Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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O seu medíocre desejo era subir,
fosse como fosse; e entendia por isso fazer-se deputado, embora não tivesse uma
qualquer ideia política ou social a propor, tornar-se membro desta ou daquela
sociedade sábia, embora não tivesse demonstrado qualquer forma de sabedoria.
Fora sempre esse o seu sonho, a
sua ânsia, ânsia semelhante à daquele que quer ter fortuna sem ganhá-la no
comércio ou na indústria ou mesmo na loteria.
Pensou em distinções marcadas,
estabelecidas, carimbadas e fez-se doutor. Há um milhão de doutores de toda a
sorte, dentistas, agrimensores, engenheiros, calistas, médicos, advogados e
mesmo os da Escola Normal; ele, porém, feito doutor, já se julgou mais alguma
coisa, por ter obtido tão corriqueira distinção.
Ainda assim não era bem subir,
mas já era qualquer coisa. Precisava mais e tratou de cercar-se de amigos para
transformá-los em admiradores.
Quando, por intermédio destes,
conseguia outros mais poderosos, abandonava aqueles e explicava assim o
abandono:
— Não os posso suportar! São umas
bestas! Eu, um sábio! E os novos e os antigos convenciam-se cada vez mais de
que o homem era mesmo um portento. Graças à complacência dos alfaiates, viu-se
razoavelmente vestido, imaginou-se um Apolo de palmo e meio, e levava a gritar
pelas esquinas:
— Eu sou um mármore de
Praxíteles! Tenho todas as proporções das estátuas clássicas.
Os amigos ou aqueles que
precisavam da sua estulta audácia, para arranjar qualquer coisa, ecoavam:
— O Quitério é mesmo o Apolo de
Belvedere! O seu corpo respeita o cânon escultural do v século da Hélade
imortal! E o seu espírito... E os ritmos novos!
Mas não falavam na voz, pois os
mármores não falam e ele era mesmo de mármore, sem ser esculturado.
Houve, porém, quem julgasse que o
rapaz não era nenhum mármore grego do V ou IV século nem tampouco sábio, como
afirmavam os seus amigos.
Ele, entretanto, continuava a
fazer a sua tapage, a não conceder
mérito a ninguém, senão quando se tratava daqueles que tinham influência e
poder.
A sua preocupação primordial era
saber o que tal ou qual pessoa podia na vida, então o mármore se curvava
reverente e submisso; e, se acontecia tratar mal a um cujo valor social não
medira bem, logo passava ao extremo oposto sem transição.
Assim, vivendo deste para passar
àquele, depois abandonar, se era conveniente, ia subindo, como é de costume
dizer-se.
A subida, porém, não lhe pareceu
vertiginosa e muito menos segura; e ele tratou de ver de que forma os outros se
tinham firmado bem nas posições que adquiriram. Examinou as nossas assembleias
e câmaras. X tinha matado a mulher; B armara uma emboscada nas eleições e
matara dois; L tinha matado um rival animoso com auxílio de capangas; Z matara
a tia; H respondia a júri por ter mandado assassinar um seu competidor
eleitoral etc. etc.
“Não há dúvida”, pensou ele, “eu
devo matar, para ficar garantido.” Armou-se, e ao primeiro desafeto que encontrou,
sem mais aquela, deu-lhe uns tiros que o prostraram sem vida. Hoje, está firme
na vida e, de quando em quando, ao lembrar-se do incidente, diz: “Era
preciso...”
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