos pesares. Apesar do cuidado que eu tinha, ele às vezes fugia, e eu nunca pensara que isso pudesse ser prejudicial a ninguém. Alguns Habitantes da cidade, contudo, alarmaram-se com tal fato, julgando que ele pudesse transmitir o germe de minha enfermidade, resolveram queixar-se ao comandante, que ordenou que meu cão fosse morto imediatamente. Soldados, acompanhados de alguns habitantes, logo vieram à minha casa para executar essa ordem cruel. Passaram-lhe uma corda no pescoço, em minha presença, e arrastaram-no. Quando ele chegou à entrada do jardim, não pude deixar de olhá-lo uma última vez: vi-o volver os olhos para mim, pedindo-me um socorro que eu não lhe podia dar. Queriam afogá-lo no Doire; mas a populaça, que o esperava do lado de fora, abateu-o a pedradas. Ouvi seus gritos e voltei para minha torre mais morto que vivo. Meus joelhos trêmulos não me podiam sustentar: atirei-me na cama num estado impossível de descrever. Minha dor não me permitiu ver, naquela ordem justa, mas severa, outra coisa que uma barbaridade tão atroz quanto inútil. Embora me envergonhe hoje do sentimento que então me animava, ainda não posso pensar nisso serenamente. Passei o dia todo na maior agitação. Era o último ser vivo que acabavam de arrancar de junto a mim, e esse novo golpe reabriria todas as chagas de meu coração.

Era essa a minha situação, quando no mesmo dia, ao poente, vim sentar-me aqui, nessa pedra em que o senhor agora está sentado. Aí estava refletindo, havia algum tempo, sobre minha triste sorte, quando lá longe, próximo às duas bétulas que terminam a cerca, vi surgirem dois jovens recém-casados. Eles caminharam ao longo da vereda, através do prado, e passaram próximo a mim. Em suas belas fisionomias estava estampada a calma deliciosa que uma felicidade certa inspira; caminhavam lentamente; seus braços estavam entrelaçados, de súbito os vi parar: a jovem inclinou a cabeça sobre o peito do esposo que a estreitou nos braços arrebatadamente. Senti meu coração apertar-se. Confesso-lhe que a inveja se esgueirou em meu coração pela primeira vez: nunca a imagem da felicidade se me apresentara com tanta força. Acompanhei-os com os olhos até a extremidade do prado, e ia perdê-los de vista entre as árvores, quando gritos de satisfação me ferraram o ouvido: eram suas famílias reunidas que lhes iam ao encontro. Anciãos, mulheres, crianças, rodeavam-nos; eu ouvia o murmúrio confuso da alegria; via entre as árvores as cores brilhantes de suas vestes, e todo aquele grupo parecia cercado de uma nuvem de felicidade. Não pude suportar tal espetáculo: os tormentos do inferno haviam penetrado em meu coração; afastei os olhos e corri para minha cela. Deus! como me pareceu deserta, escura, medonha! "Então é aqui, pensei, que minha residência está fixada para sempre; então é aqui que eu, arrastando uma vida lamentável, aguardarei o fim tardio de meus dias! O Eterno espalhou a felicidade, espalhou-a em torrentes sobre tudo o que respira; e eu, só eu! sem ajuda, sem amigos, sem companhia!... Que destino horroroso!"

Dominado por esses tristes pensamentos, esqueci que existe um ser reconfortador, esqueci a mim próprio. Por que, dizia comigo, me concederam a luz? Por que só para mim a natureza é injusta e madrasta? Semelhante ao filho deserdado, tenho debaixo dos olhos o rico patrimônio da família humana, e o céu avaro recusa-me o meu quinhão. Não, não, exclamei por fim num assomo de cólera, não podes esperar absolutamente felicidade sobre a terra; morre, desditoso, morre! Já maculaste por demais a terra com tua presença; que ela te devore vivo e não deixe subsistir vestígio algum de tua odiosa existência! Meu furor insensato aumentava progressivamente e dominou-me o desejo de autodestruição, absorvendo todos os meus pensamentos. Concebi, por fim, a resolução de incendiar minha morada e deixar-me consumir com tudo que pudesse deixar qualquer recordação minha. Agitado, enfurecido, saí para o campo; vaguei algum tempo na sombra em volta de minha habitação; de meu peito opresso escapavam-se urros involuntários, que a mim próprio assustavam no silêncio da noite. Voltei para casa extremamente enraivecido, gritando: "Desgraça sobre ti, Leproso! Desgraça sobre ti!" E como se tudo devesse contribuir para minha perda, ouvi o eco que entre as ruínas do castelo de Bramafan repetiu distintamente: "Desgraça sobre ti!" Estaquei, transido de pavor, à porta da torre, e o débil eco da montanha repetiu muito tempo depois: "Desgraça sobre ti!"

Apanhei uma candeia e, disposto a incendiar a habitação, desci ao quarto mais baixo, levando comigo sarmentos e galhos secos. Era o quarto que minha irmã ocupara. E desde sua morte eu aí não entrara: sua poltrona ainda estava colocada como por ocasião de última vez em que eu daí a retirara; senti um arrepio de pavor ao ver seu véu e alguns de seus trajes espalhados pelo quarto: as últimas palavras que ela pronunciara antes de sair dele acudiram-me ao pensamento:: "Não te abandonarei com minha morte, dizia-me, lembra-te que estarei presente em tuas agonias". Ao colocar a candeia sobre a mesa, avistei o cordão do crucifixo que ela usava ao pescoço e que ela própria colocara entre duas páginas de sua Bíblia. Vendo isso, recuei tomado de santo horror. A profundeza do abismo em que eu me ia precipitar apresentou-se-me de súbito aos olhos abertos; aproximei-me, tremendo, do livro sagrado: "Aqui está, aqui está, exclamei, o socorro que ela me prometeu!" E como eu retirasse do livro o crucifixo, encontrei um escrito lacrado, que minha boa irmã aí deixara para mim. Minhas lágrimas, contidas até então pela dor, escaparam-se copiosas: todos os meus funestos projetos desapareceram imediatamente. Apertei por longo tempo a preciosa carta sobre o coração antes de poder lê-la; e, prostrando-me genuflexo para implorar a misericórdia divina, abri-a e li soluçando estas palavras que estão eternamente gravadas em meu coração: "Meu irmão, breve deixar-te-ei; não te abandonarei, contudo. Do céu, para onde espero ir, velarei por ti; rogarei a Deus que te conceda coragem para suportar a vida resignadamente, até que lhe apraza reunir-nos noutro mundo; poderei mostrar-te, então, todo o meu afeto; nada mais me impedirá de me aproximar de ti e nada nos poderá separar. Deixo-te o pequeno crucifixo que andou comigo toda a minha vida. Muitas vezes ele me consolou em minhas aflições, e minhas lágrimas nunca tiveram outra testemunha. Lembra-te, quando o vires, que meu último desejo foi o de que pudesses viver ou morrer como 'bom cristão." Carta querida! nunca a deixarei: levá-la-ei comigo para a sepultura, será ela que me abrirá as portas do céu que meu crime devia cerrar-me para sempre. Ao concluir sua leitura, senti-me desfalecer, exausto por tudo aquilo que acabara de passar. Vi uma nuvem ensombrar-me a visão e durante algum tempo perdi tanto a lembrança de meus males quanto a noção de minha existência. Quando retornei a mim, a noite ia adiantada. À medida quê minhas ideias se tornavam lúcidas, invadia-me uma sensação de paz indefinível. Tudo o que se passara durante a noite parecia-me um sonho. Meu primeiro impulso foi erguer os olhos para o céu a fim de agradecer-lhe o haver-me preservado da maior entre as desgraças. Nunca o firmamento me parecera tão sereno e tão belo; em frente à minha janela cintilava uma estrela; contemplei-a demoradamente com inexprimível prazer, agradecendo a Deus por ainda me conceder a alegria de vê-la, e senti um conforto secreto ao pensar que um de seus raios, apesar de tudo, era destinado à triste cela do Leproso.

Subi para meu aposento mais tranquilo. Levei o resto da noite a ler o livro de Jó, e o santo entusiasmo de que ele penetrou minha alma acabou de dissipar inteiramente as negras ideias que me haviam obsedado. Em vida de minha irmã eu jamais atravessara momentos assim horrorosos. Bastava-me pensar na afeição que ela me dedicava para sentir-me apaziguado e animado.

Misericordioso estrangeiro! Deus sempre o preserve de ser obrigado a viver sozinho. Minha irmã, minha companheira não mais existe, mas o céu há de me conceder forças para suportar corajosamente a vida; há de conceder-mas, espero, porque eu o peço com toda a sinceridade de meu coração.

O MILITAR
Que idade tinha sua irmã, quando a perdeu?

O LEPROSO
Contava apenas vinte e cinco anos; mas seus sofrimentos faziam-na parecer mais velha. Apesar da moléstia que a levou e que alterara suas feições, ela ainda seria bela, não fora uma palidez pavorosa que a desfigurava; era a imagem viva da morte, e eu não podia vê-la sem gemer.

O MILITAR
O senhor perdeu-a muito moça.

O LEPROSO
Sua constituição frágil e delicada não podia resistir a tantos males reunidos; eu já vinha percebendo que sua perda era inevitável e tão triste era sua sorte que eu me via forçado a desejá-la. Ao vê-la deperecer e consumir-se dia a dia, observava eu com alegria funesta que o fim de seus sofrimentos se aproximava. Um mês antes, sua fraqueza já havia aumentado; desmaios frequentes ameaçavam sua vida todas as horas. Uma tarde (foi em começos de agosto) achei-a tão prostrada que não a quis deixar; ela estava em sua poltrona, porque não podia mais suportar o leito havia alguns dias. Sentei-me a seu lado e, na escuridão mais profunda, tivemos nossa última conversação. Minhas lágrimas não podiam estancar. Agitava-me um pressentimento cruel. "Por que choras? dizia-me ela, por que te afliges tanto? Não te deixarei com a morte, e estarei presente em tuas agonias." Alguns instantes depois, manifestou o desejo de ser transportada para fora da torre e fazer suas orações em seu bosquezinho de aveleiras. Era aí que ela passava a maior parte do verão. "Quero, dizia, morrer fitando o céu." Eu não julgava, entretanto, tão próxima assim sua hora. Tomei-a nos braços para levantá-la. "Ampara-me apenas, disse-me, talvez ainda eu tenha forças para andar." Levei-a lentamente até as aveleiras; fiz-lhe uma almofada com folhas secas que ela própria aí amontoara, e depois de cobri-la com um véu, a fim de defendê-la da umidade da noite, instalei-me a seu lado, porém ela quis ficar sozinha em sua derradeira meditação: afastei-me sem perdê-la de vista. Via seu véu erguer-se de vez em quando e suas alvas mãos alçarem-se para o céu. Como me aproximasse do bosquezinho, ela pediu-me água: trouxe-lha em seu copo; ela umedeceu os lábios, mas não pôde beber. "Sinto meu fim, disse, desviando a cabeça; breve minha sede estará saciada para sempre. Ampara-me, recita a oração dos agonizantes". Foram as últimas palavras que me dirigiu. Apoiei sua cabeça ao meu peito; recitei a oração dos agonizantes: "Passa à eternidade! disse-lhe, irmã querida, liberta-te da vida; deixa estes despojos entre meus braços!" Amparei-a assim durante três horas na derradeira luta da natureza; ela extinguiu-se, por fim, mansamente e sua alma desprendeu-se da terra sem esforço.

O Leproso, ao concluir sua narrativa, cobriu o rosto com as mãos; o pesar impedia o viajante de falar. Após um instante de silêncio, o Leproso levantou-se.
— Estrangeiro, — disse — quando a tristeza ou desânimo o ameaçarem, pense no solitário da cidade de Aosta; a visita que lhe fez não terá sido inútil.
Caminharam juntos para a porta do jardim. Quando o militar se dispunha a sair, calçou a luva da mão direita: — conceda-me o favor de apertar a minha: é a de um amigo que muito se interessa por sua sorte.
O Leproso recuou alguns passos, tomado de uma espécie de medo, e erguendo os olhos e as mãos para o céu:
— Deus de bondade, — exclamou — enche de bênçãos este homem misericordioso.
— Conceda-me então outra graça, — disse o viajante. — Vou partir; talvez levemos muito tempo sem nos tornar a ver: não poderíamos com as necessárias precauções, corresponder-nos de vez em quando? uma relação assim poderia distraí-lo e daria muito prazer a mim próprio.
— Por quê — disse afinal — procurarei iludir-me? Não devo possuir outra companhia que eu próprio, outro amigo que Deus; tornaremos a nos encontrar nele. Adeus, piedoso estrangeiro, seja feliz... Adeus para sempre!
O viajante saiu. O Leproso fechou a porta e correu os ferrolhos.

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Fonte:
"Os mais belos contos franceses dos mais famosos autores". Tradutores: Marina Guaspari, Frederico Dos Reys Coutinho, Édison Carneiro e Gilberto Galvão. Editora Vecchi. Rio de Janeiro, 1944.

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