5/02/2018

Yves Bastos Portela - Antônio Botto, o poeta das almas sensíveis (Artigo)


Antônio Botto, o poeta das almas sensíveis
Texto publicado originalmente na revista "Fon-Fon", no ano de 1944. Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica de Iba Mendes (2017)

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Foi o poeta Francisco Lopes quem me revelou esse outro poeta, Antônio Botto, das Canções.

Botto é português. E pode ser considerado o precursor da poesia moderna, em Portugal.

É certo que o crítico José Gaspar Simões faz ressaltar que “a personalidade de Antônio Botto tem sido mais discutida do que a sua obra". Mas o caso é que o próprio Guerra Junqueiro assegurou, com a sua autoridade de poeta genial: “As canções Antônio Botto são eternas”.

Talvez o emotivo de Os Simples, assomo de entusiasmo incontido, tenha exagerado um pouco, na sua definição.

O que me parece mais justo, mais razoável, é o julgamento de Luige Pirandello, o grande Pirandello, quando afirma: "A poesia de Antônio Botto é um caso novo e genial".

Creio que, sendo mais comedido na sua maneira de ver e estudar o poeta, Pirandello foi, realmente, mais exato, mais preciso.

Porque, indiscutivelmente, Botto é um poeta de mérito.

Sob uma forma simples, espontânea, quase popular, aparentemente vulgar, e até mesmo plebeia, ele exprime ideias novas, conceitos originais, altas reflexões de um verdadeiro pensador, de um filósofo insolente – com um pouco do cinismo de Diógenes e a honestidade de Sócrates.

A sua biografia não o apresenta, e absoluto, como um homem perseguido pela dor. Pelo menos não parece ter sofrido como certos poetas.

Verlaine, por exemplo, sofreu mais. Baudelaire foi vítima de agruras e vexames mais tristes. Oscar Wide, como se sabe, foi uma criatura tiranizada pelo próprio destino. Nas mãos do seu destino, foi ele um fantoche. Seu opróbrio...

Muito bem! Não é preciso ir longe.

O caso é que Antônio Botto, com quarenta e dois anos apenas, não parece ter padecido como esses seus irmãos de sonho e de glória.

Entretanto, sob a forte influência de um lirismo a seu modo – um lirismo doloroso e displicente; agindo como um poeta que escreve para o coração e o cérebro, ele revela conhecer a fundo a alma humana.

De sorte que as suas belas canções traduzem, fielmente e sem esforço, o sentimento de todos os que amam e padecem. Amam e padecem com os seus fracassos e s suas vitórias calculadas, os seus erros e os seus triunfos, as suas grandezas e as suas baixezas comuns aos dois sexos em luta, sob os disfarces e os embustes do amor.

Não é fácil destacar uma das canções de Antônio Botto.

Abrindo o seu volume, encontro estas aí, que mais parecem esboços, ligeiros estudos de alma de um pintor ou breves anotações para um diário amoroso. Vejamos...

Morrer jovem
eis a minha aspiração!
Não me agrada chegar à velhice
e viver, inutilmente, na sombra
renunciando, privado...

Morrer Jovem
e de rosas coroado!

Outra:
Quando eu olho para as rosas
vermelhas do teu jardim,
mais se acentua o desejo
de deitar luto por mim...

 Outra, ainda:
A tudo quanto me pedes
porque obedeço – não sei.
vês? – quiseste que eu cantasse...
Pus-me a cantar – e chorei.

E este encanto de psicologia maliciosa do amor:

No amor,
não duvides, amor meu –
dois tipos de homem
houve sempre.

E esta verdade
que é maior que a própria vida,
só por ele –  vê lá bem!
poderá ser desmentida.
– Um,
a contemplar se contenta;
e outro
apaixona-se, intervém...

Antônio Botto, conquanto modernista por índole, não despreza os modelos consagrados pelos mestres de classicismo, como o soneto, por exemplo.

Um dos seus sonetos, que já mereceu inúmeras citações, até mesmo no  Dicionário Universal de Literatura, de Henrique Perdigão, é o que exprime "a sua ironia, toda a sua amargura, toda a sua intenção de artista".

Aqui está a sua bela peça poética:
Homem que vens de humanas desventuras,
que te prendes à vida e te enamoras,
que tudo sabes e que tudo ignoras,
vencido herói de todas as loucuras;

que te debruças, pálido, nas horas
das tuas infinitas amarguras
e na ambição das coisas mais impuras,
e és grande simplesmente quando choras;

que prometes cumprir e que te esqueces,
que te dás às virtudes e ao pecado,
que te exaltas e cantas e aborreces.

arquiteto do sonho e da ilusão,
ridículo fantoche articulado,
- eu sou teu camarada e teu irmão!

Antônio Botto é um poeta que nasceu para maravilhar as almas sensíveis.


YVES BASTOS PORTELA
Revista "Fon-Fon", abril de 1944.

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