4/22/2018

Um enigma histórico (Aspectos Biográficos de Bernardo Guimarães)



Um enigma histórico

Texto publicado originalmente no Suplemento Literário "Letras e Artes", no ano de 1950. Pesquisa e Adaptação ortográfica: Iba Mendes (2018)
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Bernardo Guimarães foi, como se sabe, um boêmio inveterado. É famosa a crônica de suas extravagâncias na Faculdade de Direito de São Paulo, numa época em que o byronismo estava em moda. O que muita gente, porém, talvez ignore, é ter o autor de a Escrava Isaura, quando adolescente, fugido do colégio ou do lar, para tomar parte na revolução liberal de 1842, que convulsionou as duas províncias de Minas e de São Paulo; movimento que, como se sabe, foi abafado por Caxias, numa campanha verdadeiramente fulminante, em que o grande cabo de guerra revelou seus dotes extraordinários de estrategista.


Entretanto, uma dúvida paira sobre a intervenção do jovem Bernardo Guimarães na luta. Teria combatido a favor ou contra os rebeldes? Antônio Constantino, em artigo publicado na Gazeta de São Paulo, a 23 de março de 1941, acha que foi no lado dos rebeldes, acrescentando haver o futuro romancista, juntamente com José Ferreira de Araújo, tomado parte no combate de Queluz.

Basílio Magalhães, biógrafo de Bernardo Guimarães, ouviu sobre esse ponto o depoimento da própria viúva do escritor. Disse ela que o tradicionalmente sabido no seio da família era que Bernardo, em companhia do irmão Manoel e de alguns escravos, tinha servido em Queluz, como artilheiro e acabado o combate, abandonara, sem demora, o campo de batalha, chegando à casa faminto, esfarrapado e disposto a não mais se arrojar a proezas dessa ordem.

Tais informações fizeram Basílio de Magalhães concluir que Bernardo Guimarães não esteve com os rebeldes e sim com os legalistas e por dois motivos: 1º — porque os legalistas é que foram derrotados e os que debandaram em Queluz; 2º — porque só eles dispunham de artilharia ali — uma peça de calibre 3.

Basílio Magalhães lembra ainda um estudo biográfico de Dilermando Cruz sobre Bernardo Guimarães — obra que não pudemos encontrar em parte alguma — em que o romancista figura ao lado dos legalistas.

Mas como se vê, a posição de Bernardo no movimento liberal ainda não está suficientemente esclarecida. Ele não deixou nenhum depoimento sobre o caso e sua viúva só soube dar as informações acima, em que não acrescenta se a ação do marido foi contra ou a favor da ordem.

Será aceitável a hipótese de haver Bernardo pelejado pelos rebeldes, dadas as tendências do seu temperamento. Mais ou menos rebelde ele sempre o foi durante toda a existência, excedendo-se na boemia, quando acadêmico de Direito em São Paulo e terrivelmente infenso ao rigor das letras jurídicas e à severidade magistratorial, quando juiz em Catalão, na província de Goiás. O próprio espírito de alguns dos seus romances ressuma essa tendência não-conformista. Mas ao aderir à luta, Bernardo era ainda um adolescente e não devia ter opinião firmada sobre nenhum dos partidos. Veria naquilo apenas uma aventura, a oportunidade para contar bravatas aos companheiros de colégio e é mais lógico tenha seguido o partido do pai — um legítimo conservador.


Jornal "Letras e Artes", 23 de julho de 1950.

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