3/19/2018

História do Brasil: Invasão de Pernambuco pelos holandeses (Ensaio), de Rocha Pombo




Segunda invasão Holandesa: Invasão de Pernambuco pelos holandeses

Extraído do livro "História do Brasil", publicado no início do século XX. Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2018)

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1 - Em princípios de janeiro de 1627, chegava à Bahia o novo governador-geral, Diogo Luís de Oliveira, tendo passado por Pernambuco, onde Matias de Albuquerque lhe transmitira o governo. Encontrava a terra muito longe da tranquilidade que a paz costuma trazer.

Estavam agora os baianos tão inquietos e apreensivos como antes da agressão dos flamengos; pois muito mais para temer é agora a iminência de assaltos de flibusteiros.
Sabia-se positivamente que em Holanda se cuida de um desforço contra a Bahia, e de salvar por algumas grandes façanhas de corso os interesses que tanto se haviam comprometido com o insucesso daquela primeira tentativa contra o Brasil.

Procurou Diogo de Oliveira prevenir-se como lhe era possível para qualquer contingência; e andava em tais afãs, quando (pelos primeiros dias de março) é surpreendido por uma grande esquadra às ordens do temeroso Pieter Heyn. Com uma temeridade inverossímil, penetra este na baía, e apodera-se dos navios que estavam no porto.

Sem nenhum pensamento de ocupar a praça, o intuito de Pieter era pilhar no Recôncavo e escarmentar os baianos. Por isso mesmo, não satisfeito com as presas, faz bombardear cruelmente a cidade antes de deixar a baía, tomando rumo sul.

Desceu até Cabo Frio; esteve no Espírito Santo; e dali voltou para o norte entrando outra vez no Recôncavo. Revolve todo o lagamar, fazendo larga rapina; e por fim saiu para Holanda, onde se foi por à frente de mais poderosa expedição destinada a dar caça à frota de Espanha.

Com o êxito desta nova proeza de Pieter Heyn, institui-se em Holanda, e agora "definitivamente", o problema do Brasil (isto é, a necessidade de uma conquista territorial, que servisse de fundamento ao domínio flamengo na América).

Escolheu-se como alvo da nova investida a capitania de Pernambuco; e levou-se todo o ano de 1629 a preparar uma grande expedição, cujo comando se confiou ao general Hendrik Lonck, dando-se ao coronel Diederik van Waerdenburch o governo das tropas de terra.

Compunha-se de mais de 50 velas a esquadra, montando 1.100 canhões, com cerca de 8.000 homens.

Assim que se teve em Lisboa e em Madrid notícia da nova agressão planeada, deu-se do caso aviso ao Governador-Geral. Matias de Albuquerque então na Europa, recebeu ordem de voltar imediatamente para Pernambuco investido de jurisdição independente da Bahia, e extensiva às demais capitanias do Norte, quanto aos assuntos militares.

Com toda coragem, cuidou Matias de preparar a resistência apoiando-se na própria gente da terra.

2 - A 9 de fevereiro teve-se aviso de que a esquadra holandesa havia saído de Cabo Verde, tomando rumo do Brasil. Alguns dias depois, as atalaias da costa avistavam em alto mar os primeiros navios.

No dia 15 apresentava-se a esquadra inimiga diante do Recife.

Como fosse repelido sem se lhe ouvir a embaixada, um mensageiro enviado a terra com bandeira branca, logo os assaltantes deram princípio ao bombardeio. Seriam umas 11 horas do dia 15 de fevereiro (1630): e durou até a tarde a borrasca.

No mais aceso daquele duelo de morte, desembarcava o coronel Waerdenburch com 3.000 homens na enseada do Pau Amarelo; e pela manhã, marcha sobre Olinda, que é tomada à força de armas, apesar da resistência que lhe opôs Salvador de Azevedo.

Senhores de Olinda, apressam-se os flamengos a investir o Recife. Guardada a povoação pelo forte de São Jorge (onde comanda Antônio de Lima) e protegida pelo forte do Mar, pôde resistir até o dia 2 de março, quando não foi mais possível a continuação da luta por falta de munições naquelas duas praças de guerra.

Enquanto Antônio de Lima e Pedro Barbosa combatiam heroicamente nos dois fortes, andava Matias de Albuquerque reunindo gente na Várzea, e reorganizando as suas forças, para volver à defesa do Recife. Antes, porém, de atravessar o rio para o istmo, soube que tinham caído os dois redutos a cuja ação contava associar-se.

Em tal conjuntura, resolve Matias de Albuquerque assentar acampamento para o interior, numa eminência, em meio de aprazível campina, a igual distância de Olinda e de Recife. Ali, no alto do outeiro, instala o reduto que se tornou famoso, sob o nome de Arraial do Bom Jesus, e 168  que, durante cinco anos, se fez o centro de resistência contra os intrusos, e o refúgio de toda a população da campanha.

Para ali aflui gente de toda parte, em grandes afanos e alaridos, na ânsia de remir agora o crime daquela abdicação com que se deixara fixar ali o invasor.

Dividiu Matias toda essa gente em companhias de emboscadas, ao mando dos mais valentes capitães, e indicando a cada uma a sua zona de ação; constituindo-se assim uma como vasta e tremenda milícia de guerra santa, que aumentava todos os dias, e punha os inimigos em contínuo sobressalto, e na iminência de sangrentos destroços.

Estabeleceu-se assim, em volta do Arraial, uma longa cadeia de estâncias, ou postos avançados, dominando todo o distrito do interior correspondente ao litoral de Pernambuco. O pensamento dos reacionários era vencer os inimigos por aquela angústia de espaço e ar em que os punham, fechando-os ali no Recife, onde "a própria água lhes custaria sangue".

Para isso, reduziu Matias de Albuquerque, todo o seu esforço a um sistema de medidas e processos que se tornaram de incalculável efeito contra os usurpadores: trancou-lhes todos os caminhos do sertão; de modo que os encurralou na praça, não podendo eles dali sair seguros nem pelos bosques e campos das cercanias a recolher lenha.

3 - Pela sua parte cuidam os holandeses de firmar ao menos a sua situação no Recife e em Olinda. Aumentam as fortificações, tanto do istmo como da ilha de Antônio Vaz; e guarnecem de vastas trincheiras o lado da referida ilha que dá para o continente, como se pressentissem que por ali lhes viriam tormentas. Repararam também os muros de Olinda, e fizeram outras obras de defesa.

Sentindo-se dominantes nas povoações ocupadas, trataram de por em ordem as novas coisas da terra.

De acordo com os regimentos e instruções que trazia, passou Lonck a autoridade suprema da colônia ao Conselho Político que vinha já formado da metrópole; e dois dias depois (a 7 de maio) retirava-se para a Europa, muito seguro de que Pernambuco (e o mais que depois viria) era uma conquista efetiva e magnífica da Companhia Ocidental, e assento do futuro domínio flamengo na América.

Um "serviço" que não se esqueceram os intrusos de organizar, desde os primeiros dias, foi o da ronda de corso em nossos mares. Para isso, nomeou o Conselho Político a um dos seus membros (Walbeeck) almirante da costa brasileira. Nos seus diários leem-se a todo instante notas como esta: "Voltaram neste dia os navios que haviam saído à aventura, sem que tivessem achado coisa alguma; lastimam os seus capitães não terem encontrado um só navio do inimigo".

É por isso que não se impressionam muito os intrusos daquela angústia em que os fecham nas duas praças os defensores da terra: têm, para os desafogar do aperto, as larguezas do mar, que é mais fecundo. Guardar Olinda e Recife é, pois, o seu único pensamento: a alma da terra há de cansar e esmorecer.

Só mesmo assim é que se explicaria o estoicismo absurdo com que aquela gente sofre ali as refregas contínuas que lhe vêm das vizinhanças. Apesar de toda aquela celeuma de guerra que lhes anda em volta, do posto, em que se firmam, poderiam, como asseguram para Holanda, conquistar todo o Brasil, e arruinar o inimigo em toda a América...

Mal imaginariam, no entanto, que ampliando assim as suas vistas é que complicavam o problema, já de si mesmo temerário.

O "inimigo", em toda a América, decerto que não era Portugal. O aviso bem se sabe a quem era dirigido. O bom entendedor era a Espanha.

4 - Compreendeu-se, pois, em Madrid, toda a gravidade do caso. A vitória do flamengo em Pernambuco afetaria altamente o domínio castelhano. Era preciso, portanto, amparar o Brasil, para não comprometer os interesses de toda a monarquia.

Prepara-se então um socorro aos pernambucanos. Constava de 2.000 homens, sendo 1.000 destinados ao Arraial do Bom Jesus, e os restantes devendo aumentar as guarnições da Bahia e da Paraíba. Com estas forças vinham, entre outros capitães já notáveis no Brasil, o Conde de Bagnolo, e o próprio donatário da capitania de Pernambuco, Duarte de Albuquerque Coelho.

Os navios em que vieram estas tropas foram protegidos até às costas do Brasil por uma esquadra, sob o comando em chefe de D. Antônio de Oquendo, que se destinava ao México para comboiar a frota de Espanha.

Chegou esta expedição à Bahia, e ali se demorou cerca de mês e meio, enquanto se distribuíam os socorros de acordo com as ordens que trazia.

Assim que se teve disto notícia no Recife, preparou o almirante Adriaan Pater a sua frota, e saiu ao mar com o intuito de impedir que desembarcassem os socorros. Saíra do Recife no último dia de agosto (1631) e só pela tarde do dia 11 de setembro, avistava ao longe a frota de Oquendo.

Na manhã seguinte travava-se a batalha, que é uma das mais famosas dos nossos anais. Começou Pater abordando o navio de Oquendo; "e por sua vez recebeu pelo outro lado um galeão espanhol, que um navio flamengo imediatamente atracou, sendo este igualmente abordado por um terceiro galeão de Espanha". A peleja entre estes cinco vasos, aferrados como a garras de abutres, foi fantástica. Afunda um dos galeões espanhóis. Lavra incêndio no navio de Pater. Clama este por socorro; mas inutilmente. Lança-se ao mar a guarnição, e é recolhida pelos próprios inimigos. O almirante, porém, fica no seu posto até o fim. Tão confusa e trágica se fez aquela cena que os próprios holandeses não souberam que fim tivera o seu heroico chefe.

A certa distância daquela catástrofe, luta semelhante se dava entre o navio do vice-almirante Thyszoon e o do vice-almirante espanhol Valezilla, perecendo este, e queimando-se o navio holandês.

Só à tarde separaram-se os combatentes, considerando-se como indecisa a sorte das armas.

Oquendo, no entanto, se não alcançara verdadeiramente a vitória, tinha ao menos conseguido executar as ordens com que viera ao Brasil.

5 - Ficaram os intrusos em grande aflição no Recife, temendo agora investidas por mar e por terra. Tanto se agravaram as condições da praça alarmada que se chegou a tomar a resolução de abandonar Olinda, concentrando todos os esforços na guarda do Recife. Durante uma semana trabalhou-se em demolir os melhores edifícios de Olinda, cujos materiais podiam ser aproveitados; e por fim destruiu-se tudo o mais, e queimou-se o que era mais difícil demolir, abandonando-se a vila em ruínas.

No Recife, com cerca de 7.000 homens e muitos navios, julgam-se os holandeses inexpugnáveis. Não se animando a investir os pernambucanos no interior, entenderam que o expediente mais prático, em tais condições, era conquistar outros pontos da costa; pois com isso, não só ampliariam as rendosas explorações do corso, como desviariam do Recife as atenções daquelas temerosas quadrilhas que do Arraial se despediam contra eles.

Encarregou-se então o tenente-coronel Callenfels de ir atacar a Paraíba, onde contavam fazer aliança com algumas tribos inimigas dos portugueses.

Em 19 navios, com 1.600 homens, chega Callenfels à vista do Cabedelo (5 de dezembro de 1631) e desembarca gente nas imediações do forte. Acode da vila o próprio governador da capitania, Antônio de Albuquerque; e ao cabo de alguns dias de combate, reembarcam os inimigos e voltam para o Recife.

Uma semana depois, levantaram ferro outra vez, dirigindo-se agora mais para o norte, apresentando-se, a 27 de dezembro, diante do Rio Grande. Não foram, porém, ali mais felizes que na Paraíba, e tiveram de tomar o rumo do Recife.

Alguns dias depois, saía a esquadra flamenga, sob o comando do próprio Waerdenburch; e agora para o sul, com tenção de apoderar-se do forte do Rio Formoso.

Burlado intento ainda foi este.

Não se desiludiu, porém, o Governador holandês. Não demorou a partir outra vez para o sul. Tinha ele os olhos cobiçosos ali pelas imediações do cabo de Santo Agostinho. O pontal de Nazaré era o melhor entreposto marítimo para os pernambucanos do Arraial; e é principalmente contra ele que vai agora Waerdenburch.

Mas voltou de lá quase escarmentado.

6 - Aquela forma de negócios já não era, portanto, expediente que satisfizesse na dolorosa situação em que se encontram os intrusos no Recife.

Torna-se para eles a conjuntura tão embaraçosa que o Conselho Político enviou para Holanda uma comissão incumbida de fazer sentir à Assembleia dos Dezenove as condições em que se encontra a conquista.

É por este tempo que uma circunstância, à primeira vista insignificante, vem mudar todo aquele estado de coisas no Recife. Foi a deserção de Calabar.

Era este um mameluco ou mulato de Porto Calvo, sujeito muito conhecedor da terra, habilíssimo guerrilheiro, decidido e valente, e que até às vésperas militara contra os invasores. Não se sabe direito por que razões abandonou os seus patrícios e companheiros de armas, e foi servir aos inimigos.

O que se viu é que os holandeses agora vão fazer a guerra com as mesmas vantagens com que a faziam os pernambucanos, e graças à perícia daquele guia e capitão valoroso.

A primeira façanha devida ao veterano foi a tomada de Igaraçu (1° de maio de 1632). Alguns dias depois, dá-se uma nova investida ao Rio Formoso, apresando navios, talando engenhos, e destruindo o que não podiam conduzir. Não demorou que repetissem o ataque a uma posição que sabiam de primeira ordem para a gente da campanha.

Este novo ataque a Rio Formoso é um dos episódios mais épicos daquelas guerras. Ali naquele reduto, dispondo apenas de dois canhões, vinte e um homens rebatem por quatro vezes aos assaltos de seiscentos inimigos; e estes só se apoderam da fortificação quando já não havia ali mais quem combatesse; pois o próprio comandante, Pedro de Albuquerque, estava por terra ferido de um tiro de mosquete no peito.

Sente-se que os holandeses tomam alma nova.

Logo depois do Rio Formoso, perdem também, os pernambucanos, um reduto em Afogados, de onde os intrusos ficam dominando a várzea do Capibaribe.

Tão vangloriosos ficaram eles com os últimos sucessos, que se atreveram a investir o próprio Arraial (24 de março de 1633). Pagaram, porém, a audácia bem caro.

Em seguida, tomaram Itamaracá.

E como se não quisessem deixar que esfrie o entusiasmo, vão investir outra vez o Rio Grande; e agora com sucesso, penoso, mas compensativo.

Paraíba estremecia, mas sem perder a coragem. Atiram-se de novo contra ela 20 navios com 1.500 homens; mas ainda desta vez têm de voltar. E agora voltam para, sem mesmo tocar no Recife, ir atacar outra vez as fortificações de Santo Agostinho. Desta vez conseguiram apoderar-se do Pontal, guarnecendo-o logo poderosamente.

7 - Estava mudada a sorte da conquista. Não há coragem que não se quebrante com os desastres.

Por meados de 1634 recebiam os intrusos consideráveis reforços de toda ordem.

Pelos fins do referido ano vão liquidar o caso da Paraíba, tomando conta dos fortes e da vila.

Estavam, portanto, senhores de mais três capitanias.

Os pernambucanos conservavam apenas o Arraial, a fortaleza de Nazaré e a vila de Porto Calvo. Esta (em março de 1635) cai em poder do inimigo.  Von Schkoppe vai entrando pela campanha, entre o Arraial e o Cabo. Matias de Albuquerque vai para Serinhaém, de onde pode com mais vantagem hostilizá-los. Nazaré e o Arraial estão sitiados. Anda um vasto alarido pela terra.

No dia 8 de junho (1635), ao cabo de mais de cinco anos de luta, capitula o Arraial. Pouco menos de um mês depois, cai Nazaré. Prepara-se Matias de Albuquerque em Serinhaém para a retirada, cedendo àquela fatalidade. Deu conta disso ao povo da capitania, oferecendo amparo e segurança a todas as famílias que quisessem acompanhá-lo. Ajuntou-se ali "toda a gente da terra que quis sair", formando um séquito de cerca de 8.000 pessoas.

Tendo-se posto em marcha no dia 3 de junho, foi este vasto comboio lentamente até Alagoas.

Em caminho para o sul, tinham os retirantes de passar pelas vizinhanças de Porto Calvo, em poder do inimigo, e guarnecido por uns 500 homens. Era forçoso abrir passagem à força de armas.

É neste momento que a insídia ou simples ardil de um colono (Sebastião de Souto, que andava com os holandeses, fingindo-se amigo deles), vem, não só arredar do caminho aquele embaraço, como ainda meter sob as mãos dos pernambucanos o infeliz Calabar.

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