

Extraído do Livro "História da Literatura Brasileira", publicado no ano de 1916. Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2018)
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Pela época em que se estrearam
estes romancistas, as principais feições ou correntes da poesia brasileira, no
que tinha esta de mais peculiar, eram ainda, se não o indianismo, o
brasileirismo dos primeiros românticos, e o sentimentalismo doentio, de envolta
com o ceticismo literário e a desilusão e desalento, dos segundos. Esgotavam-se
essas duas correntes quando surgiram, com pouco intervalo, Machado de Assis
(1839-1908), Tobias Barreto (1839-1889), Fagundes Varela (1841-1875), Luís
Guimarães Júnior (1847-1898) e Castro Alves (1847-1871), que podemos considerar
os últimos românticos da nossa poesia, que já não sejam anacrônicos.
Aliás nenhum traço comum saliente
liga estes poetas. Quando muito, o teriam Tobias Barreto e Castro Alves na
feição oratória do seu estro, a que se deu o nome de condoreirismo, porque os
seus arroubos poéticos presumiam semelhar-se ao surto do condor. Denominação
aliás, como tantas outras inventadas na nossa literatura, de pouca propriedade.
Naquele grupo não caberia senão aos dois poetas nomeados ou a algum seu
secundário imitador, indigno de menção particular. Demais não foram nem Tobias,
nem Castro Alves os inventores desse falso gênero de poesia enfática e declamatória.
Antes deles, Pedro Luís publicara os seus poemas Nunes Machado, A sombra de Tiradentes, Os voluntários da morte
(1863), Terribilis Dea, justamente no
diapasão que devia dar àqueles dois poetas o epíteto extravagante de
condoreiros. E na procura das últimas fontes do mesmo veio, poderíamos acaso
remontar ao Napoleão em Waterloo, de
Magalhães, a certos poemas de José Bonifácio, o Moço, e a outras anteriores
amostras da nossa facúndia poética. Está esta no nosso temperamento, e o
condoreirismo não era uma novidade na nossa poesia, mas apenas o exagero, sob a
influência do entusiasmo patriótico do momento e da retórica hugoana, desse
defeito do nosso estro poético. O aparecimento simultâneo de Varela com o seu Pavilhão auviverde, e de Vitoriano
Palhares com o seu A D. Pedro II, a
propósito do conflito anglo-brasileiro de 1862, e de numerosos poemas tão
patrióticos como bombásticos de José Bonifácio e Pedro Luís, coincidindo com os
de Castro Alves e Tobias Barreto, da mesma entoação, estão atestando que não havia
novidade essencial no chamado condoreirismo de 60 a 70.
O Romantismo byroniano, temperado
por Álvares de Azevedo, de Musset e Spronceda e de outros condimentos de
idêntico sabor literário, tinha certamente desviado da sua direção primeira,
cristã, patriótica e moralizante, o movimento literário com que aqui se
iniciara a nossa literatura nacional. Mas além da parcial impressão que fez nos
três principais poetas da mesma geração, mal fizera escola com Aureliano Lessa,
Bernardo Guimarães e menores poetas, desvairados sobretudo com as
extravagâncias da Noite na taverna.
Nos anos de 60, mesmo no atrasado Brasil, já não havia atmosfera para ele. A
voz do desespero, da ironia, do ceticismo daqueles poetas europeus
substituía-se como um clarim de guerra vibrante de cóleras, mas rica de
esperanças, ora flauta bucólica, ora lira amorosa, tuba canora e belicosa ou
doce avena da paz, mas em suma otimista, a voz de Victor Hugo. Esta ouviram e
seguiram mais ou menos de perto da geração que entrou a cantar por esta época.
Também os houve que escutaram de preferência a melodia lamartiniana impregnada
do idealismo cristão. Mas não se sai imune de uma corrente literária para
outra. Levam-se sempre ressaibos daquela. Estes poetas apresentam um misto de
romantismo e das tendências estéticas que em nascendo para a vida literária
encontraram no seu ambiente. Tem em dose quase igual o desalento sentimental,
mesmo o ceticismo, apenas menos anunciado daquela geração e os ideais práticos,
as emoções sociais, a preocupação humana, ainda política, com os instintos de
propaganda da corrente hugoana. E apenas alguma leve nota de indianismo ou
brasileirismo nela transformada num mais íntimo que ostensivo sentimento
nacional. E como em Victor
Hugo , além da feição social e humanitária, o que mais os
impressiona são os aspectos verbais do seu estro, a sua altiloquência poderosa,
caem no arremedo, geralmente infeliz, desse feitio da sua poética. Daí
derivaria a alcunha, que cumpre não tomar a sério, que de hugoanos tiveram
alguns.
A facúndia poética do grande vate
francês, cujo prestígio se aumentava do seu papel político, achava no meio
escolar onde se ia fazer este novo movimento literário, terreno propício. Às
predisposições oratórias ou verbosas da raça, amiga da frase empolada e do vocábulo
pomposo, juntava-se aquela venturosa idade em que nem a reflexão nem o estudo
apuraram ainda o gosto e o discernimento. Em tal meio, as tiradas poéticas de
Tobias Barreto e Castro Alves, que hoje nos parecem extravagantes
despropósitos, eram achadas sublimes:
A lei sustenta o popular direito,
Nós sustentamos o direito em pé!
Um pedaço de gládio no infinito,
Um trapo de bandeira na amplidão.
Ver o mistério eriçado,
Rodeando os mausoléus,
Morrer... subindo agarrado
No escarpamento dos Céus.
Pernambuco anelante
Suspende na mão possante
O peso do Paraguai!
Quejandos versos, estrofes, que
digo?, poemas inteiros neste estilo alvoroçavam aquela mocidade, cujo
indiscreto entusiasmo não serviria senão para mais perverter o estro desses
poetas e desvairar o gosto público.
Dos chamados condoreiros apenas
dois, os já nomeados Tobias Barreto e Castro Alves, lograram distinguir-se por
outras partes que essa falaz poesia, entre os que, como eles, presumiam
reproduzir aqui a Victor Hugo, quando não faziam senão contrafazer-lhe os mais
patentes defeitos.

Se o pensador e o jurista em Tobias Barreto iam
à cultura germânica, tratada embora por ele mais lírica que objetivamente, o
seu temperamento estético, em música e em poesia, revê demais o mestiço
luso-africano. Como poeta é simultaneamente um sentimental, um orador sem algo
da profunda ingenuidade da poesia alemã. Em música, não obstante a sua, ao que
parece, grande ciência desta arte, confessa ele próprio que não compreendia
senão a italiana. Não é incontestável que fosse o introdutor do hugoísmo na
nossa poesia. Tal invento, aliás, não bastaria para afamá-lo. De parte a sua
inspiração política, social, objetiva em suma, a poesia de Hugo influiu aqui,
ainda nos seus melhores discípulos, muito mais pelos seus aspectos exteriores e
pelo defeito da sua feição oratória, que pelo profundo lirismo íntimo e alto
sentimento poético que acaso a sobreleva entre toda a poesia do século.
Muito menor foi o renome e a
influência de Tobias Barreto como poeta do que como pensador. Eclipsou-lhos
Castro Alves, seu feliz êmulo no condoreirismo e seu triunfante rival em toda a
poesia. O lirismo de Tobias Barreto, no que tem de melhor, é em suma da mesma
espécie do comum lirismo brasileiro, amoroso ou antes namorado, sensual,
dolente, abundante em voluptuosidades ardentes e queixumes melancólicos. Se
alguma coisa o distingue é, de um lado, o tom oratório, ainda épico, em que
oscila entre as extravagância dos Voluntários
pernambucanos e quejandos poemas e os belos rasgos do Gênio da humanidade; de outro, a nota popular simples, vulgar,
mesmo trivial, que às vezes lhe dá a cantiga um sainete particular e,
ocasionalmente, encantador. Mas dessa nota abusa, bem como barateia e vulgariza
o estro em glosar notas, à moda dos poetas seiscentistas e arcádicos, e em
celebrar com inaudita facilidade de admiração e trivialidade de emoção a quanto
cabotino ou cabotina acertava de passar pelo Recife. Quer como poeta, quer como
prosador, uma das maiores falhas de Tobias Barreto foi a de gosto. A atividade
poética de Tobias Barreto exerceu-se aliás, principalmente nos primeiros anos
da sua vida literária (1862-1871), quando ainda estudante, o que lhe explica e
desculpa as deficiências e senões. Que, apesar do seu incontestável estro, não
era propriamente uma vocação de poeta, prova-o o haver quase abandonado a
poesia pela filosofia, o direito, a crítica e outros estudos.

Tem-se dito que os latinos não
temos poesia, senão eloquência. Não discuto o asserto. Nós brasileiros, que
apenas seremos por um terço latinos, sei que somos nimiamente sensíveis à
retórica poética. Não nos impede isso aliás de comovermo-nos também, embora
superficialmente talvez, ao sentimento da poesia quando ela canta as fáceis
paixões sensuais do nosso ardor amoroso de mestiços ou chora os nossos fáceis
desgostos de gente mole. São exemplos os casos de Gonçalves Dias, poeta do
amor, e dos realmente deliciosos cantores da segunda geração romântica, e de
Fagundes Varela, ainda hoje os poetas mais vivos na nossa memória e no nosso
coração. A ingenuidade, porém, a virtude cardial dos maiores poetas
anglo-germânicos, essa sim, é quase de todo estranha à nossa poesia, que assim
carece de um dos mais sedutores elementos da arte, quando, após os últimos
românticos, os nossos poetas se fizeram refinados e se puseram a apurar com a
forma o sentimento à moda dos parnasianos franceses, deixaram de fato de
comover o público, ou só continuaram a impressioná-lo pelo aspecto externo dos
seus poemas perfeitos, pela sonoridade constante dos seus versos. Porque em
suma o que preferimos é a forma, mormente a forma eloquente, oratória, a
ênfase, ainda o "palavrão", as imagens vistosas, aquelas sobre todas,
que por seu exagero, sua desconformidade, sua materialidade, mais impressionam
o nosso espírito, de nenhum modo ático. É este no fundo o motivo do nosso
antigo afeto ao épico e da nossa moderna predileção pelos poetas sobretudo eloquentes
e brilhantes, como os condoreiros, Pedro Luís, José Bonifácio e o Sr. Bilac. É
verdade que nenhum destes vale apenas por qualidades de brilho e facúndia
poética. Essas tinha-as em alto grau, e da boa espécie, Castro Alves, mas tinha
outras além delas.
Passada a sentimentalidade
sincera, mas pouco variada, e que sob o aspecto da expressão acabara por se
tornar monótona, das gerações precedentes, a inspiração de Castro Alves
apareceu como uma novidade. Era, pois, bem-vindo o jovem poeta baiano, e não
lhe custou a assumir no breve tempo que viveu e poetou o principado da poesia.
É possível que Tobias Barreto o precedesse de dois ou três anos no arremedo de
Hugo e na facúndia poética alcunhada de condoreirismo. Esta precedência
meramente cronológica, não seguida de influência apreciável, por forma alguma
prejudica o fato incontestável da preeminência poética de Castro Alves neste
momento. Além de maior talento poético, de mais rica inspiração, de estro mais
poderoso e da expressão ao cabo mais formosa e mais tocante, concorreram para o
sobrelevar ao poeta sergipano a sua saída de Pernambuco e vinda ao Rio e S.
Paulo, e que lhe dilatou a fama além do estreito círculo pernambucano, no qual
se confinou a de Tobias Barreto, e, mais ainda, a publicação em 1870 dos seus
versos, ao passo que os do seu rival só vieram à luz onze anos depois. E em
tanto que as Espumas flutuantes, de
Castro Alves, têm hoje oito ou dez edições, afora numerosas publicações avulsas
de alguns dos seus poemas, os Dias e
noites de Tobias Barreto não alcançaram mais de duas. Este fato marca
suficientemente o grau de estima em que os dois poetas são tidos.

Lá no solo onde o cardo apenas medra,
Boceja a esfinge colossal de pedra
Fitando o morno céu.
De Tebas nas colunas derrocadas
As cegonhas espiam debruçadas,
O horizonte sem fim
Onde branqueja a caravana errante
E o camelo monótono, arquejante,
Que desce de Efraim...
Com Castro Alves pode dizer-se
que se alarga a nossa inspiração poética, objetiva-se o nosso estro e os poetas
entram a perceber que o mundo visível existe. Poeta nacional, se não mais
nacionalista, poeta social, humano e humanitário, o seu rico estro livrou-o de
perder-se num objetivismo que, não temperado de lirismo, é a mesma negação da
poesia. As coisas sociais e humanas as viu e entendeu e as cantou como poeta,
às vezes com prevalência da eloquência sobre o sentimento, mas sempre com
sentida emoção de poeta. A sua influência foi enorme, senão sempre estimável.
Atuou vantajosamente em alguns dos seus melhores sucessores, o que desculpa a
calamidade dos imitadores medíocres.

Machado de Assis e Luís Guimarães
Júnior, cronologicamente desta geração, estrearam com ela. Machado de Assis,
porém, mesmo como poeta, tem um lugar à parte e merece capítulo especial da
história da nossa literatura. Luís Guimarães Júnior, a despeito da cronologia,
pertence antes à geração parnasiana que a esta. Foi como parnasiano que ele
teve na poesia brasileira um lugar, se não distinto, notável, que os seus Corimbos (Pernambuco, 1869), pelos quais
pertence aos últimos românticos, não bastariam para dar-lhe.
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Imagens:
Acervo da Biblioteca Nacional Digital
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Imagens:
Acervo da Biblioteca Nacional Digital
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