3/28/2018

História do Brasil: O reinado de D. João V (Ensaio), de Rocha Pombo


O reinado de D. João V

Extraído do livro "História do Brasil", publicado no início do século XX. Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2018)

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1 - O reinado de D. João V, sucessor de D. Pedro II, começa em 1706 – e termina com o seu falecimento em 1750.

Durante esses 44 anos ocorrem muitos fatos de que já tratamos, e outros que nos vão dar ideia de como o Brasil rapidamente se desenvolvia.

Pode-se dizer que foi a época da riqueza e da expansão geral da colônia.

Enquanto refluíam para as regiões das minas, quase em massa, como já vimos, os colonos do litoral, cuidava-se, nesta parte, e com relativo sossego, de normalizar os negócios da administração, até ali perturbados por várias causas, cada qual mais difícil de corrigir.

A zona marítima ressentira-se profundamente da defecção de braços devido àquela emigração desordenada para os sertões.

Nas minas, o elemento indispensável era o negro. Os mineiros "compravam negros por todo preço". Desfalcaram-se assim de braços, não só a pequena lavoura, como os engenhos, as fazendas, o trabalho em geral das regiões litorâneas. Colhia-se, portanto, menos algodão e menos tabaco; fabricava-se menos açúcar; e "assim como se fazia menos, também se fazia pior, pois é bem difícil que se ponha cuidado naquilo em que se não põe esperança".

A consequência fatal foi o abandono das indústrias à medida que faltavam escravos, ou que os senhores se iam arruinando.

Primeiro procurou o governo atalhar o mal impedindo que se deslocasse a escravatura para as minas.

Depois, convenceu-se de que era inútil "aquele intento de contrariar o curso natural das coisas", e revogou a proibição, "prevalecendo a fortuna das minas à dos engenhos".



2 - Nas capitanias que não contavam com o ouro, porém, e que se sentiram assim quase privadas de braços para o trabalho, viram-se as populações na necessidade de remediar o mal suprindo de qualquer modo o desfalque sofrido.

E então é que se viu como aquilo, que parecia uma desgraça aos olhos dos colonos, não foi mais que uma situação momentânea de angústias que apressaria, em vez de retardar, o desenvolvimento geral do país. Quando se sentiu bem, nas suas consequências, a falta de gente nas lavouras, e até na faina das praças marítimas, só então é que se foi pensando não em esperar pela volta dos que tinham saído para as minas, mas, na urgência de atrair gente nova, que viesse reparar os inconvenientes que todos experimentavam.

É assim que de princípios a meados do século XVIII ao mesmo tempo que se ordena melhor a administração, procura-se, com solicitude, não só revigorar o trabalho agrícola e fazer a grande produção como antes das minas, mas ainda criar culturas novas no país, capazes de constituir-lhe toda a economia interna.

Essa renovação geral se observa melhor nas capitanias do extremo norte, exatamente onde foram mais penosos os dois primeiros séculos da colônia.

O Estado do Maranhão, que se constituíra em 1621, e que depois de restaurado, após um curto lapso, em 1655, se administrou sob esse regime até 1774, ao entrar o século XVIII continuava a compreender toda a parte do domínio que ficava fora do Estado do Brasil, e que pela costa se estendia das proximidades do cabo São Roque ao Oiapoque.

Antônio de Albuquerque, que governou o Estado de 1690 a 1701, tinha procurado com esforço normalizar a situação, ainda ressentida de tantas lutas em que andara a terra. Quando se retirou para o reino (em junho daquele último ano) deixou o governo inteiramente nas mãos de Fernão Carrilho; e este começou provocando guerra com o gentio aruã (da ilha de Marajó).

Assumiu o governo (em julho de 1702) o governador nomeado, D. Manuel Rolim de Moura Tavares. Meteu-se este em luta com o Ouvidor-Geral. O resultado foi ser destituído do cargo afrontosamente, sucedendo-Ihe depois de uma interinidade o mestre de campo Cristóvão da Costa Freire, senhor de Pancas (em 1707).

É com este que começam a regularizar-se os negócios da administração, e a fazer-se mais ordem nas duas capitanias, onde se havia passado perto de um século de contínuas discórdias e motins.

Para que se iniciassem novas normas, e se prevenissem casos de conflitos entre governadores e autoridades judiciárias, começou a metrópole por discriminar precisamente a jurisdição dos dois poderes, e fixando relações entre Câmaras e juízes, entre juízes e governadores, entre estes e Câmaras.

É portanto, com o reinado de D. João V que se abre este período de reformas.



3 - Alheio, pois, ao que se passa no Sul, onde as minas alteram toda a vida dos colonos, cuida agora de si com solicitude própria o Estado do Maranhão. Desassombrados de dissenções; postas em ordem as coisas da justiça; regularizados os negócios administrativos, procuram os governadores do Estado atrair imigrantes; chamar as tribos indígenas que viviam mais afastadas, ou que se mostravam mais refratárias; desenvolver várias indústrias pela criação de grandes empresas que as fizessem com mais proveito para a economia da terra.

O problema de que mais se cogita naquela vasta seção do país é o da conquista do Amazonas, cuidando-se de fundar colônias, arraiais e reduções como postos avançados em toda a extensão da imensa bacia.

Ao mesmo tempo, continuava a ação dos portugueses para leste, onde a criação, nas grandes fazendas do Piauí, tomou extraordinário incremento.

Em 1718 sucede no governo, a Costa Freire, o ilustre Bernardo Pereira de Berredo, muito conhecido, menos por esta circunstância, do que pelo fato de ter sido um dos mais interessantes cronistas do Maranhão.

Sucedem-se vários governadores até 1737, quando passou a sede do governo para a cidade de Belém, ficando o Maranhão como capitania subordinada até 1774.

Incontestavelmente muito se fez naquela porção do domínio durante este período.

Os colonos do Pará, por meados do século, percorriam o Amazonas e os seus grandes afluentes em todas as direções. Estavam em relações com Mato Grosso, pelo Madeira, o Tapajós, o Xingu; com Goiás, pelo Tocantins; com os espanhóis da Venezuela, pelo rio Negro e o Orenoco; e até com o Peru, por grande número de rios.

Da prosperidade em que ia o Estado do Maranhão dá ideia a cidade de Belém naquele tempo. "Quando ali chegou, vindo de Quito", La Condamine (1743), sentiu impressão de "como se o tivessem, diz ele próprio, transportado para a Europa, vendo-se numa cidade grande, de ruas regulares, casas alegres, construídas de pedras, tanto cantaria como alvenaria, e magníficas igrejas. No decorrer dos trinta anos precedentes, fora ela quase inteiramente reedificada, substituídas as antigas habitações por maiores, mais cômodos e mais sólidos edifícios. Descortinado o país, e convertido em campos o que fora matagal fechado, melhorara tanto o clima (tão pernicioso para os primeiros colonos) que, mais do que qualquer das capitais do Sul, se tornara salubre aquela cidade".



4 - O Estado do Brasil compreendia todas as capitanias do Rio Grande do Norte, ou do Ceará, até o extremo sul. A situação do Ceará, durante muito tempo, foi curiosa: andava entre os dois Estados, compreendido, ora no do Maranhão, ora no do Brasil, ficando afinal subalterna deste definitivamente.

O Governo-Geral era isso quase só de nome. Da Bahia a ação administrativa dos governadores pouco se fazia sentir: quase que se limitavam eles a representar a soberania da metrópole.

Não se desapercebeu desse defeito o governo português; mas receava armar demais os seus delegados em terra tão vasta e rica, e tão afastada das vistas do poder soberano.

Daí as incongruências, as contradições, a instabilidade com que se regula a política e administração da colônia, separando hoje governos para os reunir amanhã; fazendo independentes entre si Estados do mesmo domínio, e que precisavam de viver amparando-se e socorrendo-se mutuamente; declarando subalternas do Governo-Geral capitanias que tinham sido autônomas, e vice-versa; às vezes, na mesma capitania, provendo agora um capitão emancipado do centro ou isento de homenagem, e logo mais, pondo um outro sujeito à Bahia, ou mesmo a uma capitania geral.

Tudo isso está dizendo que a preocupação (e durante todo o período colonial) era impedir o que desde cedo pareceu inevitável aos que melhor viram as coisas, isto é, o afrouxamento dos vínculos que prendiam a colônia à metrópole, e a tendência para união e concerto entre os diversos núcleos mais densos.

Em tais condições, cada capitania aprende, antes de tudo, a cuidar de si, disputando diretamente na corte as medidas particulares que lhe interessam. O governo da Bahia não é muito mais que um intermediário entre as capitanias e a metrópole.

5 - O Estado do Brasil continuou até depois de meados do século XVIII, quase sempre dividido em duas Repartições Administrativas. A do Norte, compreendia as capitanias do Ceará para o sul até Porto Seguro, e tinha sede na Bahia.

Todas as capitanias da Repartição do Norte, durante o período de que nos ocupamos, normalizaram a sua administração própria, e desenvolveram-se lentamente, mas com segurança, fundando a sua economia geral, todas elas, nas grandes indústrias que tinham criado (principalmente o açúcar, o algodão e o tabaco).

É a Repartição do Sul, com sede na cidade do Rio de Janeiro, que assume excepcional importância neste período, e mesmo durante todo o século XVIII. Compreendia toda a seção do país do Espírito Santo para baixo.

A antiga capitania de São Vicente havia desaparecido. Todo o seu imenso território (juntamente com o da capitania de Pero de Góis) ficara sob o governo do Rio até princípios do século. É nesse território que durante o reinado de D. João V se vão formar quatro capitanias gerais, independentes (quase que só de nome, é exato) do governo do Rio. Primeiro, em 1709, a situação das Minas aconselhara a separar do Rio a capitania de São Paulo e Minas. Alguns anos depois, em 1720, discriminaram-se as capitanias de São Paulo e de Minas Gerais.

Mesmo assim desfalcada, continuou a de São Paulo a ser das mais vastas divisões administrativas do domínio, compreendendo todo o território dos confins meridionais, e os imensos distritos, onde só em 1748 se criaram as novas capitanias de Goiás e de Mato Grosso.

Os governos de todas essas circunscrições continuaram a ser subalternos, primeiro do Governo-Geral, e depois de 1733, do governo do Rio, com jurisdição em toda a Repartição do Sul.

6 - A capitania de São Paulo e Minas do Ouro teve apenas três governadores: Antônio de Albuquerque (1710-1713), D. Brás Baltasar da Silveira (1713-1717) e D. Pedro de Almeida, Conde de Assumar. Passou este (1721) a administração a D. Lourenço de Almeida, que foi o primeiro governador de Minas Gerais como capitania independente.

A função mais delicada de D. Lourenço de Almeida consistiu em sossegar a população, em cujo ânimo subsistiam as consequências de cerca de quinze anos de desordens. E agiu com tanta prudência e tino que conseguiu afinal o intento que fora causa de todos os motins: a instalação das fundições para a quintagem do ouro.

A D. Lourenço de Almeida, que passou à história como tipo de administrador, sucede (1732) o Conde das Galveas (André de Melo e Castro). Foi este que, em contrário às ordens da corte sobre a capitação, assentou com os mineiros em continuar a arrecadação pela quintagem.

Ao Conde das Galveas sucede (1735) Gomes Freire de Andrada.

Viera este (futuro Conde de Bobadela) como Capitão-General e Governador da Repartição do Sul, "acumulando" o governo de São Paulo e de Minas Gerais. Era um processo de disfarçar a reunião de todo o Sul sob um só governo. Exagerou-se ainda o despropósito dando ao Capitão-
General aquele penoso encargo que lhe deram lá no Sul. Em suas ausências "nas várias sedes do seu governo", deixava Gomes Freire em cada uma o seu locotenente.

Prestou este homem ao Brasil os maiores serviços durante quase trinta anos (de 1733 a 1763) e foi o último governador da Repartição do Sul.

Instala (1721) a administração de São Paulo o operoso Rodrigo César de Menezes. É no tempo deste governador que se revelam as minas de Cuiabá, e em seguida as de Goiás. No intuito de regular a ordem e os serviços naqueles novos descobertos, partiu o próprio Governador para os sertões, levando consigo alguma tropa e grande comitiva; e ao cabo de longa jornada de mais de quatro meses, chega a Cuiabá pelos meados de novembro (1726).

Continuam as incoerências da metrópole nas medidas com que regula a administração de São Paulo, ora fazendo-a capitania independente, ora tornando-a subalterna do Rio; até que em 1765 foi restaurada a capitania geral, sob o governo de Luís Antônio de Sousa Botelho e Mourão,
Morgado de Mateus.

7 - Durante o período de que nos ocupamos nesta lição, toma a cidade do Rio de Janeiro tão rápido incremento que fácil seria prever como era breve se tornaria a grande metrópole do Sul.

Já vimos como em 1713 passara Antônio de Albuquerque a administração a Francisco de Távora. Depois deste, sucedem-se alguns governadores até 1733, quando se opera uma nova reforma na administração do Estado do Brasil. Como já vimos, vem Gomes Freire investido de autoridade geral em todo o Sul, sobrecarregado, portanto, do governo, primeiro de três, e mais tarde, de cinco vastas capitanias, e ainda dos novos distritos que se foram criando nos confins com o domínio de Espanha.

O que mais prende agora os negócios da Repartição do Sul, as atenções da corte portuguesa, são as colisões em que se puseram os colonos limítrofes dos dois domínios desde os primeiros tempos da conquista, mas principalmente depois da restauração da soberania de Portugal em 1640.

Assim que se fizera a paz entre as duas Coroas (1668), sentiu, mais premente ainda, o governo de Lisboa, a necessidade de assegurar no Sul os interesses do seu patrimônio.

Para isso mandou criar (em 1680), à margem esquerda do estuário platino, a Nova Colônia do Santíssimo Sacramento.

E desde então, durante mais de um século, nunca mais se descansou de lutas lá no Sul.

Pode dizer-se que o mais que secular litígio só veio a cessar depois da nossa independência (em 1828, com a constituição da República Oriental do Uruguai).

Como teremos de tratar especialmente deste ponto da nossa história em outro capítulo, basta assinalar aqui que todo o reinado de D. João V aguentou com as maiores vicissitudes do pleito, e tendo-o deixado ainda sem solução definitiva.


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Imagens:
Acervo da Biblioteca Nacional Digital do Brasil
http://memoria.bn.br

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