3/30/2018

A segunda geração romântica: Os poetas (Ensaio), de José Veríssimo


A segunda geração romântica: Os poetas
Extraído do Livro "História da Literatura Brasileira", publicado no ano de 1916. Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2018)
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As últimas manifestações do Romantismo com os rasgos que deram ao nosso a sua feição particular, nomeadamente o indianismo, a inspiração patriótica e o propósito nacionalista, o espiritualismo filosófico, o sentimentalismo, a religiosidade e a intenção moralizante, alcançam até meados dos anos de 60, com a publicação do Colombo, de Porto Alegre, em 1864. Ainda em antes do seu esgotamento como forma literária, surge uma nova geração de poetas e prosadores, na qual se contam alguns dos nossos principais escritores. Simultaneamente com a primeira geração romântica, mas depois desta bem estreada, isto é, após 1846, coexiste, como já relatamos, o grupo maranhense que por Gonçalves Dias, a sua mais eminente individualidade, se liga ao grupo formado no Rio de Janeiro por aquela geração. Gonçalves Dias estabelece também a transição entre essa e a seguinte. Esta apenas mui parcialmente lhe acompanhará a inspiração indianista. Sofrerá, porém, a influência da sua poética e ainda do seu sentimento poético.
Desde 1853, com as Obras Poéticas de Álvares de Azevedo, seguidas das Trovas de Laurindo Rabelo (1854), das Inspirações do Claustro de Junqueira Freire (1855), das Primaveras de Casimiro de Abreu (1859), revela-se uma nova progênie de poetas. Juntam-se-lhe os prosadores, alguns também poetas, José de Alencar, que estreia em 1857; Macedo, que vinha da primeira, mas como romancista ocupa nesta um grande lugar e como escritor dramático quase totalmente lhe pertence; Manoel de Almeida, porventura a mais promissora e infelizmente malograda esperança da novelística brasileira; Bernardo Guimarães, Agrário de Meneses se menores ou menos importantes.
Como epígonos da primeira geração de iniciadores, continuam-lhe a tradição e o labor, influídos ou não por novas ideias e conceitos literários, Pereira da Silva, Varnhagen, Macedo, Norberto Silva, além de outros somenos, contemporâneos e companheiros seus.
Principalmente distingue esta geração da precedente a sua maior liberdade espiritual, e consequente mais largo conceito estético, quer no seu pensamento geral, quer na sua aplicação à literatura. Aquele não é mais o estreme idealismo católico dos primeiros românticos. Ressente-se ao contrário o seu do influxo do ceticismo literário, do "satanismo", para falar com De Maistre, de Byron, Musset e outros românticos europeus de feição menos religiosa que a do primeiro movimento na Europa e aqui. O Brasil também progredira política, econômica e mentalmente. Ao cabo da primeira metade do século, asseguradas da independência, a monarquia e a ordem, não havia mais motivo e lugar para os ardores patrióticos e as paixões nacionalistas de antes. Na geração literária que surge por esta época, e que será talvez a mais brilhante de toda a nossa literatura, entra a desvanecer-se a miragem do indianismo, que justamente por esse tempo João Lisboa, no seu Jornal de Timon, metia pela primeira vez à bulha. Apesar do grande exemplo e durável sucesso de Gonçalves Dias, e da Confederação do Tamoios, de Magalhães, publicada em 1856, nenhum poeta caiu mais nesse engano, ao menos com a convicção ou sentimento dos seus criadores na nossa literatura. Restaurou-o, ou melhor instaurou-o, no romance José de Alencar, publicando, um ano depois dos Tamoios e no mesmo dos Timbiras, o Guarani.
O pensamento de uma literatura brasileira, que fora expressamente o de Magalhães e seus companheiros, que a obra de Gonçalves Dias principalmente avigorara, o reassumira José de Alencar com mais clara consciência e mais firme propósito de o executar. Pensou servi-lo criando o romance da vida indígena selvagem ou misturada com a vida civilizada dos colonizadores, como no Guarani, ou pura ou quase pura na Iracema e depois, serodiamente, no Ubirajara. Mas não obstante o real talento de escritor que neste propósito pôs, e daquelas duas primeiras obras de mérito verdadeiro com que procurou realizá-lo, ele lhe ficou infecundo. Não conseguiu empecer a decadência do indianismo, nem assentar definitivamente o senso nacionalista da literatura brasileira, como o quisera. Não ficou, entretanto, de todo sem repercussão ou influência. Os próprios portugueses Mendes Leal e Pinheiro Chagas se meteram a fazer com O calabar (1863), Os bandeirantes (1867), A virgem guaraciaba (1868), literatura nacionalista brasileira. O estímulo puramente industrial dessas obras insinua-lhes claramente o malogro. Os jovens poetas que desde 1850, ainda em antes de publicados em livros, vinham versejando, não curam mais de índios nem do que lhes concerne. Não são sequer patriotas no sentido em que o foram Magalhães e os do seu grupo. Nem os preocupa ao menos a formação de uma literatura nacional. O seu brasileirismo de todo estreme dos preconceitos nacionalistas, vem-lhe mais do íntimo e é em suma mais racional. São mais subjetivos, mais pessoais, mais ocupados de si, dos seus amores, das suas paixões, dos seus sofrimentos e dissabores, que de literatura ou de política. É menor neles do que fora nos seus antecessores a influência de Chateaubriand, avoengo do nosso segundo indianismo. Pratica-o também pela mesma época um outro romancista, Bernardo Guimarães, mas pratica-o antes por imitação, sem a espontaneidade e menos o talento de Alencar. E sendo melhor poeta que romancista e tendo poetado copiosamente, jamais poetou do índio.
Os poetas da segunda geração romântica possuíram em grau notável a primeira virtude de quem nos quer comover, a sinceridade. Circunstâncias fortuitas de sua vida fizeram com que todos eles de fato vivessem a sua poesia ou sentissem realmente o que com ela exprimiram. Talvez por isso não são artistas mas poetas, com o mínimo de artifício e o máximo de emoção, em mais de um deles ingênua, conforme convém à boa arte. O que se lhes pode descobrir de nacional, o seu brasileirismo mais íntimo que de mostra, como o era o dos da geração anterior, é já a revelação da nossa alma do povo diferente, como se ela viera formando e afeiçoando em três séculos de vida histórica e em trinta anos de existência autônoma, a expressão inconsciente do seu sentir ou do seu pensar, indefinidos sim, mas já inconfundíveis. Não são brasileiros porque cantem o bronco silvícola destas terras, ou porque celebram-nas a estas. Não rebuscam temas, nem forçam a inspiração ao feitio indígena. Com exceção de Gonçalves Dias, que é mais da primeira geração que desta, nenhum destes poetas é, ainda parcialmente, indianista, ou tem sequer o propósito nacionalista. Protraem-se estas feições apenas nalgum mais medíocre ou em um ou outro prosador, cujo provincianismo sertanejo os sujeitava mais à influência do ambiente nacional, onde mais vivazes eram ainda as tradições da terra brava e do seu primitivo habitador. Tais são José de Alencar, que confessa a influência do sertão brasileiro na germinação do Guarani, e Bernardo Guimarães, que diretamente dos nossos sertões meio selvagens recebe mais que a inspiração os assuntos de suas novelas.
Criados e educados já de todo fora da influência mental portuguesa, são os escritores desta geração menos portugueses de pensamento e expressão do que os da primeira. O seu brasileirismo, menos político do que o destes, é mais emotivo, mais de raiz, e por isso mesmo, está mais nos seus defeitos e qualidades de inspiração e de estilo, que nas inferioridades da sua manifestação. Conservando muito do sentimento poético português, do senso da saudade e da nostalgia, da melancolia amorosa que tanto o distingue, e que em Gonçalves Dias, embora ardente e voluptuosa, não atinge ainda a luxúria, o lirismo destes poetas tem já desenganadamente o tom que separa o lirismo brasileiro do português. Nada o prova melhor que a comparação destes poetas com os seus contemporâneos portugueses João de Lemos, Soares de Passos, Mendes Leal, Serpa Pimentel, aos quais pode afirmar-se que ficaram de todo estranhos os nossos.
Afora em alguns poetas da Renascença portuguesa como Camões, o lirismo português não foi jamais casto, antes sempre mais luxurioso que voluptuoso. O lirismo brasileiro, porém, exagera e piora esta feição. Desde a segunda geração romântica – o da primeira pecara mesmo por demasiado continente – entra a ser desenfreadamente erótico, como o de um povo onde o amor nasceu entre raças desiguais e inimigas e portanto entre violências e brutezas de apetites e carnalidades, e um povo onde a fácil e franca mistura de uma gente europeia em decadência com raças inferiores e bárbaras devia produzir um mestiço excessivamente sensual, em todas as acepções do termo. A influência particular portuguesa que acaso se descobre nesta geração é a de Garrett. Mas o tom popular que Garrett restituíra à poesia portuguesa e que há na destes poetas, apenas porventura lhes revê o íntimo brasileirismo, feito sob a influência do meio ainda matuto, simples e desartificioso. Nessa influência concorreria a da poesia que andava tradicionalmente na boca das mucamas negras, crioulas, mamelucas e mulatas que haveriam sido as primeiras educadoras desses poetas e suas iniciadoras sentimentais, como o foram de gerações de brasileiros.
A riqueza relativa do seu estro, se o compararmos ao dos românticos da primeira hora, e ainda aos dos nossos poetas que imediatamente lhes sucederam, a naturalidade e viveza da sua expressão, além dos já notados atributos de espontaneidade, sinceridade e candura, sempre raro na poesia da nossa língua, impuseram estes poetas, mais que à admiração, à afeição dos seus patrícios. Efetivamente são porventura os melhores que jamais teve o Brasil, e é incontestável que são ainda hoje os mais estimados da nação, os mais repetidamente publicados, os mais constantemente lidos. E a sua influência, que foi grande, ainda não desapareceu. Queira-o ou não, mais de um poeta atual e não dos somenos, é discípulo dos desta geração. Não obstante o aumento da cultura, o presumido aperfeiçoamento do gosto e o desenvolvimento exagerado do reclamo, nenhum poeta nosso depois deles, com exceção talvez de Castro Alves, que deles aliás procede, teve um número de reimpressões parciais ou totais e de leitores que estes tiveram.
Com os poetas da segunda geração romântica, nomeadamente com Álvares de Azevedo, entra um novo motivo na poesia brasileira, a morte. Cantores da terra, das damas, de magnatas, de temas abstratos, da natureza, de indivíduos, do amor, da pátria, de sentimentos personificados e até do sofrimento e da dor, nenhum cantara entretanto a morte, ou a morte, a despeito de ser um dos grandes temas líricos, não fora para nenhum, estímulo de inspiração. Estes poetas são todos tristes. A todos eles contagiou a melancolia de Gonçalves Dias, o primeiro dos nossos poetas com quem andou a ideia da morte.
Além das heranças ancestrais e das influências deprimentes do ambiente e de poetas estrangeiros nimiamente admirados e seguidos, contribuiu para a sua tristeza e desalento a sua fraqueza física congênita ou sobrevinda, atestada pela existência enfermiça e morte prematura de todos eles. O que mais velho morreu, Gonçalves Dias, tinha apenas quarenta e um anos; dos outros nenhum alcançou os quarenta, e os mais deles nem aos trinta chegaram. Álvares de Azevedo finou-se aos vinte. À natureza débil e doentia destes poetas juntaram-se em todos eles circunstâncias pessoais de desacordo com o seu ambiente doméstico ou meio social que lhes agravaram o triste estado d'alma para o qual já os predispunha a sua astenia. Também passara a época dos grandes entusiasmos e vastas esperanças criada pelos sucessos consequentes à Independência e ao 7 de abril. A nação entrava na sua existência sossegada e pouco estimulante de quaisquer energias. 

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