Lisetta
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
Quando Lisetta subiu no bonde (o
condutor ajudou) viu logo o urso. Felpudo, felpudo. E amarelo. Tão
engraçadinho.
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Dona Mariana sentou-se, colocou a
filha em pé diante dela.
Lisetta começou a namorar o bicho. Pôs
o pirulito de abacaxi na boca. Pôs mas não chupou. Olhava o urso. O urso não
ligava. Seus olhinhos de vidro não diziam absolutamente nada. No colo da menina
de pulseira de ouro e meias de seda parecia um urso importante e feliz.
— Olha o ursinho que lindo, mamãe!
— Stai zitta!
A menina rica viu o enlevo e a inveja
da Lisetta. E deu de brincar com o urso. Mexeu-lhe com o toquinho do rabo: e a
cabeça do bicho virou para a esquerda, depois para a direita, olhou para cima,
depois para baixo. Lisetta acompanhava a manobra. Sorrindo fascinada. E com um
ardor nos olhos! O pirulito perdeu definitivamente toda a importância.
Agora são as pernas que sobem e
descem, cumprimentam, se cruzam, batem umas nas outras.
— As patas também mexem, mamã. Olha
lá!
— Stai ferma!
Lisetta sentia um desejo louco de
tocar no ursinho. Jeitosamente procurou alcançá-lo. A menina rica percebeu,
encarou a coitada com raiva, fez uma careta horrível e apertou contra o peito o
bichinho que custara cinquenta mil-réis na Casa São Nicolau.
— Deixa pegar um pouquinho, um pouquinho
só nele, deixa?
— Ah!
— Scusi, senhora. Desculpe por favor.
A senhora sabe, essas crianças são muito levadas. Scusi. Desculpe.
A mãe da menina rica não respondeu.
Ajeitou o chapeuzinho da filha, sorriu para o bicho, fez uma carícia na cabeça
dele, abriu a bolsa e olhou o espelho.
Dona Mariana, escarlate de vergonha,
murmurou no ouvido da filha:
— In casa me lo pagherai!
E pespegou por conta um beliscão no
bracinho magro. Um beliscão daqueles.
Lisetta então perdeu toda a compostura
de uma vez. Chorou. Soluçou. Chorou. Soluçou. Falando sempre.
— Hã! Hã! Hã! Hã! Eu que...ro o ur...so!
O ur...so! Ai, mamãe! Ai, mamãe! Eu que...ro o... o... o... Hã! Hã!
— Stai ferina o ti amazzo, parola
d'onore!
— Um pou...qui...nho só! Ahn! E... ahn!
E... ahn! Um pou...qui...
— Senti, Lisetta. Non ti porterò più
in città! Mai più!
Um escândalo. E logo no banco da
frente. O bonde inteiro testemunhou o feio que Lisetta fez.
O urso recomeçou a mexer com a cabeça.
Da esquerda para a direita, para cima e para baixo.
— Non piangere più adesso!
Impossível.
O urso lá se fora nos braços da dona.
E a dona só de má, antes de entrar no palacete estilo empreiteiro português,
voltou-se e agitou no ar o bichinho. Para Lisetta ver. E Lisetta viu.
Dem-dem! O bonde deu um solavanco,
sacudiu os passageiros, deslizou, rolou, seguiu. Den-den!
— Olha à direita!
Lisetta como compensação quis
sentar-se no banco. Dona Mariana (havia pago uma passagem só) opôs-se com
energia e outro beliscão.
A entrada de Lisetta em casa marcou
época na história dramática da família Garbone.
Logo na porta um safanão. Depois um
tabefe, outro no corredor. Intervalo de dois minutos. Foi então a vez das
chineladas. Para remate. Que não acabava mais.
O resto da gurizada (narizes
escorrendo, pernas arranhadas, suspensórios de barbante) reunido na sala de
jantar sapeava de longe.
Mas o Ugo chegou da oficina.
— Você assim machuca a menina, mamãe!
Cotadinha dela!
Também Lisetta já não aguentava mais.
— Toma pra você. Mas não escache.
Lisetta deu um pulo de contente.
Pequerrucho. Pequerrucho e de lata. Do tamanho de um passarinho. Mas urso.
Os irmãos chegaram-se para admirar. O
Pasqualino quis logo pegar no bichinho. Quis mesmo tomá-lo à força. Lisetta
berrou como uma desesperada:
— Ele é meu! O Ugo me deu!
Correu para o quarto. Fechou-se por
dentro.
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