A partilha
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
Cantava, e as lágrimas rolavam-lhe em dois fios ao longo da face magra e pálida. Sofria, mas, como era preciso que o pequenino adormecesse, cantava, indo e vindo, devagar, embalando nos braços a criança. O mais velho — três anos — olhava-a risonho e, de quando em quando, cantarolava: “Estou com fome, mamãe! Estou com fome...”
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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E o pequenito, insone, muito esperto, a
boquinha colada ao peito, sugava. “Estou com fome, mamãe...”: cantarolava o
outro.
Ia alta a manhã; mas, se o sol alegrava
o quintalejo, que tristeza em casa! Viúva, tísica, desfigurada pela moléstia e
pela fome, tímida demais para pedir esmolas, que havia de fazer a desgraçada:
“Estou com fome, mamãe”: cantarolava o mais velho.
— Espera, filho! Espera!
Como o pequenino adormecesse, a mãe foi
pé ante pé, e deitou-o sobre um fofo colchão de panos, a um canto da casa: e o
mais velho, seguindo-a, cantarolava sempre:
“Estou com fome, mamãe...”
— Não faças bulha, filho: espera. E,
acenando-lhe, passou à cozinha. Mas que havia de fazer?
Ardia a derradeira acha: e a mãe, os
olhos rasos d’água, pôs-se a soprar a lenha para atear o lume, enquanto o
filho, que se lhe agarrava às saias, cantarolava: “Minha mãezinha... estou com
fome”— mas já contente, vendo que a chaleirinha fumegava. À mesa, porém, quando
a mãe lhe apresentou a tigela e o pedacinho de pão da véspera, o pequeno
fitou-a com espanto:
— Só café, mamãe?
— Só, meu filho...
O pequeno, levando a colher à boca, foi
repelindo a tigela, com um beicinho, prestes a chorar.
— Não chores: olha que vais a acordar o
maninho! Espera!
E, desabotoando o corpinho, tirou o seio
farto, pojado de leite e espremeu-o, trincando os lábios descorados por onde as
lágrimas corriam fio a fio, e, entregando a tigela ao filho:
— Toma, e não faças bulha!
E o pequeno, arregalando os olhos,
satisfeito: “Agora sim!” pôs-se a cantarolar.
Baixinho, então, a mãe lhe disse: — E
não peças mais, ouviste? o outro é para o maninho. — E foi, pé ante pé, espiar
o filho que dormia.
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