A Fronteira
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Noite alta e morna: o rio rolava vagarosamente as suas grandes águas, e a veneranda seiva, de troncos virgens, enchia a solidão com o seu murmúrio solene, quando chegou ao povoado um cavaleiro. O animal, que ele cavalgava, humilde e arquejante, denunciava um longo e desabrido galope: e a pressa com que saltou da cela à porta da primeira cabana, fechada e silenciosa, fazia suspeitar que algum acontecimento grave o levava a empreender tão arriscada viagem, através da floresta percorrida pelos animais bravios.
Bateu com força e, como não lhe respondessem,
bateu de novo: falaram. — Abre! — bradou imperativamente. Logo rangeu o
ferrolho, e num raio de luz apareceu no limiar da porta a valida figura de um
sertanejo trazendo apenas sobre o corpo uma camisola ampla que lhe chegava aos
pés.
— As nossas terras vão ser tomadas: — disse
o recém-chegado, antes mesmo de saudar o sertanejo. — Vim por essas matas a
todo galope para ver se ainda chegava a tempo de prevenir-vos.
— Vão ser tomadas! — exclamou o outro,
pasmado.
— Sim. Estrangeiros efetuaram um desembarque
e vêm pela floresta, armados.
— E então? Que havemos de fazer?
— Armemo-nos.
— Quantos são eles?
— Não sei: o número pouco importa, o
necessário é que nos defendamos.
— E se eles forem muito superiores em número?
— Não importa. Se eu aqui vivesse isolado,
da porta da minha cabana faria fogo sobre os invasores até cair atravessado por
uma bala. Somos ao todo vinte e três homens, eles são talvez duzentos... mas
vamos! Arma-te e vem: acorda tua mulher e teu filho, eu vou prevenir os mais.
O sertanejo esteve algum tempo
hesitante. O murmúrio da floresta crescia com o vento, dando, por vezes, a
ilusão de tambores rufados, ao longe.
— Eles aí vêm...
— Eles aí vêm: não há tempo a perder! Se
morrermos, todos os nossos corpos ficarão marcando a fronteira da Pátria. Pelas
nossas ossadas e pelas cinzas das nossas cabanas, os que vierem mais tarde
conhecerão o limite do Brasil. Vamos! Falta-nos uma bandeira; temos, porém, o
céu, o grande céu; e o choro assustado de nossos filhos excita-nos mais do que
os clarins de guerra. Vamos!
— Vamos! — bradou o sertanejo, correndo
a buscar a sua arma de caça.
Quando luziu a madrugada formosa, todos
os homens do povoado estavam de pé, de arma em punho, entrincheirados,
esperando o invasor.
As mulheres intrépidas, que não haviam
querido deixar os maridos, apertavam ao colo os filhos que dormiam, e todos os
olhos estavam cravados no caminho onde deviam aparecer os estrangeiros.
Era quase meio dia, o sol abrasava,
quando os primeiros soldados surgiram tranquilamente, pisando com orgulho a
terra que julgavam abandonada: à frente caminhava o oficial garboso, fazendo
brilhar ao sol a espada nua. Mas um grito atroou: — “Viva o Brasil!” — e logo
uma descarga retumbou no silêncio. Os invasores, surpreendidos, recuaram: eram
em número muito superior ao dos que defendiam a terra natal, posto que cinco
deles já escabujassem no solo alcançados pelas balas certeiras dos sertanejos.
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