Estrelas e nuvens
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Vou contar um romancinho de amores, — amores singelos, amores de aldeia.
É tão simples a nossa história, como a verdade que encerra; tão natural, como um sorriso de gentil criança; tão cândida, como a pombinha do deserto.
Ouvi-a, por uma noite de julho, sentado à margem de saudoso regato.
Foi uma hora solene: um momento augusto e santo!
A brisa, de envolta com o perfume da noite, foi segredá-la às florinhas do vergel, e estas enviaram-na ao céu.
Na terra repercutiu-se o coro dos anjos, lamentando a desditosa sorte de seus adorados irmãos.
Por um momento, eclipsou-se o brilho das estrelas; deixou de refletir-se a lua no seu espelho de prata.
As avezinhas não tiveram gorjeios; cessou a viração no seu curso veloz.
Silêncio sepulcral! sublime idílio! majestoso quadro!
Falta-nos o pincel de Corregio; não possuímos os tesouros de Petrarca, nem tão pouco a eloquência de Demóstenes.
E é pena, na verdade!...
Cada apostolo tem a sua missão a cumprir sobre a terra.
Sublimar a desventura, prantear a miséria do mundo: — nada mais grandioso, e tão sinceramente edificante!
É uma evangelização despretensiosa e nobre.
Choremos, corações ternos; choremos e choremos muito; não tenhamos pejo de assim fazer.
Levantemos os olhos ao céu; e, com a fronte descoberta, ouçamos a fúnebre narrativa de dois mancebos desventurados!...
Quem não conheceu Maria, a flor das lavadeiras?
Quem não repararia naquele formoso querubim, que, ao sol posto, ia todo engrinaldado de rosas e lírios, encher o seu cantarozinho de barro à fonte da terra?...
Oh!... decerto ninguém poderia esquecer tão prontamente a linda morena, o anjo bendito?!...
Não sabe, leitor amigo, não se lembra já daquela casinha térrea, silenciosamente circundada de festões e madressilvas, que existe em Cintra, lá para as bandas do Castelo?...
Pois olhe, aí mesmo nasceu aquela rolinha; lá, coitadinha! desferiu aos ecos a inocente lenda de seus amores; e, por fim, lá agonizou também, sem que ninguém desse por ela, nem tão pouco imaginasse socorrê-la.
Pobre desgraçada!...
E não saber eu mais cedo a sua história!...
O prazer, como tudo o que é efêmero, tem seus encantos: as lágrimas também os têm.
Maria, mui prazenteira e jovial, vira um dia Gregório, que a esperava, junto da fonte, sempre à mesma hora: de súbito, anuviou-se aquele rosto, profundamente celestial e gentil; contraíram-se-lhe os músculos da face.
O amor havia penetrado em sua alma!
Desde esse momento nunca mais se tornou a divisar um raio de esperança e consolação naquele horizonte, outrora tão límpido e sereno.
E Gregório, o pobre lavrador, lá se foi triste e pensativo, caminho da aldeia, sem outra ideia que não fosse Maria, sem outro cismar que não fosse a felicidade.
E tinha razão!...
Era jovem! Tinha aspirações!...
Assim decorreram dois anos, — dois anos, cheios de muita esperança, e entrecortados por aflitivos suspiros!...
Gregório era tão ambicioso!...
O amor é muitas vezes caprichoso e louco!...
E quem o havia de imaginar?!...
Gregório queria ser rico; queria ver a sua amada, reclinada num trono de esmeraldas!...
Entre as flores queria vê-la rainha! entre os anjos serafim! entre as mulheres majestade!
E com esta ideia, e com o demônio da ambição, lá se foi ele a longes terras, em cata de grandes haveres!
E a pobre Maria ficou só, sozinha com as suas lágrimas!...
Ao menos... tinha esperança!...
Ai! como é triste e pavorosa a ausência daqueles que amamos!...
Pobre Maria!...
Que saudades se lhe não avivaram na mente enlouquecida!...
Gregório tinha partido, havia dez anos, sem dar notícias suas!...
Teria naufragado o triste Gregório?...
Porém não, não era possível!
Maria queria torná-lo a ver junto de si.
Uma Virgem não abandona a súplica de outra virgem!
Mas, apesar de tudo isso, a rosa ia emurchecendo a olhos vistos.
De dia para dia se desfolhava uma pétala, secava uma folha, até que, por fim, caiu de todo a haste, vergada apenas pela branda viração do crepúsculo!
O resto... levou-o o vento!...
Eram passados três mesas.
Quem observasse atentamente aquela pousada, onde estivera aninhada, por tantos anos, a terna andorinha, deveria reconhecê-la desguarnecida, e quase em ruínas.
Um vulto, trajado de preto, percorria aqueles restos sem cessar.
Era Gregório, o pobre lavrador, que havia voltado rico, com o único fim de tornar Maria venturosa sobre a terra.
Chegara, porém, tarde o maná do Senhor!...
Um mês, mais tarde, ao lado do túmulo de Maria existia outro, igualmente modesto e lúgubre.
Gregório, tomado de incurável loucura, depois de haver arrojado toda a sua fortuna a um abismo, por ele cavado, para que ninguém mais a pudesse descobrir e gozar, foi por si mesmo procurar naquele precipício uma morte desastrosa e terrível!
O mais... só Deus o sabe!...
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