5/06/2018

J. Aldegundes de Maia: O gigante Antônio Feliciano de Castilho (Crítica)

 

O gigante Antônio Feliciano de Castilho

Texto publicado originalmente no jornal "Pacotilha", em edição de 1918. Transcrição e atualização ortográfica de Iba Mendes (2018)


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Antônio Feliciano de Castilho é incontestavelmente, diz Pinheiro Chagas, um dos vultos mais notáveis da moderna literatura europeia. Pertence a essa plêiade de gigantes que apareceram no princípio do século XIX, e depois dos quais a natureza pareceu ficar fatigada do descomunal esforço que fizera para os produzir. Castilho foi dotado duma imaginação ardentíssima criadora, capaz de compreender a poesia de todas as épocas e de todos os países, tão apta para colorir os quadros que os outros traçaram, como para ela mesma os fantasiar, conhecendo o caminho que vai do belo ao bom, do agradável ao útil, imaginação vigorosa e penetrante, que, semelhante a esse instrumento dos exploradores dos terrenos auríferos, que vai procurar o ouro entre as areias que o cercam, sabe também encontrar por baixo dos cinzelados de mau gosto, com que o desvirtuam, o elemento poético de todas as literaturas.

O seu apurado bom gosto levou-o a ficar debruçado sobre as minas do passado clássico, enquanto os outros se aventuravam à toa do país maravilhoso do romantismo. Nem por isso desdenhou os opulentos veios descobertos pela moderna escola, e, depois de ter explorado no antigo terreno a esplêndida mina das Cartas de Eco e Narciso, e da Primavera, depois de ter mostrado as riquezas ignoradas, que aí jaziam e que tanto se diferençavam das falsas joias, com que se ufanava a arrebicada escola do século antecedente, empunhou o ataúde dos menestréis, e a sua doce voz, que conquistara os lauréis de Apolo aos seus clássicos rivais, venceu no torneio romântico os trovadores que descantavam chácaras e baladas.

Depois, quando, todos, enfastiados da degeneração do romantismo, começava a escrever o epitáfio da poesia portuguesa, Castilho ergueu a voz de novo, mais grave, mais sonora do que até aí. Se dantes enlevava, agora infundia respeito. A lira dos amores fizera-se a lira da civilização. Dourara-se a filosofia com os poéticos esplendores, assumira a poesia a majestade filosófica. E sem esquecer as suas predileções da infância nem os seus amores da juventude, Castilho deu as suas produções a doçura serena, a grave austeridade do outono da existência. Risonha no paganismo, melancólica nos seus cantares românticos, profunda na sua feição filosófica, a lira do nosso grande poeta é verdadeiramente a personificação da poesia na sua mais elevada significação.

 Espelho mágico, em que se miram todos os esplendores, harpa eólia que geme sempre com a aragem, quer esta lhe leve o perfume das rosas de Anacreonte, dos goivos do menestrel, ou das violetas do solitário cismador, eis o que é Antônio Feliciano de Castilho, a quem a natureza não quis conceder um lugar no amplo banquete de luz, onde se sacia a humanidade toda, para lhe dar, em recompensa, um lugar escolhido na mesa olímpica, onde corre a jorros o inebriante néctar da poesia.

PADRE J. ALDEGUNDES DA MAIA
Jornal “Pacotilha”, 17 de junho de 1918.

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