10/25/2017

A menina bem criada (Conto), de Bento Serrano


As fadas ou A menina bem criada 

Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Era uma vez uma viúva, que tinha duas filhas; a mais velha parecia-se tanto no gênio e na cara com a mãe, que quem via uma, via a outra. Ambas eram tão orgulhosas e tão desagradáveis, que se não podia viver com elas. A mais moça, que era o retrato de seu pai, pela bondade, era ao mesmo tempo uma das mais lindas raparigas que se podiam ver. Como naturalmente se ama o seu semelhante, esta mãe era doida por sua filha mais velha, e ao mesmo tempo tinha uma forte aversão para a mais nova, que mandava comer na cozinha, e trabalhar continuamente.
Entre outras coisas era preciso que esta menina fosse duas vezes por dia buscar, a uma meia légua grande de sua casa, um grande cântaro cheio de água. Um dia, que a infeliz criança estava nesta fonte, chegou-se a ela uma pobre mulher, e lhe pediu que a deixasse beber. — Pois não! minha senhora, disse esta bela menina; e dizendo estas palavras, tomou água no melhor sítio da fonte, e lha apresentou, sustendo o seu cântaro, para que ela pudesse beber mais facilmente. A boa mulher, tendo bebido, lhe disse: — A menina é tão bonita, tão boa, é tão bem criada, que não posso deixar de lhe fazer um dom. (Era uma Fada, que tinha tomado figura de uma pobre aldeã, para ver até onde iria a boa educação desta menina.) Eu dou-lhe por dom, continuou a fada, que a cada palavra que disser, sair-lhe-á da boca uma flor e uma pedra preciosa. Quando esta boa menina chegou a casa, a mãe ralhou-lhe por haver tardado tanto tempo. — Perdoe-me, minha mãe, por ter tardado. E dizendo estas palavras, deitou pela boca duas rosas, duas pérolas, e três bons diamantes. — Que é isto? disse a mãe, admirada. Quem te deu isto, minha filha? (Era a primeira vez que a tratava por sua filha.) A pobre menina contou-lhe tudo o que lhe tinha acontecido, não sem deitar pela boca uma infinidade de diamantes. — Realmente, disse a mãe, vou mandar lá tua irmã. Vem cá, Mariquinhas, vem ver o que sai da boca de tua irmã quando ela fala; queres tu ter o mesmo dom? Vai buscar água à fonte, e quando uma pobre mulher te pedir de beber, dá-lha com muita civilidade. — Pois não! respondeu a malcriada; eu ir à fonte! — Quero que lá vás, disse a mãe, e já. Maria foi, mas resmungando. Pegou no mais bonito jarro de prata que havia na casa, e chegou à fonte. Viu logo sair da floresta uma dama magnificamente vestida, que lhe pediu água para beber. Era a mesma Fada que tinha aparecido a sua irmã, mas que tinha tomado a figura e os vestidos de uma princesa, para ver até onde iria a má criação desta rapariga. Porventura eu vim cá para lhe dar de beber? disse a malcriada orgulhosa. Era o que me faltava trazer eu um jarro de prata para dar de beber à senhora: ora beba na fonte, se quiser. — Sois bem pouco política! replicou a Fada, sem se encolerizar. Pois bem, já que é tão malcriada dou-lhe por dom, que a cada palavra que disser, sair-lhe-á da boca uma serpente e um sapo. Voltou a casa, e sua mãe gritou: — Minha filha! minha filha! então que há? — Nada, minha mãe! respondeu ela, deitando pela boca duas serpentes e um sapo. — Oh céus! exclamou a mãe; que vejo! É tua irmã que tem a culpa; há de pagar-mo. E dizendo estas palavras, correu a ela para lhe bater.
A pobre menina fugiu para a floresta vizinha. O filho do rei, que voltava da caça, encontrou-a, e vendo-a tão linda, perguntou-lhe o que ela fazia ali sozinha, e porque chorava! — Oh! meu senhor, é porque minha mãe pôs-me fora de casa. O filho do rei, que viu sair-lhe da boca seis pérolas e seis diamantes, pediu-lhe que lhe dissesse de onde isto vinha. Ela contou toda a sua história. O filho do rei ficou namorado dela; e considerando que um tal dom valia mais que tudo o que se podia dar em dote a uma princesa, levou-a para o palácio de el-rei seu pai, onde casou com ela. Sua irmã fez-se aborrecer tanto, que sua própria mãe a pôs fora de casa; e esta desgraçada, depois de ter corrido bastante sem achar ninguém que quisesse recolhê-la, morreu no meio de um bosque.

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